Comissão Europeia

Elisa com os fundos: Rangel isolado nas críticas

Elisa Ferreira fica na coesão e política regional, mas também com as reformas estruturais, a transição energética e a política urbana. “Áreas estratégicas para o país”, diz o primeiro-ministro António Costa <span class="creditofoto">Foto TIAGO PETINGA / LUSA</span>

Elisa Ferreira fica na coesão e política regional, mas também com as reformas estruturais, a transição energética e a política urbana. “Áreas estratégicas para o país”, diz o primeiro-ministro António Costa Foto TIAGO PETINGA / LUSA

Portugal ficar com a tutela dos fundos europeus na nova Comissão é uma boa ou uma má notícia? Paulo Rangel escreveu um texto contra - mas não é acompanhado nem pelo Governo nem pelo seu colega de bancada José Manuel Fernandes

Texto Joana Mateus e Filipe Santos Costa

O primeiro-ministro António Costa elogia, o ministro Nelson de Souza elogia, Rui Rio como-que-elogia, o eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes elogia - a atribuição a Elisa Ferreira do pelouro dos fundos estruturais na nova Comissão Europeia foi esta terça-feira recebida com aplausos de socialistas e sociais-democratas, mas uma voz destoou: Paulo Rangel, o cabeça de lista do PSD nas últimas eleições europeias, já tinha criticado essa possibilidade ainda antes de ter sido confirmada pela nova Senhora Europa, Ursula Von der Leyen.

“Se o comissário de uma certa nacionalidade tem a seu cargo uma pasta em que o seu país tem um interesse direto, as suas capacidades de atuação e margem de manobra ficam largamente afetadas. Enquanto comissário responsável, ele terá de arbitrar, de conciliar, de promover consensos; estará demasiado exposto para poder promover alguma ‘agenda’ nacional”, escreveu Rangel na edição de hoje no jornal Público, que chegou às bancas poucas horas antes da divulgação oficial da distribuição de responsabilidades na Comissão Von der Leyen.

Elisa Ferreira ficou com as responsabilidades que já lhe eram apontadas na coesão e política regional, mas também com as reformas estruturais, a transição energética e a política urbana. “Áreas estratégicas para o país”, disse António Costa, considerando que a atribuição desta pasta “honra” Portugal.

No texto escrito mesmo antes da divulgação do futuro executivo comunitário, Paulo Rangel não podia estar mais distante, do ponto de vista da avaliação dos ganhos que Portugal possa retirar desta distribuição de responsabilidades. “O comissário que seja responsável pelos fundos estruturais terá de adotar uma posição neutral, basicamente de arbitragem e negociação. Não poderá puxar pela agenda do seu país de origem; bem ao contrário. Dado que, em matéria de fundos europeus, temos um largo e complexo caderno reivindicativo, não se vislumbra nem vê qual possa ser a vantagem de Portugal ser posto no lugar de quem tem de arbitrar, de fazer concessões, de dar o exemplo, de esconjurar todas as leituras de um favorecimento ou de um conflito de interesses.”

As cautelas de Rio...

Rui Rio não pensa o mesmo que o seu eurodeputado, cuja visão considera “pessimista”. O líder do PSD acha que “objetivamente” a competência atribuída a Elisa Ferreira “tem relevo”, e prefere aguardar para ver, antes de fazer qualquer comentário sobre o desempenho concreto. Porque tudo vai agora depender da habilidade da futura comissária portuguesa.

De acordo com a Lusa, o líder do PSD considerou que “uma coisa é a pasta” e outra será a forma como Elisa Ferreira “consegue ou não gerir o poder que pode ter e se consegue, pelo facto de ser portuguesa, não prejudicar Portugal” na questão dos fundos. “Vai ter de ter muita habilidade para gerir uma pasta onde Portugal é notoriamente um país interessado”, alertou Rio. Mas, à partida, não encontrou qualquer razão para considerar que Portugal possa vir a ser prejudicado na questão concreta da distribuição de fundos.

Rangel confessou, durante a manhã, que ficou “desencantado” com a pasta atribuída a Portugal, mas Rio não o acompanhou. “Nem fiquei nem deixei de ficar [desencantado], vai ser medido com a forma como vai ser exercida a pasta. Ele [Rangel] pode estar com uma visão mais pessimista da margem de manobra que a dra. Elisa Ferreira pode ter, eu neste momento prefiro aguardar”.

...a satisfação do ministro...

Ouvido pelo Expresso, o ministro Nelson de Souza, que tutela os fundos estruturais, recusou-se a comentar o ponto de vista do eurodeputado do PSD. As palavras do governante foram apenas de regozijo pela responsabilidade atribuída à comissária portuguesa.

“A pasta atribuída à comissária Elisa Ferreira traduz-se em responsabilidades em políticas centrais na União Europeia, como são a Coesão, as Reformas Estruturais, a Transição Energética e a Política Urbana”, frisa Nelson de Souza, notando que “de acordo com a proposta do Quadro Financeiro Plurianual, prevê-se que as primeiras duas possam vir a representar cerca de 300 mil milhões de euros de orçamento. Trata-se de responsabilidades não apenas executivas, já que o processo de definição da política de coesão e de apoio às reformas estruturais ainda está em construção.”

O ministro do Planeamento considera ainda que “Elisa Ferreira está muito bem preparada para enfrentar os desafios que o pelouro encerra, aliando a sua competência a um conhecimento dos processos de convergência económica dos países com menores níveis de desenvolvimento”. Na opinião do governante, esta escolha é uma “boa notícia para a União Europeia”, e “melhor ainda para os países, como Portugal, que necessitam continuar a convergir com a Europa.”

Sobre as eventuais desvantagens para Portugal, por ser um dos países mais interessados nestas políticas, nem uma palavra.

… e do eurodeputado do PSD

Também José Manuel Fernandes, social-democrata e colega de bancada de Paulo Rangel, opta por focar-se nos desafios e nos aspetos positivos desta nomeação. “É uma responsabilidade acrescida para Portugal pois a Elisa Ferreira vai ficar com os dois fundos que enfrentam mais cortes: o Fundo da Coesão e o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)”, explica. Recorde-se que este eurodeputado ocupa um lugar-chave no que toca às negociações dos fundos comunitários no Parlamento Europeu, sendo o coordenador do maior grupo político – o Partido Popular Europeu (PPE) – na comissão dos Orçamentos.

José Manuel Fernandes espera agora que a nova comissária consiga inverter os cortes propostos pela anterior Comissão Europeia para próximo quadro comunitário 2021-2027. Cortes que afetam não só Portugal, mas a maioria dos países mais pobres da União Europeia. “A pasta das reformas - que financiará os países em função das reformas estruturais que implementarem - também dará à nova comissária um espaço de atuação superior ao da negociação dos fundos. É uma pasta que lhe permitirá estabelecer pontes com outros comissários e ganhar influência na Comissão Europeia”, acrescenta José Manuel Fernandes.

Recentemente considerado como o eurodeputado português mais influente no Parlamento Europeu, José Manuel Fernandes tem em mãos a negociação do próximo quadro financeiro plurianual da União Europeia pós-2020, sendo responsável por conseguir estabelecer acordos com os restantes grupos políticos sobre todos os dossiês relacionados com dinheiro. De António Costa, no Conselho Europeu, e de Elisa Ferreira, na futura Comissão, espera aliados com força política suficiente para alinharem com o Parlamento Europeu na reversão do corte dos fundos previsto para o próximo quadro comunitário 2021-2027, vulgo Portugal 2030.