O tamanho conta mesmo?
À medida que nos aproximamos do fim desta primeira temporada da Lei de Bases da Saúde, o tamanho vai contando cada vez mais. O PS afirma que a divergência sobre hospitais privados gerirem os hospitais públicos é coisa insignificante, há tantas outras questões, esta está no fundo da lista de prioridades. Ora, sendo a questão pequena, recusa qualquer entendimento e prefere que não haja lei a haver um compromisso. A esquerda, pelo contrário, afirma que essa divergência é coisa grande. E, por isso mesmo, para resolver a questão, sugeriu compromissos para que haja lei. Há aqui dois pesos e duas medidas. Para o PS, se é pequeno o motivo, é caso de rutura. Para a esquerda, se é grande, é caso para se falar.
Assim, passaram a estar em cima da mesa dois temas, nenhum deles de somenos. O primeiro é a Lei. Uma Lei de Bases é um quadro organizador da legislação sobre as prioridades, a estratégia, as instituições, o funcionamento e as pessoas do Serviço Nacional de Saúde, bem como sobre o quadro em que se desenvolve a atividade empresarial na saúde privada. Concretiza o princípio constitucional de assegurar a proteção universal em saúde. A partir dessa lei define-se o princípio da atividade dos serviços de saúde. E depois falta tudo o resto: financiamento, recrutamento e qualificação de quadros, construção de serviços e edifícios, articulação entre instituições de saúde, campanhas de prevenção, educação para a saúde, investigação científica. A Lei é um ponto de partida e depois terá que vir o plano de ação. Se só houver lei e não houver nem financiamento nem pessoas, tratar-se-á de uma mistificação.
Tem ficado evidente que para o PS não pode haver Lei de Bases da Saúde se ela não determinar que este modelo deve continuar. E exibe assim uma forma de negociar que não aceita qualquer compromisso e, como se viu, até é capaz de rasgar uma negociação e recusar as suas próprias propostas quando outros interesses se levantam
Há depois a segunda questão, que foi ganhando corpo à medida que se foi tornando evidente que o PS só aceita um acordo desde que este garanta a continuação da gestão privada dos hospitais públicos. Para manter esta posição intransigente, o Governo sabe que corre riscos, em particular quando a perceção pública dessas parcerias é tão negativa, depois do fim do contrato de Braga e com as investigações da Polícia Judiciária em Cascais, com as acusações do regulador em Vila Franca de Xira (que terão levado ao fim do contrato) e com as acusações de um sindicato médico em Loures. Apesar disso, até à hora em que esta crónica é escrita, tem ficado evidente que para o PS não pode haver lei se ela não determinar que este modelo deve continuar. E exibe assim uma forma de negociar que não aceita qualquer compromisso e, como se viu, até é capaz de rasgar uma negociação e recusar as suas próprias propostas quando outros interesses se levantam.
Há neste modo napoleónico uma arrogância que é um preocupante sinal para o futuro imediato. Mais vale não fechar os olhos ao problema. Se Portugal viver maiores dificuldades nos próximos anos, e vai mesmo viver, é preciso aprender com o passado e melhorar o que correu bem. É preciso mais capacidade de trabalho em alternativas concretas. É preciso mais conhecimento dos problemas da vida social. E isso significa que as soluções autoritárias são as piores, são as mais fechadas e promovem interesses particulares contra o interesse geral. Como se verifica na questão da saúde.