REINO UNIDO

Theresa May pede socorro na véspera do Conselho Europeu

May espera que Merkel ajude a convencer o Conselho Europeu a aceitar adiar o Brexit <span class="creditofoto">Foto Felipe Trueba/EPA</span>

May espera que Merkel ajude a convencer o Conselho Europeu a aceitar adiar o Brexit Foto Felipe Trueba/EPA

Primeira-ministra britânica procura ajuda de Angela Merkel e Emmanuel Macron para conseguir adiamento do Brexit até 30 de junho

Texto PEDRO CORDEIRO

Theresa May vive esta terça-feira uma tarde de esforços diplomáticos, na véspera do Conselho Europeu que avaliará o seu pedido de adiamento do Brexit e depois de este assunto ter obrigado a rainha a uma noitada na segunda-feira (já lá vamos). A primeira-ministra do Reino Unido encontra-se com os líderes de dois dos países mais influentes da União Europeia (UE), que voltará encontrar quarta-feira, no Conselho Europeu, 48 horas antes do prazo em vigor para o Reino Unido sair.

Após um almoço de trabalho com a chanceler alemã, em Berlim, a primeira-ministra britânica saiu sem fazer comentários e viajou para Paris, onde a esperava o Presidente francês, Emmanuel Macron.

<span class="creditofoto">Foto Reuters</span>

Foto Reuters

Em Berlim, May discutiu com Angela Merkel o pedido de adiamento e, segundo o gabinete da primeira-ministra britânica, ambas “acordaram que é importante garantir que o Reino Unido saia ordeiramente da UE”, tendo ainda falado do Iémen e da Síria. O lado germânico foi lacónico: “Falaram sobre o Brexit”.

Estas viagens realizam-se num contexto em que há entre os 27 Estados-membros quem questione a utilidade de atrasar o Brexit até 30 de junho, como pediu May. Macron está neste grupo e um seu porta-voz disse hoje aos jornalistas que “um ano seria de mais” e que qualquer atraso requer “garantias muito estritas” de que o Reino Unido não sabotará a UE enquanto ficar. Condição inegociável para Bruxelas é que os britânicos votem nas eleições europeias de maio.

“Absolutamente nada mudou”, lastimava hoje o secretário de Estado dos Assuntos Europeus alemão, Michael Roth. O seu país tem sido dos mais pacientes com Londres neste processo, ao contrário de Estados como França, Espanha, Áustria, Grécia, Holanda ou Eslovénia, que não veem com tão bons olhos a ideia de adiar a saída do Reino Unido.

Não obstante, o diário “The Guardian” escreve que é provável que os parceiros europeus proponham à governante um prazo mais alargado, até ao fim de 2019, pois não vislumbram um roteiro claro proposto por Londres para quebrar o impasse atual. “A duração do adiamento tem de estar alinhada ou ligada com o objetivo desse adiamento”, exigiu o negociador-chefe da UE para o Brexit num encontro com governantes dos 27 com a pasta dos Assuntos Europeus. Roth exige “critérios muito rigorosos” para qualquer decisão no Conselho Europeu.

Negociações pouco produtivas

A conservadora May encetou negociações com o Partido Trabalhista, com vista a um consenso que garanta a aprovação parlamentar já três vezes negada ao acordo que firmara com a UE em novembro. Quis apresentar esse gesto, perante a UE, como prova de um novo rumo que justifica o adiamento pedido, mas o fumo branco tarda a surgir. Há avanço em pastas como os direitos laborais e as normas ambientais, mas não nas partes mais polémicas do acordo, como o nível de proximidade com a UE.

Michel Barnier indicou ainda que a aceitação pelo Executivo britânico da ideia do líder trabalhista, Jeremy Corbyn, de o Reino Unido se manter numa união aduaneira com a UE seria bem vista em Bruxelas e justificaria o adiamento pedido. Crê que aceitar o pedido aumenta a pressão sobre os deputados britânicos para aprovarem o controverso acordo. Se o adiamento for rejeitado, recorde-se, o que está consagrado em lei britânica e internacional é uma saída sem acordo às 23h de sexta-feira, 12 de abril.

Os trabalhistas expressaram, segunda-feira, alguma frustração com a falta de cedências de May. Alguns defendem mesmo um segundo referendo, que a primeira-ministra tem rejeitado mas que o diário “The Telegraph” admite que acabe por colocar à votação dos deputados, se tal for crucial para levar a bom porto as conversações com Corbyn. Sucede, porém, que a nova consulta popular tampouco é unânime entre os trabalhistas.

Entre os conservadores de May, tanto a nova ida às urnas como a própria união aduaneira são rejeitadas por uma fatia importante do partido e do próprio Governo. O ministro do Comércio Internacional, Liam Fox, escreveu ao grupo parlamentar conservador a alertar que tal seria “o pior de dois mundos”.

A chanceler alemã tem sido mais compreensiva com o Reino Unido do que dirigentes como o francês Emmanuel Macron <span class="creditofoto">Foto Clemens Bilan/EPA</span>

A chanceler alemã tem sido mais compreensiva com o Reino Unido do que dirigentes como o francês Emmanuel Macron Foto Clemens Bilan/EPA

Cavalos de Troia

A abertura a Corbyn, que provocou a demissão de dois membros do Executivo em protesto, é muito mal vista pela ala eurocética do Partido Conservador. Um dos seus elementos mais radicais, o deputado Mark Francois, reivindicou mesmo uma votação no grupo parlamentar para confirmar ou infirmar a confiança do mesmo na primeira-ministra. Tendo uma moção de censura interna sido rejeitada em dezembro último, ditam os estatutos que não é possível apresentar outra no prazo de um ano, mas Francois quer, ainda assim, uma “votação indicativa”.

O político deseja mesmo que o Conselho Europeu rejeite o pedido de May e que o país deixe a UE já no dia 12. “Não faz sentido conceder um adiamento temporário para empurrar com a barriga, na esperança de que ratifiquemos por fim o acordo de saída, pois nunca o faremos”, afirmou numa conferência, esta manhã. Os eurocéticos radicais uniram-se à oposição três vezes, desde janeiro, para chumbar o acordo. O mesmo fez o Partido Unionista Democrático norte-irlandês, apesar de ser o sustento do Governo minoritário de May.

Francois ameaça mesmo a UE. Se o Reino Unido for obrigado a ficar mais tempo, promete: “Tornar-nos-emos um ‘cavalo de Troia’ na UE, o que acabará por fazer descarrilar todas as vossas tentativas de avançar com um projeto mais federalista”. O seu colega Jacob Rees-Mogg já defendera que o país devia ser “o mais difícil possível” para a UE enquanto nela permanecer e que o próximo primeiro-ministro, possivelmente vindo da fação antieuropeia, não ficará vinculado a nada do que May prometer.

A putativa obstrução britânica inquieta os 27. A secretária de Estado dos Assuntos Europeus francesa afirmou, na reunião com Barnier, que o Reino Unido, caso fique na UE mais tempo, não poderia impedir “quaisquer decisões que a UE tomasse sem ele”. Amélie de Montchalin avisou também que o pedido de adiamento “não está garantido nem é automático”.

Não haverá renegociação

Em paralelo com a carta de May a Tusk a sugerir o Brexit a 30 de junho, a Câmara dos Comuns tomou a sua própria iniciativa, ao aprovar ontem, depois de um processo acelerado que envolveu também a Câmara dos Lordes, uma lei proposta há pouco mais de uma semana.

O diploma cria um mecanismo jurídico que permite aos deputados ordenarem que a primeira-ministra peça o adiamento do Brexit enquanto não houver acordo aprovado para sair. Da autoria da trabalhista Yvette Cooper e do conservador Oliver Letwin, limita a margem de manobra de May e foi considerada um precedente constitucional de relevo.

Por efeito da nova lei — cuja promulgação já depois das 23h de segunda-feira significa que a rainha Isabel II teve de ficar acordada até tarde —, May apresentou uma moção, que os parlamentares aprovaram esta terça-feira à tarde (420 votos a favor,110 contra), que a mandata para pedir o adiamento até 30 de junho. Os trabalhistas anunciaram que apoiariam May caso voltasse de Bruxelas com um adiamento mais longo.

Do lado da UE há disponibilidade para ponderar a extensão do prazo — e até para fixar uma data e admitir que o Brexit aconteça mais cedo em caso de acordo — e incluir a união aduaneira na declaração política sobre as relações bilaterais futuras, mas é dito e reiterado que o acordo de saída não poderá ser renegociado. Quer Barnier quer um porta-voz do Governo alemão confirmaram que estava fora de questão, mesmo que ainda haja no Partido Conservador quem exorte May a exigir a reabertura do documento.

É esta incapacidade do Reino Unido para forjar uma posição que exaspera os parceiros europeus. “Infelizmente tenho de dizer que as condições que o Conselho Europeu determinou na última reunião não estão reunidas. O que significa que o tempo se esgota a 12 de abril”, asseverava Roth, do Governo alemão. Rematou com uma referência — que já se tornou habitual neste processo — ao filme “Feitiço do Tempo”: “É de novo o Dia da Marmota”.