Opinião

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Martim Silva

Corrupção: atirar a porcaria para baixo do tapete não é solução

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No último sábado, o Expresso dava destaque – foi manchete da edição do jornal – à notícia “Governo pressiona OCDE a mudar capítulo sobre corrupção”. A polémica nasce à volta do Economic Survey, um relatório que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) faz a cada dois anos e no qual analisa aspetos da nossa economia. E este ano um dos temas abordados é precisamente o funcionamento da Justiça e o impacto do fenómeno da corrupção.

Aparentemente, o Governo não gostou que o tema abordado fosse esse e está a pressionar a organização, de que faz parte, para que o retrato do nosso país não seja pintado em tons demasiado sombrios. A isto acresce que o departamento responsável pela elaboração do relatório tem como responsável o antigo ministro da Economia do Governo de Passos e Portas. O Álvaro.

A vantagem desta notícia é desde logo dar-nos a conhecer algo que normalmente não tem grande destaque e não passa de uma nota de rodapé. O Economic Survey da OCDE não é seguramente matéria de leitura da esmagadora maioria dos portugueses. Que aliás nunca devem ter ouvido falar de tal coisa. Não sendo tema de todos os relatórios, a corrupção é abordada em alguns deles.

A corrupção é um problema, sim senhor. O que o Governo devia fazer era enfrentar o problema de frente, dar garantias de que tudo está a fazer para o combater, em vez de parecer querer varrer a porcaria para baixo do tapete. É que assim ela desaparece da vista mas continua lá toda

Logo aqui, o primeiro erro do Governo. Ao demonstrar irritação perante o conteúdo de um documento que ainda nem sequer existe (deve ser concluído lá para fevereiro) está à partida a dar mais visibilidade a algo que seguramente pouca teria de outra forma. Não só o relatório já está a ser falado, como seguramente muita tinta mais vai correr quando for conhecida a versão final.

Depois, a luta do Governo, encabeçada pelo sempre diligente e politicamente agressivo Augusto Santos Silva, é um erro político. Na sua formulação que é sempre um misto de pantufada com boxe feito com luvas de pelica, o responsável pela diplomacia portuguesa afirma que “se o relatório fosse transformado numa simples listagem de ideias feitas, perceções, estereótipos, seria muito errado e Portugal teria de protestar".

A perceção já está criada. O Governo não quer que o relatório da OCDE diga que Portugal tem um problema de corrupção. Até pode alegar que tem razão de fundo e que o documento tem de estar baseado em factos e dados reais. Que Álvaro Santos Pereira tem uma embirração particular com os socialistas. Isto pode ter um fundo de verdade, mas a perceção está criada. E é negativa para o atual Executivo.

Não é preciso embarcarmos na habitual chamada ‘conversa de taxista’. É evidente que Portugal tem um problema de corrupção. Que não é de hoje. Isto não quer dizer que o país seja todo feito de corruptos, ou que os políticos aceitem todos embarcar em práticas menos claras. Trata-se de um problema que objetivamente existe. Qualquer país em que um antigo primeiro-ministro, o antigo banqueiro mais poderoso do país e os antigos líderes de algumas das maiores empresas estão a ser investigados e acusados de crimes económico-financeiros graves tem de o admitir.

Os dados públicos existentes também o confirmam. O número de inquéritos instaurados por crimes de corrupção subiu no último ano mais de 50 por cento.

De acordo com estudos conhecidos , a corrupção ‘custa’ todos os anos ao nosso país qualquer coisa como 18,2 mil milhões de euros.

A corrupção é um problema, sim senhor. E é um problema grave. Causa danos económicos e políticos muito graves.

O que o Governo devia fazer era enfrentar o problema de frente, dar garantias de que tudo está a fazer para o combater, em vez de parecer querer varrer a porcaria para baixo do tapete. É que assim ela desaparece da vista mas continua lá toda.