Economia

Manuel Pinho, Nova Iorque e os brindes da EDP: a história de um convite

Pinho deixou o Governo em 2009 e em 2010 estava a lecionar em Nova Iorque <span class="creditofoto">Foto Alberto Frias</span>

Pinho deixou o Governo em 2009 e em 2010 estava a lecionar em Nova Iorque Foto Alberto Frias

Entre os milhares de emails de António Mexia a que o DCIAP teve acesso está um que mostra a ligação entre Pinho, a EDP e outros quadros destacados do sector energético. Ministério Público vai ouvir mais testemunhas este mês, incluindo o antigo ministro do Ambiente Francisco Nunes Correia

Texto Miguel Prado

Setembro de 2011. Portugal já estava sob assistência financeira da troika. Mas do outro lado do Atlântico havia oportunidades de ouro para brilhar. Manuel Pinho, que dois anos antes tinha abandonado o Governo de José Sócrates, vivia em Nova Iorque, lecionando na Universidade de Columbia. O programa era de política energética. E um dos compromissos era comunicar, o melhor possível, os méritos da aposta em energias renováveis. Pinho conhecia bem essa aposta: afinal, o Governo de que fez parte lançou um concurso eólico, pôs em marcha um plano de barragens e lançou as bases de um Portugal energeticamente mais verde.

Em Columbia havia que promover as renováveis. E havia que dar o exemplo de Portugal. A 9 de setembro de 2011 Manuel Pinho envia um convite a um grupo restrito de personalidades, para irem em outubro dar palestras em Yale e em Columbia. Mais. Pinho garante ter um convite da universidade de Harvard. “Um convite que teríamos de encaixar na quarta ou na sexta-feira, para a glória de V. Exas, que numa semana falariam onde o comum dos mortais gostaria de falar numa vida inteira”, escreve o ex-ministro.

O convite de Manuel Pinho consta do acervo de e-mails a que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) teve acesso no âmbito das buscas feitas à EDP no ano passado, nas quais apreendeu correspondência eletrónica do presidente executivo da EDP, António Mexia, e do administrador João Manso Neto. Esses emails, que a SIC e a Visão começaram a revelar esta quinta-feira, mostram a forma como entre 2006 e 2007 a gestão da EDP esteve diretamente envolvida na definição de decisões do Governo de Sócrates em matéria de energia.

Em 2011, quando Pinho prepara a semana de convidados portugueses em Columbia, ninguém sabia que a oportunidade de trabalho do ex-ministro nos Estados Unidos da América tinha sido viabilizada graças a um donativo de 1,2 milhões de dólares da EDP, para um programa de quatro anos, que havia arrancado em 2010. Ninguém sabia... a não ser Pinho, a administração da EDP e os responsáveis de Columbia.

Um dos convidados de Pinho foi José Carvalho Netto, que então liderava o Omip, o operador do polo português do mercado ibérico de eletricidade (Mibel). Mas a 6 de outubro de 2011 Carvalho Netto escreve a Manuel Pinho dizendo que não poderia ir a Nova Iorque, devido à sua agenda preenchida entre Lisboa e Madrid.

A 7 de outubro Manuel Pinho prossegue os preparativos da semana de convidados portugueses em Nova Iorque e envia um e-mail ao diretor de planeamento da EDP, Pedro Neves Ferreira, ao diretor de regulação da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Artur Trindade (que no ano seguinte seria nomeado secretário de Estado da Energia) e ainda a José Amarante dos Santos (quadro de topo da REN).

“Meus caros, segue o programa para a visita a NYC [Nova Iorque]. Na segunda-feira teremos em Columbia o Dr. Rui Cartaxo [ex-assessor de Pinho no Ministério da Economia e à época presidente executivo da REN]”, Luís Atienza e G. Van Willie para uma interessante conferência em Columbia. Depois, podíamos todos jantar”, lê-se no email. O programa descrito por Pinho previa conferências em Yale e Columbia, apresentando um “case study” sobre Portugal e um jogo de estratégia para estudantes. Esse jogo tinha sido criado pela EDP, e servia para testar conhecimentos de planeamento energético.

No seu contacto com Pedro Neves Ferreira, Artur Trindade e Amarante dos Santos, Manuel Pinho elogiava as apresentações que estes já tinham enviado como suporte para a visita a Columbia e Yale. “Os vossos textos estão ótimos. Para o “strategy game” o prémio para o vencedor será uma camisola autografada do Cristiano Ronaldo”, explicava o ex-ministro.

DCIAP teve acesso a milhares de emails de João Manso Neto e António Mexia <span class="creditofoto">Foto Luís Barra</span>

DCIAP teve acesso a milhares de emails de João Manso Neto e António Mexia Foto Luís Barra

Após receber esse programa, Pedro Neves Ferreira contacta António Mexia, informando que de 17 a 21 de outubro estaria em Nova Iorque, a convite de Manuel Pinho, para participar nas aulas. “E também jogar o nosso Simulador 2050 com os alunos dele”, explicava o diretor de planeamento da EDP. “Seria giro ter algum brinde institucional da EDP, até porque esta cadeira é patrocinada por nós”, escrevia Pedro Neves Ferreira.

Ao que o Expresso apurou, além de Cartaxo, Amarante dos Santos, da REN, participou efetivamente na iniciativa promovida por Pinho. Mas Artur Trindade garante não ter ido. Trindade era responsável na ERSE pela regulação, ou seja, lidava com temas em que a EDP era parte interessada. A mesma EDP que financiava Columbia, onde Manuel Pinho lecionava. Artur Trindade assegurou ao Expresso que à época desconhecia o financiamento de Columbia pela EDP.

O antigo diretor da ERSE e ex-secretário de Estado da Energia admite apenas ter participado no curso The Energy MBA, que Manuel Pinho coordenou no ISCTE e que contava no seu programa com figuras de topo do sector energético português.

Novas inquirições este mês no DCIAP

O episódio das palestras em Nova Iorque é apenas um de vários casos identificados pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto como reveladores da estreita cooperação entre Manuel Pinho e a EDP, quer enquanto foi ministro da Economia (tendo Rui Cartaxo como intermediário), quer depois de sair do Governo (através de Pedro Neves Ferreira ou diretamente com a administração da EDP).

E no processo que corre no DCIAP, e que não está em segredo de justiça, Carlos Casimiro e Hugo Neto vão intensificar a investigação nas próximas semanas, ouvindo um rol de personalidades que poderão dar mais informações sobre Manuel Pinho, as suas decisões e as relações do ex-ministro com a EDP, com o Grupo Espírito Santo e com outros grupos económicos (o grupo Imatosgil está agora também no radar dos procuradores).

Os autos do processo, que o Expresso consultou esta sexta-feira, revelam que na passada quarta-feira foi ouvido no DCIAP o presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, Orlando Borges, pelo seu papel, entre 2006 e 2007, na preparação de legislação relativa ao domínio público hídrico (objeto de uma extensão de concessões à EDP sem concurso público).

O antigo ministro do Ambiente Francisco Nunes Correia também foi chamado ao DCIAP pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto e deverá ser ouvido nas próximas semanas.

Os procuradores querem ainda ouvir, durante este mês, o ex-administrador da REN Paulo Pinho e Maria de Lurdes Baía, igualmente da REN, que já foram inquiridos no âmbito do processo da EDP e de Manuel Pinho.

Também foram contactados, para irem depor no DCIAP, ex-membros do gabinete de Pinho no Ministério da Economia, nomeadamente Teresa Moreira e António Souto, e uma antiga secretária de Pinho no Banco Espírito Santo, Maria de Jesus Ribeiro.

Pinho deverá ser ouvido novamente no Parlamento, sobre rendas da energia, a 20 de dezembro <span class="creditofoto">Foto Luís Barra</span>

Pinho deverá ser ouvido novamente no Parlamento, sobre rendas da energia, a 20 de dezembro Foto Luís Barra

Procuradores querem ver contas de Pinho no Novo Banco e Deutsche Bank

Conforme já foi revelado pelo “Observador”, os procuradores do DCIAP ficaram a saber quanto dinheiro ao certo Manuel Pinho regularizou ao abrigo do RERT (programa de regularização de rendimentos e património no exterior não declarados em Portugal): foi um total de 2,7 milhões de euros, sujeitos a uma taxa de imposto de 7,5%, que eliminaram quaisquer responsabilidades fiscais ou criminais que pudessem ser imputadas a Pinho por não ter declarado ao fisco aqueles rendimentos.

Pinho regularizou 1,6 milhões de euros que tinha numa conta no Banque Privée Espírito Santo na Suíça, ligada à offshore Tartaruga Foundation, e ainda 1,1 milhões de euros depositados numa conta no Deutsche Bank, também na Suíça, ligada à offshore Mandalay Asset Management Corp.

Depois de saberem o que Pinho tinha depositado na Suíça, os procuradores do DCIAP querem agora obter informação detalhada sobre os movimentos financeiros de Pinho em Portugal. A 27 de novembro o DCIAP formalizou junto do Novo Banco e da filial portuguesa do Deutsche Bank o pedido de acesso aos extratos bancários de Manuel Pinho e da sua mulher desde 1 de janeiro de 2004 até hoje.

Os autos do processo revelam que o Deutsche Bank respondeu na última quarta-feira ao DCIAP solicitando o nome completo de Pinho e da mulher e os respetivos números de contribuinte, antes de facultar a informação.