Reino Unido

Um Parlamento “do outro lado da rua” ou um “sit-in” de deputados. Boris sob pressão

Boris Johnson, provável líder dos conservadores e primeiro-ministro britânico, admite a suspensão da legislatura até depois do prazo para forçar o Brexit sem acordo <span class="creditofoto">Foto NEIL HALL / EPA</span>

Boris Johnson, provável líder dos conservadores e primeiro-ministro britânico, admite a suspensão da legislatura até depois do prazo para forçar o Brexit sem acordo Foto NEIL HALL / EPA

Boris Johnson não abre mão da possibilidade de suspender o Parlamento para forçar o Brexit no Halloween, mesmo que não haja acordo de saída. Surgem, por isso, planos para travar a hipótese reiterada pelo provável futuro primeiro-ministro britânico. Um deles passa por os deputados se recusarem a abandonar a Câmara dos Comuns. Outro contempla mesmo a criação de um “Parlamento alternativo”. São “medidas verdadeiramente drásticas” e “a um nível sem precedentes”, qualifica um politólogo

Texto Hélder Gomes

Boris Johnson, o candidato mais bem posicionado para liderar o Partido Conservador e, por essa via, o Governo do Reino Unido, recusa-se a afastar a hipótese de suspender o Parlamento caso este se oponha a uma saída da União Europeia (UE) sem acordo. O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros (que disputa a liderança com o seu sucessor, Jeremy Hunt) quer manter essa carta na manga de modo a contornar a maioria na Câmara dos Comuns que se opõe a um Brexit sem acordo. Se depender dele, o Reino Unido sairá do bloco a 31 de outubro “venha o que vier”, “com ou sem acordo”.

Dado que essa saída está legalmente consagrada no direito britânico e comunitário, basta ao Governo do Reino Unido nada fazer para que ela aconteça. No entanto, o Parlamento tem formas de bloquear essa saída à bruta. Daí que Johnson admita a suspensão da legislatura até depois do prazo para forçar o Brexit sem acordo. Seria sempre um passo dramático, pois exigiria a aprovação da rainha. Isabel II faria, é claro, o que o Executivo indicasse, pois não tem poder governativo. Mas envolvê-la já seria sintoma da gravidade do momento.

Entre os deputados conservadores, aqueles que se opõem a uma saída desordenada têm cerrado fileiras para fazer frente ao provável futuro primeiro-ministro. As estratégias que vêm sendo discutidas vão desde a recusa dos deputados em abandonar o Parlamento (“sit-in”, ou seja, um protesto passivo) à realização de reuniões plenárias noutro edifício. “São medidas verdadeiramente drásticas de ambos os lados, quer por via da suspensão do Parlamento, quer pela recusa em abandoná-lo”, comenta ao Expresso o politólogo Simon Usherwood.

Tanto Johnson como os seus opositores “estão a forçar os limites a um nível sem precedentes”, com o argumento de que “se uns podem ser radicais, os outros podem sê-lo igualmente”, descreve o politólogo, que é também professor e investigador da Universidade de Surrey. “Nunca houve nada tão extremo. Nos últimos anos, têm surgido elementos negativos no debate que, não sendo necessariamente ilegais, também não são particularmente constitucionais, porque embatem no espírito das leis”, aponta ainda. O Reino Unido não tem Constituição escrita, baseando-se muito na convenção e no precedente.

Philip Hammond tem liderado a oposição conservadora a uma saída desordenada da UE <span class="creditofoto">Foto WIktor Szymanowicz / NurPhoto</span>

Philip Hammond tem liderado a oposição conservadora a uma saída desordenada da UE Foto WIktor Szymanowicz / NurPhoto

“COMPLETAMENTE INACEITÁVEL E TONTO”

O ministro das Finanças Philip Hammond tem liderado a oposição conservadora a uma saída desordenada da UE, que, a seu ver, representa uma “catástrofe” e causaria grandes prejuízos à economia britânica. Quanto à hipótese de suspensão do Parlamento, Hammond afirma tratar-se de um plano “completamente inaceitável e tonto”. “A ideia de deputados eleitos ficarem bloqueados no exterior do seu local de trabalho... por poderem fazer o seu trabalho é verdadeiramente chocante”, reforça.

A imprensa britânica escreve que Hammond está à frente de um grupo de cerca de 30 deputados conservadores, apoiados pelo antigo primeiro-ministro John Major, que ameaçou levar o Governo a tribunal se este suspender o ramo legislativo.

Usherwood relativiza o peso dos nomes que vão emergindo. “Mesmo tendo em conta o perfil de credibilidade, Major não é deputado nem membro da Câmara dos Lordes. O que pode fazer é muito limitado: dar entrevistas, encontrar um público que o oiça e encorajá-lo a fazer algo. E Hammond ocupa um cargo que sabe que deixará de ter em breve e talvez sinta que pode usar essa influência para moldar o que vai acontecer.”

UM PLANO QUE “SOA UM BOCADO A GUERRA CIVIL”

Noutra frente, Rory Stewart, ex-candidato a líder do Partido Conservador, advertiu que formará um “Parlamento alternativo” para combater um Brexit sem acordo. Stewart reconhece que uma legislatura paralela, “do outro lado da rua”, “soa um bocado a guerra civil”, mas sublinha que “o Parlamento não se resume ao edifício”. O plano passa por “encontrar um speaker aposentado” que possa presidir às sessões.

Alguns deputados do Partido Trabalhista também estão a analisar várias opções para travar uma saída desordenada tanto na Câmara dos Comuns (câmara baixa) como na dos Lordes (câmara alta). Qualquer tentativa controversa de suspender o Parlamento poderá desencadear uma moção de objeção em ambas as câmaras. A líder da oposição na Câmara dos Lordes, Angela Smith, deixou a advertência: “Aviso desde já que se o novo primeiro-ministro conservador recorrer a truques processuais para barrar o Parlamento não lhe facilitaremos a vida”, disse, prometendo apresentar uma moção contra tal propósito. Os Comuns poderiam também aprovar uma moção de censura contra o putativo Governo de Johnson, tendo alguns deputados do próprio partido conservador declarado disponibilidade para tal.

Apesar de frisar o carácter inaudito da troca de ameaças, o politólogo Usherwood acaba por pôr água na fervura. “Não há um plano definitivo, apenas muita gente a falar de diferentes opções. De momento só estão a discutir, não a avançar com nada em concreto”, relativiza.

A rainha Isabel II não pode tomar posição a favor de nenhuma das partes <span class="creditofoto">Foto Joe Giddens / PA Images via Getty Images</span>

A rainha Isabel II não pode tomar posição a favor de nenhuma das partes Foto Joe Giddens / PA Images via Getty Images

E O QUE PODE FAZER A RAINHA?

A primeira-ministra britânica Theresa May renunciou à liderança do Partido Conservador a 7 de junho por não ter sido capaz de fazer aprovar o acordo de saída que concluiu com Bruxelas em novembro. Permanece, porém, como chefe de Governo até ao anúncio do seu sucessor. A 24 de julho, May participará numa última sessão de respostas aos deputados na Câmara dos Comuns, apresentando depois a demissão à rainha Isabel II. A monarca nomeará, em seguida, o líder do partido com maioria no Parlamento para chefiar o Executivo.

Mas poderá a rainha fazer alguma coisa para ajudar a desatar este nó? “Trata-se de uma monarquia constitucional. A rainha não vai envolver-se para lá do necessário, seguindo apenas a indicação que o Parlamento lhe der. Não vai, de repente, dizer o que uns e outros têm de fazer”, sustenta Usherwood. “Poderá aconselhar a primeira-ministra, mas não fazer declarações públicas num ou noutro sentido. Está obrigada a ficar de fora. Se fosse forçada a envolver-se, estaríamos numa situação muito diferente quanto ao papel da monarquia na Constituição britânica”, acrescenta.

Relativamente aos planos para fazer frente a Johnson, o politólogo sintetiza-os numa frase curta: “Tudo isto está no ar, o que só reflete a incerteza do que vem a seguir.”