SOCIEDADE

Professores do ensino básico e secundário entre os Hells Angels acusados de tentativa de homicídio

Operação da PJ em julho do ano passado foi uma das mais importantes daquela polícia <span class="creditofoto">Foto Kai Pfaffenbach/REUTERS</span>

Operação da PJ em julho do ano passado foi uma das mais importantes daquela polícia Foto Kai Pfaffenbach/REUTERS

Um dos professores membros do grupo motard Hells Angels encontra-se em prisão preventiva. As autoridades portuguesas aguardam a extradição de dois arguidos que se encontram detidos na Alemanha, enquanto falta ainda conhecer o paradeiro de um dos 89 suspeitos

Texto Liliana Coelho e Hugo Franco

Há professores do ensino básico e do secundário entre os 89 elementos do grupo motard Hells Angels que foram acusados na quinta-feira pelo Ministério Público de tentativa de homicídio de Mário Machado, o líder do movimento de extrema direita Nova Ordem Social.

Segundo a acusação do Ministério Público, a que o Expresso teve acesso, além de um professor do ensino básico e outro de Educação Física — este último ficou em prisão preventiva — integram a lista de suspeitos um sargento da Força Aérea, mecânicos, agricultores, seguranças, cozinheiros, tatuadores, 'personal trainers' e vendedores de automóveis. Todos eram conhecidos no grupo por alcunhas como Ganzas, Dirk, Rambo, Michy, Igor Gordo ou T-Rex.

Em causa esteve uma rixa ocorrida entre este grupo de motards e outro grupo rival, os Red&Gold, ou Los Bandidos, liderado por Mário Machado, no restaurante Mesa do Prior, no Prior Velho, ocorrida a 24 de março do ano passado.

“Os arguidos dirigiram-se a um estabelecimento de restauração em Loures munidos de facas, machados, bastões e outros objetos perfurantes”, refere o Ministério Público, acrescentando que este episódio de violência causou danos no montante de cerca de 15 mil euros.

O MP sublinha que os arguidos seguiam há muito tempo os passos de Mário Machado, monitorizando o líder do movimento de extrema direita Nova Ordem Social e do grupo rival Red&Gold, nomeadamente através das redes sociais. Alguns elementos do grupo chegaram a seguir o neonazi quando este se deslocava ao local de trabalho da namorada numa superfície comercial, em Lisboa.

Mário Machado esteve detido por agressões racistas. Agora foi vítima dos Hells Angels <span class="creditofoto">Foto Tiago Miranda</span>

Mário Machado esteve detido por agressões racistas. Agora foi vítima dos Hells Angels Foto Tiago Miranda

Arguidos de dez nacionalidades

Entre as nacionalidades dos arguidos encontram-se portugueses, ingleses, belgas, romenos, suecos, alemães, canadianos, finlandeses, moçambicanos e brasileiros. Do total, 37 estão em prisão preventiva, cinco estão sujeitos à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, dois aguardam na Alemanha para ser extraditados para Portugal na sequência do cumprimento dos Mandados de Detenção Europeus, enquanto falta conhecer o paradeiro de um dos arguidos. Já aos restantes foram impostas como medidas de coação apresentações periódicas e termo de identidade e residência.

O documento do MP de mais de 500 páginas refere ainda o episódio de outra agressão que teve lugar no passado dia 11 de junho de 2018, quando os arguidos agrediram um apoiante do grupo Red&Gold com pontapés na cara, na cabeça, no tronco, nos braços e nas pernas, roubando-lhes em seguida os bens pessoais. “Todos os arguidos quiseram provocar dores físicas e mal-estar psicológico no ofendido”, frisa o MP.

A acusação do Ministério Público descreve com pormenor a estrutura da organização e a hierarquia dos Hells Angels, que são definidas a nível mundial, sublinhando que os elementos deste grupo estão associados à prática de vários crimes. “Os membros surgem também associados à prática organizada de crimes, nomeadamente de tráfico de estupefacientes, lenocínio, roubos, homicídios e tráfico de armas, entre outros, obtendo proveitos económicos da prática de tais ilícitos que servem como fonte de rendimento desta organização e forma de assegurar a defesa dos seus interesses e território”, pode ler-se no documento.

Panóplia de armas

Além de reuniões periódicas para definir os planos do grupo, estes membros dos Hells Angels entravam em contacto com frequência através de chamadas telefónicas e do WhatsApp e faziam-se sempre acompanhar por uma panóplia de armas, que incluíam metralhadoras, pistolas, revólveres, facas de mato, machados, tubos e barras cilíndricos em ferro, bastões em madeira, correntes em ferro, tacos de basebol, lâminas escondidas e dissimuladas sob a forma de cartão e botijas de spray com gás lacrimogéneo. Por norma, usavam coletes balísticos e/ou à prova de bala, casacos com padrões militares, capuz e emblemas dos Hells Angels com a inscrição “Horror Team” e gorros de lã, estando também munidos com aparelhos para bloquear o sinal de telecomunicações e enganar as autoridades.

Grupo motard tem extensões em toda a Europa e EUA <span class="creditofoto">Foto PIETER FRANKEN/EPA</span>

Grupo motard tem extensões em toda a Europa e EUA Foto PIETER FRANKEN/EPA

Durante as buscas que se seguiram à rixa e às agressões, para além de armamento, foram apreendidos também estupefacientes, dinheiro, telemóveis, pen drives, blocos de notas e computadores portáteis.

O MP garante que todos os arguidos “agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal”, estando acusados do crime de homicídio de forma tentada, agravado pelo uso de arma e dano qualificado com violência. Sublinha ainda que serão ouvidos no âmbito deste processo especialistas do Departamento de Álcool, Tabaco, Fogo e Explosivos dos EUA, conhecida pela sigla ATF, e da polícia criminal alemã.

Em maio, uma megaoperação da PJ levou à detenção de 17 membros dos Hells Angels. Implantados em Portugal desde 2002, este grupo conta com núcleos em Lisboa, Loulé, Cascais, Porto e Setúbal.