ENTREVISTA
Jean Wyllys: “Estejam atentos aos fascistas brasileiros” que migraram para Portugal
O ex-deputado federal brasileiro Jean Wyllys, que fugiu de Bolsonaro, ainda nem chegou a Portugal e já está a criar polémica. Aterra este domingo cercado de medidas de segurança, lança alertas aos portugueses sobre a extrema-direita e diz que Lula corre risco de vida. O Expresso e a SIC entrevistaram-no em Berlim
Texto Christiana Martins Vídeos Joana Beleza, enviadas a Berlim
A comunidade de brasileiros a viver em Portugal corresponde a cerca de um quarto da população estrangeira residente no país. As estatísticas são difíceis de aferir, mas apontam para mais de 85 mil pessoas, sem contar as que já tenham nacionalidade portuguesa. Segundo as últimas estatísticas disponíveis, só em 2017, de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, terão entrado mais 11 mil brasileiros em território nacional. Algumas destas pessoas, segundo Wyllys, preferem comprar apartamentos com quartos de empregada, exigências que, de acordo com o ex-deputado, já estão a ser feitas às construturas portuguesas de forma a manter os hábitos dos brasileiros. O Brasil é, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o país com o maior número mundial de empregadas domésticas, cerca de sete milhões de pessoas, muitas das quais a trabalhar em regime de informalidade.
O homem que fugiu para continuar a falar. E a viver
Na casa de amigos em Berlim, Jean Wyllys foi entrevistado em exclusivo pelo Expresso e a SIC (a versão na íntegra é publicada na edição deste sábado do Expresso). Não poupa o atual presidente da República brasileiro, Jair Bolsonaro, com quem tem uma relação antiga de antagonismo mais do que político, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e nem mesmo a comunidade que migrou para Portugal na sequência do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Diz recear pela vida de Lula da Silva, pela sobrevivência de outros políticos da oposição, fala do assassinato da colega de partido Marielle Franco e responde a quem não o quer ver em solo português.
Jean Wyllys, chega a Portugal dentro de dois dias. Diz-se ameaçado de morte e afirma que foi essa a razão para ter abandonado o mandato no Congresso brasileiro e ter vindo viver para a Europa. Em menos de um mês, já passou por Espanha, está na Alemanha e afirma ter convites de universidades norte-americanas para lecionar. Nada está decidido, apenas que o regresso ao Brasil só acontecerá com a substituição do atual governo.
Em Portugal, Wyllys dará uma conferência em Coimbra, a convite do CES (Centro de Estudos Sociais), dedicada ao tema “Discursos de ódio e fake news da extrema direita e seus impactos nos modos de vida de minorias sexuais, étnicas e religiosas – o caso do Brasil”, na próxima terça-feira, dia 26, na Faculdade de Economia. Passa depois por Lisboa, onde, nessa mesma noite, a convite da Fundação José Saramago, apresenta o livro “A Noite da Espera”, na presença do autor, também brasileiro, Milton Hatoum, do escritor português Afonso Cruz e ainda do jornalista brasileiro Ricardo Viel. O programa será encerrado na quarta-feira com uma conferência na Casa do Alentejo, para um debate sobre “Porque se exilar do Brasil hoje”.
A convocatória do PNR
No mesmo dia em que a vinda de Wyllys a Portugal foi divulgada, o presidente do Partido Nacional Renovador (PNR) publicou um comentário nas redes sociais, afirmando que o ex-deputado brasileiro “não é bem-vindo”. José Pinto Coelho convocava protestos no local das conferências, classificando o ex-deputado brasileiro como “persona non grata” e “agitador de extrema-esquerda”. O apelo foi também publicado no site oficial do partido. Wyllys responde com “um ramo de cravos e um cheirinho a alecrim”.
No CES, a vinda de Wyllys está a causar uma movimentação nunca vista. Segundo o porta-voz da instituição, “nem quando Varoufakis, ex-ministro das Finanças grego, veio a Portugal enfrentámos tanta pressão”. A chegada de Jean Wyllys está mesmo a alterar as rotinas da instituição, até a página no Facebook foi alvo de um “ataque concertado” e estão a ser tomadas medidas de segurança inéditas. Boaventura Sousa Santos, diretor do CES, confirmou ao Expresso que as páginas da instituição sofreram “ataques com as mesmas ferramentas que foram utilizadas nas instituições brasileiras, de forma a criar ódio”, disse ainda que o rastreamento feito à origem desta ofensiva revelou que maioria vinha do Brasil. “Para garantir a segurança de Jean Wyllys tomámos as medidas necessárias e estamos preparados para acarinhar um parlamentar premiado e internacionalmente reconhecido pela sua luta em nome da diversidade”, afirma também o professor catedrático da Universidade de Coimbra.
A viver na Europa há cerca de um mês, Jean Wyllys saiu do Brasil como quem sai de férias. Chegou a Espanha com uma mala, alguma roupa de inverno, um tablet, o telemóvel e quatro livros. Ligou para o líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a que pertence, e avisou que não voltaria. Do lado de cá do oceano, diz ter amigos mas não emprego, que pretende voltar a estudar, fazer um doutoramento e dar aulas no ensino superior. E que voltar para casa só depois de o atual presidente da República sair do governo.
Bolsonaro e Jean, uma relação impossível
A relação de Jean Wyllys e Jair Bolsonaro, ambos deputados, nunca foi fácil. Assumidamente homossexual e defensor das causas da comunidade LGBTI, Wyllys diz ter sido moralmente assediado pelo colega parlamentar durante anos. O momento mais grave foi em 2016, quando, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro elogiou o mais emblemático militar da ditadura que praticava a tortura sobre membros da oposição, inclusive sobre a ex-presidente. Em reação, Wyllys cuspiu no opositor, numa imagem que se colou aos dois políticos.
Sobre o pacote de segurança pública do ministro da Justiça, Sérgio Moro, o ex-deputado federal diz tratar-se de um conjunto de alterações legislativas que visam “dar legitimidade ao que a polícia já faz, que é matar pessoas pobres e sair imune”. “Ele quer dar licença para a polícia matar. E quer criminalizar os movimentos sociais, como os Sem Terra e os Sem Teto”, acrescenta.
Wyllys defende inclusivamente que a urgência do Governo em lançar este conjunto de modificações legais - conhecidas como “pacote anticrime” e que prevê alterações em 14 leis, desde o Código Penal, o Código de Processo Penal ou o código Eleitoral - tem uma razão de ser: “Para que, quando as pessoas se organizem para fazer oposição às políticas económicas deste Governo, o Estado possa reprimir violentamente essas pessoas e gozar de impunidade. Na verdade e em última instância, está o objetivo de usar as polícias para limitar os movimentos sociais e grevistas que vão surgir com o desaparecimento dos direitos trabalhistas.”
O político e académico brasileiro diz que os 48 milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro terão sido atraídos pelo que classifica de “discurso racista, misógino e homofóbico”. “Quando a classe média se der conta de que o filho dela não vai mais poder estudar em escola privada porque o poder aquisitivo vai cair, aí sim ela vai revoltar-se contra o Governo mas vai ser tarde, porque não só este estará instalado, como toda uma legislação terá sido aprovada para reprimir as pessoas de maneira legal.”
A morte de Marielle: suficiente para fazer cair Bolsonaro?
Há um ano, Jean Wyllys e Marielle Franco, vereadora também do PSOL pelo Rio de Janeiro, encontraram-se em São Paulo para comemorar o aniversário do deputado. Quatro dias mais tarde, Marielle foi assassinada. Mas, para Wyllys, a história da companheira de partido e de causas ainda não acabou. Acredita que a investigação à sua morte poderá ser um movimento suficientemente forte para o afastamento do presidente Jair Bolsonaro.
Jean Wyllys assume ainda na entrevista o compromisso de preservar a memória e as ideias políticas de Marielle, confessando que a sua vida mudou após a execução da vereadora.
Opositores correm risco de vida. Sobretudo Lula
Sobre a oposição brasileira, afirma que esta está “perdida” e “desconcertada”, “ainda buscando caminhos para lidar com o que aconteceu no processo eleitoral”. Dá os nomes de quem, como ele, já saiu do Brasil devido à tensão política. Fala da antropóloga e defensora dos direitos das mulheres Débora Dinis, da filósofa e candidata ao governo do Rio de Janeiro Márcia Tiburi e do ex-senador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Lindbergh Farias.
Diz ainda que a ex-candidata à vice-presidência na coligação entre o PT e o Partido Comunista do Brasil Manuela D’Ávila tornou-se, após a sua saída do país, o alvo preferencial das ameaças da extrema-direita. “Não sei quanto tempo ela vai durar e a situação pode agravar-se. Temo muito pela vida de Guilherme Boulos [líder dos Sem Teto], pelas lideranças dos MST e pelos que trabalham com os povos da Amazónia.”
Mas a principal preocupação de Wyllys é o ex-presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva. Alerta para o que diz ser um plano para ver o líder do PT “morrer na prisão”. E convoca a comunidade internacional a agir em nome da liberdade de Lula, que diz ser o principal líder popular da América Latina, comparando-o a “um leão que ainda ruge”. Esta semana, novamente, novo pedido de libertação do ex-presidente foi recusado pela Justiça brasileira. A sentença sobre Lula pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro é de 12 anos de prisão.