Antes pelo contrário

Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

A imundice televisiva onde criminosos se fazem políticos

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Na competição pelas audiências, e preparando-se para o enfrentamento com a sua antiga companheira de programa na televisão concorrente, Manuel Luís Goucha convidou para o seu programa da manhã, “Você na TV”, Mário Machado, um condenado por delito comum, para falar das suas opiniões políticas. A acompanhar as suas “declarações polémicas” (assim foi apresentado), tivemos uma sondagem e um vox populi com a edificante pergunta: “Acha que precisamos de um novo Salazar?” Sublinhe-se que não se trata de um programa de informação, capacitado para investigar quem lá leva e os temas que trata. É puro entretenimento. O que exigiria alguma cautela. Os programas, por serem para entreter, não deixam de ter responsabilidades cívicas e éticas. E quando entram no terreno de competência jornalística devem pedir ajuda ou ficar quietos.

<span class="creditofoto">Foto Tiago Miranda</span>

Foto Tiago Miranda

Mário Machado não foi, ao contrário da ideia que passou na TVI, preso por causa das suas opiniões. Para além de ter dirigido um grupo violento de neonazi (Portugal Hammerskins), foi condenado por roubo, coação agravada, detenção de arma ilegal, ofensa à integridade física qualificada, sequestro e ameaça a uma procuradora. E esteve implicado, com responsabilidade criminal, no homicídio de Alcindo Monteiro, espancado até à morte no Bairro Alto. Não preciso de dizer que, sendo absolutamente ignorante, o conteúdo político da sua participação no programa foi irrelevante. E isso é o que menos interessa, apesar de me parecer que a apologia da ditadura não deva ser assunto de entretenimento.

Não confundir o que se passou no “Você na TV” com jornalismo, onde qualquer um pode ser entrevistado e onde, sendo o preso que mais tempo esteve numa prisão de alta segurança em democracia, isso teria obviamente de ser um tema. Numa “entrevista” à parte, o tema foi tratado. Para Machado dizer que tinha sido preso por ter escrito um texto “nacionalista” e por um suposto engano judicial. E as duas mentiras passaram como verdades, numa rubrica com o nome de “diga de sua injustiça”. É pelo menos a segunda vez que o “repórter” Bruno Caetano (o seu nome não consta da lista da Carteira Profissional de Jornalistas) entrevista Mário Machado, não o confrontando com os seus crimes mais graves. A anterior conversa foi num programa de informação – o “SOS 24”m –, há cerca de um ano. E foi o próprio entrevistador que depois disse, no programa, que em certas coisas fazia falta um Salazar. É evidente que estamos perante a utilização da TVI para promover e branquear um criminoso de delito comum. Ainda mais grave quando os seus crimes têm a mesma origem que as suas opiniões políticas.

Mário Machado não foi preso por causa das suas opiniões. Foi condenado por roubo, coação agravada, detenção de arma ilegal, ofensa à integridade física qualificada, sequestro e ameaça a uma procuradora. Este entretenimento amoral, produzido por quem não hesita em chafurdar na imundice para ganhar uns cobres, acabará por nos custar a liberdade

Pouco me interessa o debate político que Goucha teve com Mário Machado. A única coisa relevante é o processo consciente de branqueamento de um criminoso com objetivos políticos. Como um dos assistentes no processo que levou à sua prisão – fui abordado por ele, perto da minha residência, com uma ameaça de morte –, considero a TVI autora consciente deste processo de branqueamento e responsável pelas suas consequências. E Manuel Luís Goucha seu cúmplice. Se não estava suficientemente informado sobre a pessoa que tinha à sua frente a responsabilidade é sua. É ele quem dá a cara por aquele programa. E recebe por isso. Não serve tudo para para vencer a concorrência.

O resultado deste comportamento será o de sempre: as notícias sobre esta polémica garantirão audiências e satisfação. Não há má publicidade. E este entretenimento amoral, produzido por quem não hesita em chafurdar na imundice para ganhar uns cobres, acabará por nos custar a liberdade. Se é a própria comunicação social a conspirar contra a democracia não vejo como vai a democracia defendê-la. Não são as redes sociais que estão a destruir a nossa vida em comunidade. São empresas, proprietários, administradores, diretores, “repórteres” e apresentadores com nomes.