De onde vieram os votos dos partidos

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Foto Lusa

Feitas as contas aos votos (faltam ainda os dos emigrantes), importa agora tentar seguir-lhes o rasto. Quem são os eleitores que ajudaram a fazer entrar no Parlamento três partidos que nunca o tinham feito? Quem são os que continuam a optar pelos partidos tradicionais e mantêm o PS e o PSD como líderes incontestados? De onde vem a força do PAN, um dos grandes vencedores da noite?

Texto João Diogo Correia e Raquel Albuquerque Infografias Sofia Miguel Rosa

O EyeData, uma ferramenta de estatísticas criada pela Social Data Lab para a agência Lusa, ajuda-nos a perceber alguns padrões. Para cada partido, o EyeData divide os votos em três grupos de concelhos: o terço em que o partido teve votações mais altas, aquele em que teve menos e o grupo de concelhos médio. Assim, é possível começar a perceber quem são, de onde vêm e como vivem os eleitores que desenharam a legislatura que se segue.

PS e PSD

A força do centrão

O PS foi mais forte em zonas do Alentejo e distritos como Castelo Branco. Pelo contrário, o PSD teve as suas maiores votações a Norte, sobretudo em distritos como Bragança. E há vários pontos em comum entre estas zonas do país: não são no litoral, nem são polos urbanos e, por isso, têm um perfil demográfico muito mais envelhecido que o resto do país. E no fundo têm muito em comum.

Há mais idosos, menos crianças, menos nascimentos e mais óbitos, poucas pessoas a entrarem, menos trabalhadores no sector terciário e mais volume de negócios no sector primário.

Nos concelhos onde os socialistas conseguiram os melhores resultados - que ultrapassaram em alguns casos os 50% - a população com mais de 65 anos é ligeiramente superior à média do país (22,71% face a 21,67%), há menos estrangeiros residentes (3,88% face a 4,64%), o saldo natural é mais baixo e o saldo migratório fica consideravelmente abaixo da média. A mesma tendência verifica-se no número de filhos por mulher (1,38 face a 1,42) e, de forma muito ligeira, na população com menos de 15 anos (13,19% face a 13,77%).

No caso do PSD, o retrato não é muito distinto, apesar de os concelhos se concentrarem mais a Norte, sobretudo no distrito de Bragança. O saldo natural é duas vezes mais baixo que a média do país e o migratório também é bastante pior que a média (1,82 pessoas a entrar a mais do que as que saem por 10 mil habitantes, face a 11,25 a nível nacional). A percentagem de população estrangeira também é mais baixa, assim como o número de filhos por mulher (1,23 face a 1,42) de jovens e a proporção de idosos (22,83% face a 21,67%).

Tanto num caso como no outro, o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem em 2016 ficava abaixo da média nacional de 1.108,56€. No caso do PS fica-se por €950, no caso do PSD ronda os 982€. Abaixo fica também, em ambos os casos, o poder de compra per capita: a média nacional é 12% acima do que se verifica nos concelhos mais fortes do PSD e 16% no caso do PS.

Um dado que os distingue é o número de funcionários da administração pública local por cada mil habitantes. Só no caso dos concelhos onde mais pessoas votaram no PS é que o número fica acima da média, com 13,21 funcionários por cada mil (acima dos 11,62 de média) e mais do que os 11,49 nos concelhos do PSD.

Em termos de disparidades salariais entre profissões, entre sexos e entre níveis de habilitações tanto no caso do PS como do PSD os níveis ficam abaixo da média nacional.

Algumas diferenças verificam-se, por exemplo, no grau de ardida, com os concelhos em que o PSD teve votação mais elevada a apresentarem, em média, uma área ardida equivalente a 10,22%, valor que supera a média de 6,06% de área ardida a nível nacional em 2017. Já no caso dos concelhos mais fortes para o PS, o grau de área ardida é semelhante à média.

BE / CDU / LIVRE e PAN

Esquerda entre gerações

Nos partidos que se vão sentar mais à esquerda no Parlamento, há uma divisão etária clara. A CDU conquista os votos nos municípios mais envelhecidos — onde 22,7% da população tem mais de 65 anos, um valor acima da média nacional, que é de 21,67%. Ao contrário do que se vai observar à direita (especialmente no caso do CDS), nos concelhos onde a CDU tem mais força há também um número superior de nascimentos fora do casamento (62,14%).

No caso do Bloco de Esquerda e do Livre, a paisagem etária é exatamente oposta. Ambos os partidos têm uma implantação maior em concelhos mais jovens, além de serem sobretudo urbanos, por oposição à esquerda da CDU. A estes dois há que juntar o PAN, também ligeiramente acima no indicador de população com 15 anos ou menos — 14,55% para os 13,77% da média nacional. Partido animalista e ambientalista, destaca-se ainda em concelhos onde a recolha de resíduos para reciclagem está acima do que se assiste no resto do país. Em Portugal, o volume recolhido por cada habitante é de 487,28 quilos ao ano, mas nestes concelhos do PAN o valor médio sobe para 518,74 quilos. Também no caso do Bloco, essa preocupação ambiental é visível, com uma média 4% acima da nacional.

Olhar o mapa de Bloco, Livre e PAN é ver municípios jovens, instruídos e com um poder de compra acima da média. No caso do Livre, os dois concelhos em que o partido que vai sentar Joacine Moreira no Parlamento teve mais votos há uma maior percentagem de jovens com o ensino secundário do que no resto do país (a média do Bloco conta a mesma história).

Também a população estrangeira legalmente residente é mais alta no conjunto de concelhos onde aparecem CDU, Bloco e Livre. No caso do primeiro, os votos vieram de municípios onde essa população é de 6,81%, acima da média de 4,64% no conjunto do país. No Livre, esse valor é ligeiramente inferior (6,17%), ainda assim acima da média nacional. E no caso do Bloco de Esquerda, desce-se um bocadinho mais, até aos 5,01%, mas sempre acima da fasquia nacional. O partido liderado por Catarina Martins aparece ainda um bocadinho acima no indicador de número de divórcios — 70 por cada 100 casamentos, quando a média portuguesa é de 64.

CDS, IL e CHEGA!

Cada um no seu quadrado

Nos partidos mais à direita, as diferenças veem-se desde logo na distribuição por região do país: boa parte dos concelhos onde o CDS tem mais força está no interior norte, em clara oposição ao Chega!, que conquistou a maioria dos seus mais de 60 mil votos do centro do país para baixo. O partido de André Ventura aparece com força no interior alentejano, curiosamente em alguns concelhos onde a CDU tem tradição, como Moura.

Ainda assim, é nos municípios onde André Ventura tem mais presença que o Chega! chegou mais longe: Sintra, onde teve 4190 votos, Lisboa, com 4016, Loures, com 2881 e Odivelas, onde o partido recolheu 1782 votos. Também curioso é perceber que, apesar do discurso focado nas questões de segurança, a maioria dos concelhos onde o Chega! teve uma votação mais alta são menos violentos do que a média do país — têm um registo, feito pela PJ, de 15,36 crimes por cada 10 mil habitantes, abaixo dos 18,81 que fazem a média do país.

O mapa colorido do Iniciativa Liberal (IL) também permite tirar algumas conclusões acerca do eleitorado do partido que entrou no Parlamento à primeira tentativa. Está sobretudo no litoral e com força a norte, mesmo sabendo que a eleição veio do candidato por Lisboa, João Cotrim Figueiredo. Ainda assim, os resultados altos no litoral norte do país explicam, por um lado, o peso do líder do partido e cabeça de lista pelo Porto, Carlos Guimarães Pinto, e por outro, o perfil urbano dos eleitores do IL. Nos concelhos onde o IL é mais forte, estão mais empresas de comércio e serviços e menos do primeiro sector, como o da agricultura e da pecuária. O poder de compra per capita é também mais alto nos municípios que ajudaram o IL a entrar de rompante na política nacional.

No CDS, além da região do país, destaca-se um dado social: o número de divórcios é menor nos concelhos onde o partido recolheu a maioria dos seus votos. Também há menos filhos fora do casamento e mais poder de compra do que a média nacional.