Web Summit

Espreitámos o telemóvel de Paddy e foi isto que encontrámos

Traz o iPhone em ‘modo de avião’ para não ser incomodado, mas mesmo assim é possível ver o quão solicitado é o fundador da Web Summit, que abriu portas esta segunda-feira ao fim da tarde no Parque das Nações. Na altura em que nos mostrou o telemóvel, tinha duas chamadas não atendidas, 951 mensagens e 73 mil emails por ler. As solicitações e distrações são tantas que às vezes sente necessidade de se desligar. Não é por isso raro deixar o telemóvel em casa ou recorrer à sua meditação: os livros e a família

Texto MARIA JOÃO BOURBON FOTOS TIAGO MIRANDA

Estava pronto a sentar-se numa das cadeiras em meia lua quando nos avista lá ao fundo. “São eles?”, pergunta à assessora. E caminha descontraidamente pelo lobby do hotel sem esperar resposta. “Olá, sou o Paddy”, estende-nos a mão. Apresentamo-nos e ele não dá sequer hipótese àqueles segundos de embaraço inicial, quebra logo o gelo, virando-se para o fotógrafo do Expresso. “Deves ser o português mais alto que vi em toda a minha vida!” Gargalhada geral. Estão os dois taco a taco, o Tiago e o Paddy Cosgrave, que também é alto. “És mesmo português?”

Para um jovem que muitos consideram tímido, nada mau para começar.

Sentamo-nos. O fundador da Web Summit tinha avisado que ia chegar com 20 minutos de atraso, o que até se percebe em tempos de maior encontro mundial de empreendedorismo e tecnologia, que ele criou. Não há mãos a medir: reuniões de última hora, detalhes para afinar, entrevistas para dar. Um evento desta envergadura exige muita preparação e 18 meses de antecedência, conta-nos, mas esta semana da Web Summit é a mais exigente e trabalhosa do ano. Até porque a equipa aumenta brutalmente. “É como fazer um filme: durante o ano a equipa base é muito pequena, 220 pessoas, mas na semana anterior ao evento o número sobe para perto de cinco mil.”

O smartphone que leva no bolso está em modo de avião, para não sermos interrompidos. De outra forma não seria fácil manter uma conversa fluida, já que está sempre a ser contactado. Tira-o para o comprovar. No meio das várias aplicações que vemos no ecrã principal, Paddy aponta para os telefonemas, as mensagens e a caixa de email. “Neste momento tenho duas chamadas não atendidas, 951 mensagens e 73 mil emails por ler. E na minha caixa de email prioritária, que a minha equipa gere, faltam-me ler 104 emails...”

As notificações que aparecem em cada um dos ícones são tantas que, por mais boa vontade que tenha, não é fácil responder a todas. Ao longo do ano é contactado por aqueles que conhece e não conhece, por colegas de trabalho ou até por ministros e editores de jornais que, antes de viajarem para um novo país, lhe perguntam quem são as pessoas mais interessantes com as quais se devem encontrar.

É o preço a pagar por ser o fundador e diretor executivo do maior evento de tecnologia e startups do mundo.

Há ainda muitos que tentam falar com ele para saber por onde vão andar os investidores que participam Web Summit e outros que tentam a sua sorte e pedem bilhetes gratuitos. “São pessoas aleatórias… Dizem-me: ‘Oh, esqueci-me de comprar um bilhete há seis meses e agora estão muito caros, posso ter um grátis?’” Não há muito que possa fazer, adianta. “Mas por vezes aparece um estudante brilhante a enviar uma mensagem incrível e eu só penso: quero lá saber, vou deixá-lo entrar!’”, confessa.

A ferramenta de trabalho, a distração e a meditação

WhatsApp, email, iMessage são algumas das aplicações que usa no dia a dia, além das redes sociais. (Foi aliás pelas redes sociais, enquanto estava de férias, que se apercebeu da polémica que a escolha de Marine Le Pen como oradora tinha incendiado e que, reconhece, foi uma situação “lamentável” e “muito mal gerida”, porque lhe daria “uma plataforma livre para dizer o que quiser”. Uma situação que mostra “o quão imaturos” ainda são “como organização”.)

Mas a app que não dispensa para trabalhar é a aplicação de mensagens e ferramentas colaborativas para o local de trabalho com maior crescimento de sempre. “O Slack é crítico. É a infraestrutura central para gerir a empresa”, garante. Paddy vai explicando, e mostrando no telemóvel, que esta é uma aplicação “com algumas funcionalidades adicionais que a tornam muito eficiente para comunicações rápidas” e que permite grupos públicos ou privados - mas ao Expresso apenas deixa ver o canal público, onde se publicam piadas ou informações gerais como “Para quem vem ao escritório de Lisboa a password do Wi-Fi é…”

Dificilmente imagina a sua vida sem o telemóvel, ou o Slack, porque precisa de comunicar com a equipa. E com a família. Até porque um quinto do seu ano é passado a viajar. “É como se um dia por semana não estivesse em Dublin.” E concretiza: “Normalmente é mais isto: uma semana a viajar, três semanas em casa; duas semanas a viajar, dois meses em casa. Não é assim tão mau.”

Curiosamente, o smartphone não anda sempre com este ‘rei’ das startups e da tecnologia. Por vezes o jovem de 35 anos que cresceu numa quinta em Wicklow, na Irlanda, sente necessidade de se desligar. “Há vários dias em que deixo o telemóvel no quarto. Não o uso sempre.” Mesmo na semana passada, em Lisboa, deixou-o mais do que uma vez no seu apartamento.

Paddy vai atirando várias frases que explicam os motivos. “Hoje estamos todos demasiado ligados”, “há demasiadas coisas a acontecer no telemóvel”, “é bom passear durante uma hora sem qualquer conexão” e por aí fora… E diz ainda: “Acho que o telemóvel nos pode distrair. Se precisamos de tempo para pensar e ser criativo, o portátil é suficiente.”

Apps para meditar ou descansar - como a Calm, que esta semana vai estar na Web Summit - não usa. A sua mediação é ler, e o lápis o gadget favorito. Gosta de ler, de sublinhar, e reconhece ser viciado em livros. Mas daqueles em papel, não os digitais, porque é mais fácil recordar o que leu. “É a minha meditação”, reconhece. E também “sair com a família”. Ou jogar ténis. “Costumava jogar muito. É uma forma de meditação, porque não se pensa em nada…”

O pitch apaixonado de Medina e os portugueses persistentes

Se no início era Paddy que se chegava à frente para convidar todos os oradores, hoje é bem diferente. Ao longo do tempo, diz ter tido “a sorte de ir contratando pessoas muito melhores” do que ele, que convidam desde “políticos e diretores executivos a jornalistas”.

Mas não existem casos em que tem de intervir e fazer os convites? Não fala diretamente com os políticos? De quem são os números de telefone que aparecem mais vezes no histórico de chamadas do seu telemóvel? Resposta vaga: “O nível das pessoas com as quais estamos a lidar é tão sénior que a nossa equipa e as equipas deles trabalham em conjunto. Do ponto de vista jornalístico é normal focarem-se nos líderes políticos e diretores executivos, mas a verdade à que a maioria dos grandes líderes têm grandes equipas a enquadrá-los. É como no futebol: é raro que seja apenas o Mourinho ou o Guardiola a única razão para o sucesso, normalmente há por trás uma equipa que os ajuda. Passo muito tempo a falar com os assessores, que nunca são nomeados em público mas são muito espertos e capazes.”

Voltamos à carga, desta vez com uma situação concreta. No início de outubro, Paddy não sabia se a Web Summit iria continuar em Lisboa, havia propostas de outras cidades europeias em cima da mesa. Provavelmente terá sido ele a falar diretamente com os políticos, ou não? Terá falado com António Costa e Fernando Medina? “Claro, claro. Foi um carrossel: conversas com primeiros-ministros de vários países, presidentes de Câmara…” Por telefone?, perguntamos. “Pessoalmente”, responde.

Diz que falou algumas vezes ao telefone com Medina, mas houve um telefonema, em concreto, que deu um grande empurrão à sua decisão. “Numa sexta-feira à noite, o presidente da Câmara de Lisboa - talvez depois de ter bebido uma garrafa de vinho e provavelmente seguindo as orientações da sua mulher - telefonou-me”, conta entre risos. “E fez um pitch apaixonado sobre porquê Portugal, porquê Lisboa… Disse que Portugal nunca iria ser o maior país da Europa, nem o mais rico, nunca teria o maior número de empresas que poderiam patrocinar a Web Summit, Lisboa nunca seria a maior cidade nem teria a maior infraestrutura… mas tem outras coisas que nenhuma outra cidade tem.”

Foi um momento muito importante para a decisão de ficar na capital portuguesa, garante o fundador da Web Summit. “Talvez ele deva passar a fazer os seus discursos na televisão à sexta-feira à noite, depois de uma garrafa de vinho”, brinca.

Mas este não foi o único momento que levou Paddy a render-se à cidade. Há ainda aquele em que, durante um voo com destino a Lisboa, ficou sentado ao lado de vários jovens engenheiros do exército que começaram a dizer-lhe que significado tem a Web Summit para a sua geração. Ou ainda o jantar tardio nessa sexta-feira, às 23h, e já depois de aterrar, em que ficou sentado ao lado de uma mesa enorme e barulhenta de jovens de 20 e tal anos que lhe disseram sem rodeios porque tinha de ficar.

“Os políticos são muito diplomáticos, mas eles disseram-me logo: ‘Não podes ir-te embora! Não podes deixar Lisboa, não sejas ridículo! Este é o momento perfeito, há cinco anos era um local terrível para se estar, estávamos em crise, muitas pessoas estavam a emigrar… mas agora é um momento especial. Nunca esteve assim na nossa vida.’ Todos tinham bebido, obviamente”, reconhece. “Mas foi real! Não foi um pitch preparado cuidadosamente, estavam a dizer aquilo em que acreditavam. E isso influenciou-me.”

Houve quem pensasse que continuar em Lisboa era uma decisão disparatada, conta. Quem questionasse: “Porque não te mudas para uma das maiores capitais europeias? A Web Summit cresceu, é tempo de partir…” Mas a experiência positiva em Portugal e em Lisboa e as pessoas que foi conhecendo pesaram também no decisão final. Além disso, “a Web Summit é uma cimeira de startups e Portugal está em modo startup. Esteve em ‘modo falhanço’ e quase a encerrar há oito anos, mas conseguiu-se reiniciar o país. Esperemos que continue assim.”