RICARDO COSTA

Não façam já as contas das eleições

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A crise política parece ter chegado ao fim e as conclusões são evidentes. PSD e CDS cometeram uma enorme imprudência e o PS aproveitou para dramatizar e fazer o discurso da responsabilidade. Ainda faltam alguns dias para a votação final global no Parlamento – será entre dia 10 e dia 15 –, o que fará com que os despojos da crise ainda se arrastem, obliterando uma boa parte da campanha das europeias. Esse é o efeito político mais óbvio: por mais voltas que dermos, já não parece possível que as próximas eleições escapem ao clima criado nestes últimos dias, porque condiciona os candidatos, os discursos e os debates.

Apesar disto ser evidente, as eleições europeias costumam trazer consigo uma variável que complica brutalmente as previsões eleitorais: a abstenção. Quando só vão às urnas 34% dos eleitores, como aconteceu em 2014, as contas saem sempre furadas. Nas últimas europeias, as contas só não saíram furadas à CDU – que tem um eleitorado menos dado à abstenção – e a Marinho e Pinto, que beneficiou do típico voto de protesto e fez o MPT eleger dois eurodeputados. Todos os outros falharam as suas previsões.

O PS não deve esquecer este ponto: a conjugação da alta abstenção e de algum voto de protesto são desfavoráveis a quem governa. Apesar desta crise ter dado um sinal claro de mobilização ao seu eleitorado – e esse é o efeito político mais poderoso destes dias –, não é possível achar que o voto de protesto se reduziu a zero. É perfeitamente natural que PSD e CDS tenham desbaratado uma parte desse voto, mas não é liquido que se tenha esfumado. Pode ser agarrado por outros, mesmo que de forma mais dispersa e com menos efeitos políticos. Basta ver, por exemplo, como Pedro Santana Lopes percebeu no primeiro minuto o que estava a acontecer e se demarcou logo do PSD e do CDS…

Se as eleições europeias fossem na próxima semana, era natural que a participação fosse muito mais elevada que o habitual, à boleia desta tensão. Mas até 26 de maio a normalização vai ganhar algum terreno. Não façam já as contas das eleições

Se em relação às europeias, a abstenção é mesmo o fator determinante, as legislativas estão totalmente condicionadas ao tempo que falta. Cinco meses são uma eternidade, podendo conter vários ciclos políticos, com pequenas crises ou sucessos, disparates ou decisões corretas. Fazer agora as contas de outubro é um exercício inútil e errado para todos os partidos. Neste ponto, o que melhor percebeu isso foi o Bloco, que respondeu à crise com bastante calma e ponderação, quando concluiu que, mesmo que houvesse uma demissão, as legislativas nunca seriam antes do final de setembro. Para quê entrar em stresse quando há tanto caminho pela frente?

Resumindo, o PS virou o jogo da campanha das europeias e conseguiu condicionar o discurso de todos os partidos, o que já será difícil de mudar. Mas as verdadeiras consequências políticas vão depender muito da mobilização eleitoral. Se as eleições fossem na próxima semana, era natural que a participação fosse muito mais elevada que o habitual, à boleia desta tensão. Mas até 26 de maio a normalização das europeias vai ganhar algum terreno. Não façam já as contas das eleições.