ATENTADOS

Sri Lanka. Principal pista: National Thowheed Jamath

<span class="creditofoto">Foto Reuters</span>

Foto Reuters

Está encontrado o principal suspeito dos ataques que este domingo fizeram quase três centenas de mortos no Sri Lanka. Chama-se National Thowheed Jamath mas é quase consensual que o grupo, praticamente desconhecido até agora, terá contado com a ajuda da Al-Qaeda ou do Daesh. Há ainda relatos de um documento que alertava para a possibilidade destes ataques e que terá sido desconsiderado pelas autoridades. Motivo provável? As tricas político-partidárias entre o Presidente e o primeiro-ministro

Texto HÉLDER GOMES

“Eu não percebi logo que era um ataque terrorista. Pensei que era ‘apenas’ uma explosão”, conta ao Expresso a advogada Rochelle Wick, que vive em Colombo, capital do Sri Lanka. Rochelle não presenciou diretamente nenhum da série de atentados a igrejas e hotéis que mancharam de sangue este domingo de Páscoa. À hora de fecho desta edição, a penosa contagem dos mortos ia nos 290, incluindo um português em lua-de-mel, enquanto os feridos rondavam o meio milhar.

Um consultor digital relata, sob anonimato, que “estava toda a gente em pânico e à procura de informações”. A demanda por notícias sobre o paradeiro de familiares e amigos foi dificultada por um apagão digital. “Houve tantas notícias falsas e tanto discurso de ódio contra outras religiões que o Governo decidiu, de forma sensata, bloquear temporariamente todas as redes sociais no Sri Lanka”, acrescenta a mesma fonte. Curiosamente, os primeiros contactos do Expresso, logo após os atentados, foram feitos através do Twitter.

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Foto Reuters

Não houve, até ao momento, quem reivindicasse a autoria dos ataques mas cedo as autoridades atribuíram a responsabilidade a radicais islâmicos, num país de maioria budista. Os investigadores revelaram que sete homens-bomba participaram nos atentados, enquanto um porta-voz do Governo anunciou que uma rede internacional esteve envolvida. A maioria dos mortos e feridos era natural do Sri Lanka, embora mais de 30 estrangeiros de várias nacionalidades estejam entre as vítimas mortais. O homem mais rico da Dinamarca, Anders Holch Povlsen, e a mulher perderam três dos quatro filhos.

PRINCIPAL PISTA: NATIONAL THOWHEED JAMATH

Segundo um relatório dos serviços de informação, datado de 11 de abril e a que a agência de notícias Reuters teve acesso, a polícia recebeu uma denúncia sobre possíveis ataques a igrejas. O autor dos atentados, que viriam a concretizar-se dez dias depois, seria o National Thowheed Jamath (NTJ), um grupo islâmico local praticamente desconhecido até agora. Antes dos atentados deste domingo, não havia registo de ataques de grande escala levados a cabo por este grupo, ainda que o NTJ tenha sido responsabilizado no ano passado por provocar danos em estátuas budistas.

Mesmo antes de se conhecer o nome do principal grupo suspeito, o analista de defesa Abhijit Iyer-Mitra já tinha afirmado ao Expresso que “o ataque teve motivações religiosas, com os cristãos como alvo e em áreas onde estrangeiros estariam concentrados”. O investigador do Instituto da Paz e dos Estudos de Conflitos, de Nova Deli, na Índia, acrescentou que a data, o domingo de Páscoa, “foi claramente escolhida pelo seu significado religioso e para garantir que haveria uma congregação densa de fiéis de forma a garantir o maior número de vítimas”.

Após a revelação do nome do grupo suspeito, Vajira Sumedha, que trabalha no canal de televisão Swarnavahini, um dos primeiros canais privados do Sri Lanka, ficou com mais dúvidas do que certezas. “Por que motivo visaram pessoas inocentes? E em relação ao documento que andava a circular, ninguém olhou para ele convenientemente? Nada foi feito? É essa a responsabilidade dos representantes públicos?”, questiona-se ao Expresso. E remata, dizendo: “Isto é baixa política!”.

“FALAVAM DE UM OU DOIS INCIDENTES ISOLADOS, NADA COMO ISTO”

Em declarações à BBC, o secretário da Defesa, Hemasiri Fernando, garantiu que os serviços de informação “nunca indicaram que seria um ataque desta magnitude”. “Falavam de um ou dois incidentes isolados, nada como isto”, acrescentou, dizendo que “todos os departamentos importantes da polícia” foram informados sobre o alerta e reconhecendo que não foi tomada qualquer ação de prevenção. O porta-voz governamental Rajitha Senaratne alegou haver “uma rede internacional sem a qual estes ataques não poderiam ter sido bem-sucedidos”. “Não acreditamos que tenham sido realizados por um grupo de pessoas confinadas a este país”, sublinhou.

A ausência de um plano de contingência após o alerta lançado poderá ser explicada pela contenda entre o primeiro-ministro, Ranil Wickremesinghe, e o Presidente, Maithripala Sirisena. No ano passado, o chefe de Estado demitiu Wickremesinghe e colocou Mahinda Rajapaksa, um homem forte da oposição, no seu lugar. Semanas mais tarde, Sirisena viu-se obrigado a reconduzir Wickremesinghe na chefia do Executivo por pressão do Supremo Tribunal. No entanto, a relação entre os dois dirigentes continuava tensa e tendia a agravar-se com a proximidade das eleições presidenciais, nota a Reuters.

“Temos de averiguar por que razão não foram tomadas as medidas de precaução adequadas. Nem eu nem os ministros fomos informados [do alerta]”, acusou o primeiro-ministro. Em comunicado, o Presidente revelou que as autoridades do país solicitaram ajuda internacional para rastrear possíveis ligações entre o NTJ e o exterior. Especialistas em antiterrorismo defenderam que, mesmo que tenha sido um grupo local o responsável direto pelos ataques, é provável que a Al-Qaeda ou o autoproclamado Estado Islâmico tenham estado envolvidos, dado o nível de sofisticação e coordenação.

LEI DE EMERGÊNCIA E RECOLHER OBRIGATÓRIO EM VIGOR

Colombo acordou nervosa esta segunda-feira. Segundo a polícia, foram encontrados 87 detonadores de bombas na principal estação rodoviária da capital, enquanto um explosivo deflagrou quando uma equipa especial tentava desativá-lo. As autoridades revelaram ainda que 24 pessoas foram detidas, todas elas do Sri Lanka, e que um novo recolher noturno obrigatório começaria às 20h00 locais, o que significa que já se encontra em vigor. À meia-noite de Colombo, passa a vigorar uma lei de emergência que dá à polícia e aos militares amplos poderes para deterem e interrogarem suspeitos sem ordem judicial.

O Sri Lanka, um país predominantemente budista, esteve em guerra durante décadas com os separatistas tamil mas há já uma década que a violência extremista tinha entrado em declínio, com o fim da guerra civil. Após os atentados deste domingo, a polícia registou um ataque à bomba contra uma mesquita e duas situações de fogo posto em lojas dirigidas por muçulmanos. “Isto é devastador para um país que passou por 30 anos de guerra civil”, lamenta a advogada Rochelle Wick.