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Apoiantes de Guaidó agradecem aos portugueses por lhes “terem ensinado a saudade”

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Opositores venezuelanos exilados pedem que comunidade internacional mantenha pressão diplomática e financeira contra regime de Maduro. Sessão com dirigentes do CDS frisou urgência de ajuda humanitária

Texto Pedro Cordeiro

“Crescemos de mão dada com a comunidade portuguesa”. Quem o afirma é Ysrrael Camero, diretor de investigação de desenvolvimento da Assembleia Nacional (AN) venezuelana. A viver em Madrid há seis meses, devido à repressão de que se sente alvo sob o regime de Nicolás Maduro, este historiador lembra que a diáspora lusa “ajudou a erguer a Venezuela” no século XX. “São um povo trabalhador”, afirmou esta segunda-feira em Lisboa.

“Agradecemos que nos tenham ensinado o conceito de saudade, o sentimento que hoje temos”, afirmou o também secretário-executivo do partido Um Tempo Novo (centro-esquerda), evocando os milhões de venezuelanos que abandonaram o país, fosse pelo autoritarismo do Governo bolivariano, fosse pela escassez de alimentos, fármacos e bens de primeira necessidade que a crise económica acarretou. “Olhamos para a Venezuela com tristeza nostálgica”, disse Camero, que participava num colóquio organizado pelo Instituto Democracia e Liberdade Amaro da Costa, próximo ao CDS, e pela Fundação Konrad Adenauer, ligada à União Democrata-Cristã alemã (CDU, da chanceler Angela Merkel).

Ysrrael Camero, Ana Cristina Monteiro e Aldo de Santis (da esquerda para a direita) <span class="creditofoto">Foto Pedro Cordeiro</span>

Ysrrael Camero, Ana Cristina Monteiro e Aldo de Santis (da esquerda para a direita) Foto Pedro Cordeiro

No caso da centrista Ana Cristina Monteiro, nascida na Venezuela de pais portugueses, foi a insegurança que ditou o regresso à Madeira. “Partimos há 11 anos, pois já prevíamos o que ia acontecer”, conta a hoje vereadora na Câmara Municipal do Funchal. Quando lhe disseram que a ilha ia parecer pequena a quem chegava de um país vasto como a Venezuela, respondeu que vivia “presa num círculo mais pequeno do que a Madeira, entre casa, escola e trabalho”.

De volta às origens familiares, fez bolos de casamento para sobreviver antes de se envolver na política e na Venecom, a Associação da Comunidade de Imigrantes Venezuelanos na Madeira. Também ela valoriza os fluxos migratórios recíprocos entre os seus dois países. “A Venezuela abria as portas a todos os que chegavam. Agora precisamos que outros países abram portas aos venezuelanos”, apelou a autarca, que se diz “plenamente integrada” em Portugal.

Lusodescendentes “sentem repressão na pele”

É um quadro de miséria o que traçam os opositores ao regime chavista, que desde a conquista democrática da presidência da República pelo seu fundador, Hugo Chávez, se foi tornando “progressivamente mais autoritário e agora é abertamente uma ditadura”, segundo Camero. “Os lusodescendentes sentiram na pele o empobrecimento com que Maduro tenta aprofundar o controlo do Governo sobre a sociedade”, garante. Explica que os portugueses são sobretudo “pequenos e médios empresários e produtores de alimentos”, a quem o regime persegue.

Camero pede que não se chame a Juan Guaidó, o atual líder da oposição a Maduro, um Presidente “autoproclamado”. “A assunção do cargo seguiu o que dita a Constituição”, diz. Os críticos do regime não reconhecem — como, aliás, grande parte da comunidade internacional — as eleições de maio de 2018, em que Maduro se fez reeleger. Consideram, por isso, que desde o final do mandato anterior, a 10 de janeiro, o sucessor de Chávez ocupa a chefia do Estado por “usurpação”, pelo que cabe à AN assumir o poder executivo.

“As últimas eleições livres foram as legislativas de 2015 e a oposição teve maioria. Ganhámos e por isso podemos hoje dar a luta que damos”, assegura Camero. Recorda que na AN estão representadas tendências que vão da esquerda aos sociais-cristãos, passando pelos liberais.

Aldo de Santis, opositor que também se instalou na capital espanhola, teme que Maduro tenha a tentação de a dissolver, usando para tal a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), que criou após a derrota nas urnas em 2015. “Não permitam que isso ocorra”, pede este assessor parlamentar do partido de Guaidó, Vontade Popular. “É possível que a ANC decida apresentar um projeto constitucional e sujeitá-lo a uma consulta, mas tal será para estabelecer um regime autoritário”, alerta Santis, perito em Direito Constitucional.

Amnistia e reconciliação

A seu ver, reconhecer Guaidó, como fez Portugal, no quadro europeu, além da maioria dos governos da União Europeia e da América Latina e os Estados Unidos, é “salvar a vida aos venezuelanos”. Acredita que a continuada pressão diplomática e financeira possa trazer frutos.

Camero estabelece um plano em três fases: “Fim da usurpação e do poder fáctico de Maduro, criação de um Governo de transição e convocação de eleições democráticas, limpas e abertas”. Frisa que a oposição aprovou uma lei de amnistia para “todos os que estiverem dispostos a dar um passo à frente e deixar ditadura para trás”.

O gesto dirige-se às forças armadas, cruciais para desbloquear o presente impasse e que, garante o político, “não são apenas as altas patentes apoiantes de Maduro”. “Para a semana é provável que tenhamos sinais de que as forças armadas vão deixar entrar ajuda humanitária na Venezuela”, anunciou Santis.

Na sessão intervieram dirigentes do CDS, da líder ao cabeça de lista às eleições europeias. Assunção Cristas disse querer visitar a Venezuela desde 2016, mas não o poder fazer por razões de segurança. Criticou a “esquerda radical” (leia-se, PCP e BE) por apoiar “um regime autoritário e desumano” e elogiou os propósitos pacificadores da oposição a Maduro. “É preciso compreender que a história tem os seus momentos e a reconciliação é boa para o povo”.

Genocídio e “alucínio”

Telmo Correia comparou a tragédia económica venezuelana à da Síria, em guerra civil desde 2011, e afirmou que era “superior à da guerra civil espanhola e da Grande Depressão nos Estados Unidos”. Cristas e Correia regozijaram-se pelo apoio do Governo português a Guaidó, embora o considerassem “tardio”. Para este deputado, ao impedir a entrada de alimentos e medicamentos pela fronteira colombiana, Maduro coloca-se “no limite do genocídio”.

“A questão não é de esquerda ou direita, mas de ditadura ou democracia, decência ou opressão”, sentenciou Nuno Melo. Sem perder a ocasião, afirmou que “a Venezuela mostra em 2019 o que acontece quando o comunismo manda. É assim desde 1917, a diferença é que hoje temos iPhones”. Defende a transição “sem intervenção externa nem guerra civil”, mas reconhece que “há muitas variáveis que ninguém domina”.

Melo chega a considerar que “muitos ditadores tiveram a perceção de estar a fazer bem ao seu povo, a ditadura era para eles um meio e não um fim”, enquanto Maduro “trata mal o povo, premeditadamente, para se conservar no poder”. O eurodeputado criou mesmo um neologismo para classificar a atitude dos que apoiam Maduro: “Só por alucínio!”