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Quem é que gosta mesmo de Assange?

O novo look de Assange, que agora parece uma estrela indie ressurgida <span class="creditofoto">Foto GETTY</span>

O novo look de Assange, que agora parece uma estrela indie ressurgida Foto GETTY

Problemas do cofundador da WikiLeaks com a embaixada do Equador em Londres não são de agora. Nos últimos meses, Julian Assange e a instituição que lhe deu asilo diplomático incompatibilizaram-se várias vezes. Foi detido esta quinta-feira

Texto Hélder Gomes

“Não foi tanto Julian Assange ser refém na embaixada do Equador, foi mais Julian Assange ter feito refém a embaixada numa situação absolutamente intolerável.” Foi desta forma que o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, explicou a prisão do cofundador da WikiLeaks, esta quinta-feira, na dependência diplomática equatoriana em Londres. Sublinhando que ninguém está acima da lei, o governante frisou que Assange “não é um herói” e que “escondeu a verdade durante anos”.

Visivelmente envelhecido, com a barba e o cabelo brancos, o australiano de 47 anos saiu da embaixada algemado, curvado e rodeado por vários homens, sendo encaminhado para uma carrinha da polícia. As autoridades anunciaram que detiveram Assange depois de terem sido “convidadas a entrar na sequência da retirada de asilo pelo Governo equatoriano”. Em comunicado, a polícia indicou ainda que executou um mandado de detenção, emitido em 2012 por um tribunal de Londres, e informou mais tarde que tinha também dado cumprimento a um mandado dos EUA. Foi um ponto final inesperado – na verdade, umas reticências – após um refúgio de quase sete anos que conheceu vários percalços.

Em outubro do ano passado, por exemplo, Assange recebeu um conjunto de novas regras da embaixada que incluíam pagar pelo uso de internet, comida e serviço de lavandaria, ter melhores cuidados com o seu gato e manter a casa de banho limpa. O cofundador da WikiLeaks contestou as regras, alegando que estas violavam os seus “direitos e liberdades fundamentais” e tinham como intenção obrigá-lo a sair da embaixada. Uma juíza do Equador deliberou contra ele, dizendo que a exigência de pagar a internet e de limpar as necessidades do gato não violava o seu direito de asilo.

<span class="creditofoto">Foto Getty</span>

Foto Getty

O HELICÓPTERO AMERICANO QUE DISPAROU SOBRE CIVIS NO IRAQUE

A WikiLeaks foi criada por Assange e por um grupo de amigos em 2006 como um site para onde podiam ser enviados documentos e imagens confidenciais para serem disponibilizados online. O site ganhou destaque com a divulgação em 2010 de um vídeo gravado três anos antes que mostrava um helicóptero militar dos EUA a disparar sobre civis no Iraque. O ataque matou várias pessoas, incluindo dois elementos de uma equipa de reportagem da agência de notícias Reuters.

A WikiLeaks divulgou só em 2010 mais de 90 mil documentos confidenciais relacionados com ações militares americanas no Afeganistão e cerca de 400 mil documentos secretos sobre a guerra no Iraque. No mesmo ano foram tornados públicos cerca de 250 mil telegramas diplomáticos do Departamento de Estado norte-americano que puseram a nu avaliações muito críticas de alguns líderes mundiais, desde o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, a membros da família real saudita.

“COMPORTAMENTO AGRESSIVO E DESADEQUADO”

Herói para uns por expor o que classificam como “abusos de poder por parte dos Estados”, para outros Assange é um rebelde perigoso que tem minado a segurança norte-americana. Em 2012 refugiou-se na embaixada londrina para evitar a sua extradição para a Suécia, onde as autoridades queriam interrogá-lo no âmbito de uma investigação sobre abusos sexuais. A Suécia abandonou a investigação em 2017, mas esta quinta-feira a advogada de uma alegada vítima de violação anunciou que iria pressionar o Ministério Público do seu país para reabri-la.

Assange perdeu o asilo diplomático após “sucessivas violações das condições” impostas pelo Equador, anunciou o Presidente do país, Lenín Moreno. A situação tornou-se insustentável face ao “comportamento agressivo e desadequado, às ameaças da sua organização contra o Equador e sobretudo ao desrespeito pelos tratados internacionais”, acrescentou o chefe de Estado.

Moreno afirmou ter solicitado a Londres que garantisse que Assange não era extraditado para um país onde pudesse ser submetido a tortura ou à pena de morte. “O Governo do Reino Unido confirmou isso por escrito”, revelou o Presidente equatoriano. O secretário de Estado britânico para a Europa e as Américas, Alan Duncan, assegurou que Assange não seria extraditado para os EUA se corresse o risco de ser condenado à morte.

<span class="creditofoto">Foto Getty</span>

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FEZES NAS PAREDES DA EMBAIXADA

A WikiLeaks acusou o Equador de ter terminado ilegalmente o asilo político em violação do direito internacional. Os apoiantes de Assange ficaram impressionados com a sua imagem envelhecida, salientando que o espaço exíguo em que vivia, sem acesso à luz do dia, prejudicou a sua saúde.

A ministra equatoriana do Interior, María Paula Romo, disse que o asilo foi revogado por existirem provas suficientes de que Assange estava a interferir nos assuntos internos do país numa tentativa de desestabilizar o Governo. A governante lembrou as palavras do Presidente Lenín Moreno, quando este acusou Assange de violar consistentemente as regras de residência na embaixada, especificando que o cofundador da WikiLeaks esfregou fezes nas paredes da dependência diplomática.

CONSPIRAÇÃO COM CHELSEA MANNING

O Departamento de Justiça dos EUA confirmou que Assange foi indiciado por conspiração com Chelsea Manning (outrora Bradley Manning, um soldado raso que foi o responsável pela divulgação de centenas de milhares de documentos secretos dos EUA através da WikiLeaks). “A acusação alega que em março de 2010 Assange se envolveu numa conspiração com Chelsea Manning, um antigo analista dos serviços de informação no Exército dos Estados Unidos, para ajudar Manning a descobrir uma palavra-passe” em sistemas computorizados classificados do Departamento de Justiça, revelou este órgão em comunicado. A acusação, tornada pública esta quinta-feira, tem a data de 8 de março do ano passado.

<span class="creditofoto">Foto Getty</span>

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A advogada de Manning afirmou que esperava que a detenção de Assange pudesse abrir a porta à libertação definitiva da sua cliente. Manning cumpriu uma pena de prisão de cerca de sete anos pela divulgação dos documentos secretos, tendo sido libertada em maio de 2017. No entanto, em março passado, voltou a ser presa por recusar testemunhar perante um grande júri, alegando já ter dito tudo o que sabia sobre o caso.

Entretanto, a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, condenou a atuação das autoridades britânicas. “A mão da democracia estrangula a liberdade”, escreveu a responsável no Facebook. Também o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reagiu à detenção, indicando que espera que todos os direitos de Assange “sejam respeitados”.