Ventura, um Chico-esperto incompetente
Primeiro André Ventura ia fazer um partido. Fazer o que fez a Iniciativa Liberal e a Aliança, que vão a votos com tudo legalizado, cumprindo a lei e não procurando expedientes. Para recolher assinaturas é preciso mobilizar ativistas, apelar à cidadania, que a política exige mais do que o verbo fácil. Um homem só, por mais tempo de antena que tenha à boleia da bola, não chega.
Quando entregaram as listas ao Tribunal Constitucional, na presença da comunicação social, as coisas do “Chega” não estavam em ordem. Entre os subscritores havia menores e agentes de forças policiais. Até para um professor de direito a lei é uma chatice. Recomeçaram a recolha de assinaturas e até fizeram uma queixa no Ministério Público contra terceiros, acusando desconhecidos e incertos da sua própria incompetência. Em resumo: para formar um partido o ativismo no Facebook não serve. Não conseguiram o que qualquer partido minúsculo tem conseguido. Deve ser a primeira vez que um partido político se apresenta aos eleitores, já tem cartazes por todo o país pagos não se sabe bem por quem, e não consegue cumprir o mais simples passo formal de qualquer partido político. Parece que o dinheiro paga outdoors, não paga militância e competência.
Especialista em atalhos, Ventura decidiu casar dois partidos mortos-vivos e chamar à coligação o nome do partido que não conseguiu formalizado. O Tribunal Constitucional não aceitou a esperteza saloia. O Chega está em processo de formalização, aguardando que regularizem as assinaturas que entregaram. Uma coligação não pode registar-se com o nome de um partido existente ou em formação. Como é evidente.
Ventura confirma que os mais ferozes moralistas são quase sempre os mais refinados espertalhões. Ventura não acredita em nada. E para quem dispensa para si próprio o imperativo da consciência a ética é um incompreensível mistério. Antes o PNR. Ao menos acreditam nas barbaridades que dizem
Dirão: mas se o partido ainda não existe, não conta. Terão reparado que o “Chega” tem cartazes por todo o lado. As empresas ou os cidadãos só os podem colocar em locais estipulados e pagam por isso. Os partidos não. Quando o “Chega” começou a pôr cartazes sem qualquer autorização, algumas câmaras pediram informação à Comissão Nacional de Eleições: aquele partido existia? A CNE respondeu que não existia mas estando em formação teria os mesmos direitos do que os restantes. Se isto vale para os cartazes, vale para a impossibilidade de formar uma coligação com um nome de um partido em formação. Ventura diz que está nos dois, como se os partidos, as coligações ou até a lei fossem propriedade sua.
Perante a resposta do Tribunal Constitucional, que era mais ou menos óbvia, André Ventura arriscou um pouco mais: insistiu em manter tudo como estava, até porque se tinham esgotado as alternativas. Já se percebeu a estratégia: vitimizar-se.
O que ressalta de toda este deprimente começo, não é apenas o amadorismo de Ventura. Esse apenas nos diz que alguém que trata muitos pobres e as minorias como parasitas que andamos a sustentar e os deputados como gente tão inúteis que apenas cem chegavam e sobravam é incapaz de cumprir os mínimos para arranjar o seu próprio tacho. Que alguém que enche a boca com as falhas dos outros trata a lei e os tribunais com desprezo. Ventura confirma o que sempre soubemos: que os mais agressivos moralistas são quase sempre os mais refinados espertalhões.
André Ventura manda fazer estudos de mercado e é isso que determina o que dirá. Se o inquérito diz que é para atacar os ciganos ataca-se os ciganos. Se diz que é para atacar os políticos, ataca-se os políticos. Mesmo que ele não queira mais do que ser um deles. Explora os medos, os ódios e os preconceitos para ver se pinga alguma coisa para si. Ventura não acredita em nada. E para quem dispensa para si próprio o imperativo da consciência a ética é um incompreensível mistério. Antes o PNR. Ao menos acreditam nas barbaridades que dizem. Pior do que um fanático por convicção é um fanático por oportunismo. Ainda por cima incompetente.