Reino Unido

Um Brexit ainda mais à deriva

<span class="creditofoto">Foto reuters</span>

Foto reuters

Um adiamento da saída do Reino Unido da UE por pelo menos três meses e um chumbo (para já) de um segundo referendo ao Brexit: assim se resume a votação desta quinta-feira na Câmara dos Comuns. O pedido que o Governo britânico irá apresentar será apreciado pelos restantes Estados-membros, que têm de decidir por unanimidade. Quem já se pronunciou foi Donald Trump, sem grandes elogios ao que está a suceder

Texto Hélder Gomes

Os deputados britânicos aprovaram esta quinta-feira um pedido para adiar o Brexit. A Câmara dos Comuns mandatou o Governo de Theresa May para pedir à União Europeia (UE) uma extensão do período previsto no artigo 50 do Tratado de Lisboa, que rege a saída dos Estados-membros. A votação, de 412 contra 202, significa que o Brexit quase decerto não acontecerá a 29 de março. Falta conhecer o teor do pedido e a resposta dos 27, que terão de decidir por unanimidade.

Há um detalhe pleno de ironia: se o adiamento for de mais de três meses, os britânicos têm de realizar as eleições para o Parlamento Europeu, marcadas para o final de maio – ou seja, concorrer a uma instituição pertencente a uma organização da qual votaram maioritariamente para sair em 2016. Esse cenário coloca-se caso não haja, até 20 de março, um acordo aprovado para sair da UE.

Antes disso, os parlamentares tinham rejeitado uma emenda para a realização de um segundo referendo durante o prazo do prolongamento. Contra as expectativas de muitos, o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, escolheu levar a votação a proposta apresentada por Sarah Wollaston, que no mês passado abandonou o Partido Conservador para se juntar ao recém-formado Grupo Independente, que é pró-UE e junta dissidentes dos conservadores e dos trabalhistas.

A emenda, que está no coração da agenda política da nova bancada parlamentar, defendia que a saída do Reino Unido da UE devia ser adiada para que fosse possível legislar e realizar uma votação pública em que a permanência na UE seria uma opção no boletim de voto. O texto desta emenda multipartidária foi assinado por cerca de 30 deputados, contando com o apoio dos liberais democratas.

Esta proposta criou um pequeno cisma no Partido Trabalhista: tinha dito que apoiaria um segundo referendo, com o objetivo de travar “um Brexit dos tories”, que considera “prejudicial”. No entanto, havia pelo menos uma vintena de trabalhistas que se lhe opunham. O porta-voz trabalhista para o Brexit, Keir Starmer, disse que o partido apoia “o princípio” mas recomendou a abstenção por “uma questão de timing”.

<span class="creditofoto">Foto epa</span>

Foto epa

PARLAMENTO NÃO ARREBATOU PROCESSO A MAY

O trabalhista Alastair Campbell, uma figura de topo na campanha do People’s Vote, que apela à realização de nova consulta popular sobre o acordo final do Brexit, afirmou ser “errado pressionar uma emenda para o voto popular hoje [quinta-feira] quando a questão é a extensão [do artigo 50]”. Um segundo referendo é “uma solução possível para a crise atual”, sublinhou, acrescentando contudo que haverá mais oportunidades quando outras opções para resolver a crise do Brexit já estiverem esgotadas.

Foi igualmente chumbada a emenda do trabalhista Hillary Benn, que transferia da primeira-ministra para os deputados a condução primordial dos trabalhos parlamentares sobre o Brexit. A ideia era a Câmara dos Comuns debater e votar já na quarta-feira da próxima semana várias opções de saída do impasse. Os deputados rejeitaram ainda uma emenda do líder trabalhista, Jeremy Corbyn, que instava May a procurar um adiamento não especificado para o Parlamento “encontrar uma maioria para uma abordagem diferente”. Após a votação, Corbyn disse que May devia aceitar que tanto o seu acordo como uma saída sem acordo “já não são opções viáveis”, sugerindo a May que avançasse com a legislação necessária para alterar a data do Brexit. O líder trabalhista reiterou o apoio do seu partido a uma consulta popular sobre o assunto como “uma opção realista para ultrapassar o impasse”.

Uma quarta emenda submetida pelo trabalhista Chris Bryant rejeitava que May pudesse voltar a levar o seu acordo a votos, mas o próprio autor retirou-a do debate antes da votação. De fora ficaram outras seis emendas, uma a apelar à revogação do artigo 50, o que significaria o cancelamento de todo o processo do Brexit. Outra emenda que Bercow não colocou à votação opunha-se à realização de uma nova consulta popular, declarando que “o resultado do referendo de 2016 deve ser respeitado e que um segundo referendo seria fraturante e dispendioso”. Foi subscrita por 111 deputados – na maioria conservadores eurocéticos –, com o apoio do Partido Unionista Democrático norte-irlandês e de um punhado de trabalhistas. A sua não-inclusão na votação desta quinta-feira gerou controvérsia.

“MAY DEVIA TER OUVIDO AS MINHAS DICAS”, DIZ TRUMP

<span class="creditofoto">Foto reuters</span>

Foto reuters

O Presidente dos EUA, Donald Trump, criticou a forma como May está a conduzir o processo, defendendo que realizar um segundo referendo será “injusto”. “Eu dei à primeira-ministra as minhas dicas sobre como negociar. Ela não as ouviu e... tudo bem – ela tem de fazer o que tem de fazer. Mas penso que teria sido bem-sucedida”, disse.

Do lado da UE, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, revelou que irá pedir aos líderes dos 27 que aceitem “um adiamento longo” do Brexit caso o Reino Unido o solicite para repensar a sua estratégia e “construir um consenso”. Esta reação surgiu na quarta-feira, após o Parlamento britânico rejeitar o acordo de saída proposto por May e chumbar a ideia de sair da UE sem acordo.

“Devia ter sido uma simples votação no Parlamento mas depressa se transformou numa farsa caótica”, diz Matthew Taylor sobre a votação de quarta-feira. Este arquiteto preside ao grupo multipartidário Slough for Europe, que pretende manter o Reino Unido na UE, e comenta ao Expresso que “mesmo para os padrões anteriores [já baixos], a votação foi uma balbúrdia”. “Percebemos que May apoiaria alegremente um cenário de não acordo, da mesma forma que apoia o seu próprio acordo. Temos um Governo fora de controlo, que regularmente perde votações fundamentais de forma clamorosa, mas depois finge que nada se passou”, critica.

Já Rebecca Ryan, diretora e fundadora do movimento Stand Up 4 Brexit, considera que “a votação [de quarta-feira] não muda o facto de, ao abrigo da lei, o Reino Unido deixar a UE no dia 29”. “Há uma verdadeira sensação de choque e frustração entre o povo britânico, os Brexiteers [apoiantes da saída] e os Remainers [apoiantes da manutenção] com sentido democrático”, avalia ao Expresso. “Os deputados pelo Brexit não votarão pela vassalagem. Nenhum país sério assina um tratado internacional sem uma cláusula de salvaguarda – e o Reino Unido não vai fazê-lo”, garante.