Justiça

Candidato a chefe do Exército citado em escutas suspeitas já fez cair um CEME

O general Rovisco Duarte pediu a demissão cinco dias depois da saída de Azeredo Lopes do Ministério da Defesa. Pressão causada pelo roubo e posterior recuperação do armamento de Tancos no centro da polémica <span class="creditofoto">Foto Nuno Botelho</span>

O general Rovisco Duarte pediu a demissão cinco dias depois da saída de Azeredo Lopes do Ministério da Defesa. Pressão causada pelo roubo e posterior recuperação do armamento de Tancos no centro da polémica Foto Nuno Botelho

O nome do tenente-general Fernando Serafino aparece numa conversa telefónica comprometedora entre dois arguidos da Operação Húbris. Serafino, atual vice-CEME, é um dos nomes possíveis para suceder a Rovisco Duarte na chefia do Exército. Foi diretor-geral de Armamento quando Paulo Portas era ministro e foram assinados contratos polémicos, como o dos submarinos, e o general Silva Viegas demitiu-se de CEME por causa da sua promoção

Texto Hugo Franco, Joana Pereira Bastos e Vítor Matos

O nome do tenente-general Fernando Serafino, vice-Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), aparece numa escuta na investigação à recuperação das armas de Tancos, embora não seja um dos protagonistas do telefonema. Caso venha a ser o escolhido para suceder ao general Rovisco Duarte, o topo do ramo continuará sob o foco da pressão mediática, pelas dúvidas sobre se sabia ou não do encobrimento.

Rovisco Duarte pediu esta quarta-feira a demissão de CEME, cinco dias após a saída de Azeredo Lopes do Ministério da Defesa e dois dias depois de o novo ministro, João Gomes Cravinho, tomar posse. O desgaste político causado pelo roubo das armas de Tancos e a operação ilegal da Polícia Judiciária Militar (PJM) para resgatar o arsenal terão levado à demissão do ministro, que depois teve como consequência a queda do CEME, que não terá sentido da nova tutela confiança suficiente. Poucas horas depois de ter invocado “razões pessoais” numa carta ao Presidente da República, escreveu na mensagem aos militares do Exército que “as circunstâncias políticas assim o exigiram”.

De acordo com o “Diário de Notícias”, João Gomes Cravinho está a ouvir generais do Exército para suceder a Rovisco Duarte. Os generais de três estrelas Cóias Ferreira, comandante da Logística, Fonseca e Sousa, comandante do Pessoal, e o general Guerra Pereira, comandante das Forças Terrestres, que foi chefe de gabinete do anterior chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Pina Monteiro, também são possibilidades. Há ainda dois generais do Exército que estão na GNR e que cumprem os requisitos, em termos legais, para suceder a Rovisco Duarte.

Uma escolha natural será a de Fernando Serafino, o mais antigo na hierarquia, mas uma escuta da Polícia Judiciária civil no âmbito da Operação Húbris — que levou à detenção de cinco militares da PJM, de três da GNR de Loulé e de um ex-fuzileiro — poderá comprometer o tenente-general.

A 10 de julho, durante uma conversa entre o então diretor da PJM, coronel Luís Vieira, e o ex-porta voz daquela polícia, major Vasco Brazão (ambos arguidos no caso), o primeiro cita uma conversa que tivera com o vice-CEME. Segundo Vieira, Serafino achava que muitas das coisas, entre elas o episódio dos caixotes encontrados pela PJM num baldio na Chamusca, não deveriam ter acontecido. No entanto, o vice-CEME congratulou-se, ainda de acordo com a narrativa telefónica do ex-diretor da Judiciária Militar, que não tenha sido a PJ a descobrir o armamento.

Na conversa é clara a referência à operação de recuperação do armamento furtado na madrugada de 18 de outubro do ano passado na Chamusca feita pela PJM e pela GNR de Loulé. A encenação deu origem a uma investigação da PJ e do Ministério Público.

Durante esse telefonema de julho, Luís Vieira contou a Brazão que o tenente-general Serafino confirmou que estivera na República Centro Africana (onde o major da PJM se encontrava em missão junto com as tropas portuguesas) revelando que estava muito preocupado, sem no entanto detalhar os motivos da sua preocupação.

Vasco Brazão confirmou a troca de impressões com Serafino e também com Rovisco Duarte em África, anunciando ao então diretor da PJM que os dois altos responsáveis do Exército lhe deram os parabéns pelo trabalho da PJM.

Polémica no reinado de Paulo Portas

Esta não é a primeira polémica em que o general Campos Serafino se vê envolvido. Em 2003, o então CEME, general Silva Viegas demitiu-se em conflito com o ministro da Defesa, Paulo Portas, por ter sido pressionado a promover uma série de tenentes-coronéis para que Serafino pudesse ser diretor-geral de Armamento. Nessa época, Serafino era tenente-coronel e porta-voz do gabinete de Paulo Portas, mas o líder do CDS promoveu-o ao cargo que controla todo o processo de aquisição de material para reequipar as Forças Armadas, um posto que era ocupado por generais ou almirantes. A promoção foi mal recebida, chegando a demissão de Silva Viegas - por ter perdido “a confiança no ministro” - a levar a um jantar de antigos CEME na Vela Latina, incluindo o ex-Presidente da República Ramalho Eanes.

Na sequência do desempenho das suas funções como diretor-geral, Fernando Serafino assinou contratos polémicos como o dos submarinos e das viaturas blindadas de rodas Pandur.