Lisboa

MP encontra “vícios” que invalidam hasta pública da Feira Popular

Foto António Pedro Ferreira

O Ministério Público (MP) mantém as críticas e o “chumbo” a diversos pontos do projeto da Câmara de Lisboa para Entrecampos. Nesta quinta-feira, a poucas horas do prazo para entrega de propostas para a hasta pública dos terrenos da Feira Popular (que terminou às 17h), o MP desafiou Fernando Medina a fazer a “reponderação da operação de modo a expurgar vícios de que resultem nulidade ou anulabilidade” do projeto, no qual o leilão é um passo essencial. É como se o MP aconselhasse a Câmara a adiar o procedimento

Texto Paulo Paixão

Para esta sexta-feira, dia 23, pelas 10h, está marcada a abertura das propostas da hasta pública dos terrenos da antiga Feira Popular de Lisboa, a Entrecampos (cujo prazo de apresentação terminou às 17h desta quinta-feira). Pela venda, a Câmara conta arrecadar pelo menos 188 milhões de euros.

O procedimento fora adiado pela autarquia por duas semanas, na sequência de um ofício do MP, de 8 de novembro, que arrasava muitos dos pilares da Operação Integrada de Entrecampos. O MP falava de “violação” do PDM, de decisões da Câmara sujeitas a “impugnação” e de “falta de legitimação da autarquia”, entre outras questões de “legalidade urbanística” suscitadas.

A posição da Procuradora da República junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), motivada por uma participação à PGR dos vereadores do CDS na Câmara de Lisboa, vinha assim abalar a segurança jurídica de potenciais compradores dos lotes e parcelas em hasta pública, que os adquirem ao município no pressuposto de concretização de um dado projeto imobiliário.

A Câmara respondeu àquele texto do MP, rebatendo os argumentos da procuradora Elisabete Matos. Esta, no entanto, enviou nesta quinta-feira novo ofício ao presidente da Câmara, no qual mantém praticamente todo o entendimento anterior, aprofundando algumas das críticas, e juntando novos pontos ao rol de dúvidas.

Fernando Medina e o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado <span class="creditofoto">Foto António Pedro Ferreira</span>

Fernando Medina e o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado Foto António Pedro Ferreira

Na conclusão comunicada agora à Câmara, a representante do MP insta Fernando Medina, o presidente da Câmara, a informar a Procuradoria sobre se “admite a reponderação da operação de modo a expurgar vícios que resultem nulidade ou anulabilidade, sem prejuízos dos esclarecimentos que se queiram oferecer sobre esta matéria”.

O MP reconhece que há um “curto período disponível para a abordagem de tão vasta matéria”, mas assume que prefere ter neste processo uma “intervenção antecipatória”.

Nas críticas e “chumbos” do MP a determinados pontos deste processo (como os mecanismos de gestão territorial escolhidos pela Câmara para intervir na Operação Integrada de Entrecampos, e as soluções urbanísticas escolhidas pela autarquia), a procuradora Elisabete Matos mantém o entendimento de que a Câmara desrespeitou uma deliberação da Assembleia Municipal de 2015, que fixa uma dada percentagem para habitação no perímetro da antiga Feira Popular.

Num dos pontos mais controversos da operação, que levou a Câmara a contabilizar vários hectares de terreno em avenidas circundantes da antiga Feira Popular para assim atingir um determinado volume de construção, o MP reitera que tal viola o Plano Diretor Municipal. A procuradora diz que a pretensão da Câmara é uma “impossibilidade matemática”.

E chega a ser cáustica sobre um “raciocínio” que “o bom senso afastaria”: “Também os cemitérios são domínio público e podem ser adjacentes a solo merecedor de iniciativa autárquica, ou as autoestradas, que são domínio público estadual, e que podem ser adjacentes a solo de ministério responsável, que invocaria as suas prerrogativas, e assim sucessivamente, numa fonte de argumentário inesgotável”.

Outra das críticas anteriores do MP às opções da Câmara para Entrecampos, a escolha da “operação integrada” como ferramenta de gestão urbanística, é reiterada neste segundo ofício enviado a Fernando Medina.

“Fica assente que a operação integrada é uma figura que não tem existência jurídica no quadro do direito administrativo especial que rege o planeamento urbano e a gestão urbanística”, escreve a procuradora Elisabete Matos. Como tal, “não é possível dela retirar efeitos jurídicos”, acrescenta o MP, que mais adiante esclarece: “Os tribunais podem reconhecer a inexistência de atos jurídicos”.

Avaliação ambiental em falta

Ainda no campo dos instrumentos de gestão escolhidos pela Câmara, o MP sustenta que devia ter sido elaborado um Plano de Pormenor, essencial para “a defesa de valores ambientais”. Nesse contexto, a procuradora defende que “ao prever-se um loteamento na Avenida das Forças Armadas com mais de 500 fogos, a avaliação ambiental estratégica é imperativa”.

Outra das críticas do MP prende-se com o estudo urbano do projeto da Feira Popular (da autoria do arquiteto Souto de Moura), no qual os diversos edifícios, nas imagens de promoção do empreendimento divulgadas pela Câmara, aparecem todos alinhadinhos, em sintonia, numa linguagem coerente. Estranha a procuradora como é “exibida [tal] ambiência”, pois “os futuros projetos são da responsabilidade dos arquitetos que os promotores escolherem”. “Não parece possível assegurar a ambiência - a não ser que os promotores, e os arquitetos por si escolhidos, partilhem a tendência arquitetónica proposta, o que só fortuitamente pode suceder”, salienta o MP.

Numa crítica nova agora endereçada à autarquia, o MP diz que “os lugares de estacionamento [em dado ponto da operação urbanística] são dispensados aos promotores porque a Câmara os vai construir em subsolo”, mas a procuradora discorda do procedimento: “Não se vê que esta dispensa esteja fundamentada”. E mesmo que tal fundamentação acontecesse, os promotores teriam de compensar o município (cenário que não consta dos planos da autarquia). Tal conta daria “cerca” de 2,9 milhões de euros, diz o MP.

Outros dos pontos trazidos pela primeira vez à colação pela procuradora Elisabete Matos prende-se igualmente com estacionamento, neste caso aquele que deve ser garantido ao comércio retalhista, “que entendemos como sendo à superfície e não em subsolo”, diz. Conclui o MP, face à sua avaliação do projeto da Feira Popular, que “ou a Câmara não considera haver comércio retalhista, ou o Plano Diretor Municipal surge no ponto violado”.

O Expresso perguntou (já ao final desta tarde) ao gabinete do Presidente da Câmara de Lisboa se do ofício hoje recebido por Fernando Medina resulta alguma alteração nos planos da hasta pública marcada para amanhã (sexta-feira). A autarquia informou que “está a analisar a situação.”

Entretanto, o Expresso soube que foram entregues na Câmara três propostas para a compra de lotes e parcelas da hasta pública dos terrenos da antiga Feira Popular.