David Dinis

Costa na Europa: “Entrar como Papa, sair como cardeal”

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Ao fim de 60 horas de negociações, ruiu o sonho de António Costa (e de Pedro Sánchez, o socialista vizinho e aliado): afinal, não haverá geringonça europeia, nem haverá socialistas nos cargos de topo – não mais do que os que já havia, pelo menos, mesmo admitindo que o Alto Representante para a Política Externa seja um cargo de topo real e não proclamatório.

A derrota de António Costa pode não ser o pior dos cenários – seja para Portugal ou para ele próprio. Mas o reconhecimento público de que o PSE não tinha outra opção senão aceitar que a Comissão Europeia continuaria a estar nas mãos do PPE (a direita que combatia) e o Conselho entregue aos liberais de Macron, para evitar um bloqueio institucional da União Europeia às mãos de Salvini e do eixo de Visegrado são uma preciosa lição para o primeiro-ministro português: na altura em que as instituições europeias mais se dividem por dentro, entre os europeístas e os adversários do projeto, escolher o adversário como inimigo é um erro primário.

Na terça-feira, com o ar desapontado de quem tinha perdido uma batalha, António Costa disse várias coisas acertadas: que bloquear esta solução para os cargos de topo era a pior opção; que Salvini tem hoje uma influência perigosa noutros governos europeus; que é importante que Angela Merkel tenha saído vencedora deste processo, precisamente para manter sólido o bloco da direita moderada – condição necessária e imprescindível para evitar o crescimento da outra, eurocética e nacionalista (para não dizer populista).

Se tudo isto é verdade, também é verdade que tudo isto já estava à vista antes das eleições europeias e logo depois delas, quando Costa e Sánchez foram jantar com Macron e os liberais para montarem uma frente de ataque ao PPE (exato, ao PPE de Merkel, ao PPE que apesar das perdas tinha vencido as europeias). Nessa altura já sabíamos que Salvini tinha um representante no Conselho Europeu, que a Polónia e Hungria eram seus aliados, que Visegrado se tinha constituído como um grupo reacionário – incluindo dentro dele um governo socialista. É verdade que a estes cinco governos, no Conselho Europeu desta semana, se juntaram mais três dissidentes. Mas para isso contribuiu – e muito – a fragilização do PPE e da posição da chanceler alemã que chegou com a “geringonça” que o PSE queria construir (apesar de ter tido “um pior resultado nas eleições do que há cinco anos”, como agora reconhece – por ironia – o próprio português).

Fechado o processo, repito, Costa acertou. Tem razão quando antevê que o eixo de Visegrado pode bloquear várias decisões na Europa. Tem razão nos riscos da fragmentação do Parlamento europeu. Tem razão no reconhecimento de que a solução franco-alemã acaba por representar uma solução positiva, face aos perigos que a Europa enfrenta. Talvez com isto tudo Costa tenha percebido, portanto, o essencial: que em tempos de guerra não se limpam armas. Que quando há inimigos dentro de casa não se criam novas divisões. Que – como dizia o correspondente do “El Mundo” em Bruxelas sobre Sánchez – “na UE só conta estar à mesa dos grandes quando se distribuem as últimas cartas e não nos primeiros momentos da partida”. Talvez tenha percebido, agora, que errar nesse processo é cair num velho erro: “Entrar como Papa, sair como cardeal” (precisamente o título que o jornal espanhol escolheu para analisar o que aconteceu a Sánchez, mas que se aplica ainda melhor ao líder português).

P.S.1. Ao contrário do que disse o primeiro-ministro português, Salvini e amigos tiveram mesmo uma vitória. Na verdade duas: derrotando Tiemmermans, que lutou incansavelmente pelas regras do Estado de direito naqueles países; e acabando com o processo dos “spitzenkandidaten”, que bem ou mal foram a votos e respondem por isso.

P.S.2. Angela Merkel não só mostrou estar firme na liderança da Europa, como provou ser a única entre todos que assume riscos até ao fim (da defesa do projeto): a escolha da nova presidente da Comissão Europeia, sua aliada, pode até deitar por terra a grande coligação que governa a Alemanha, mas Merkel sabe bem onde estão os verdadeiros inimigos.

P.S.3. Pelos dados que tenho, não me surpreende que António Costa tenha, de facto, sido sondado para liderar o Conselho Europeu (o que por razões evidentes não poderia aceitar agora). O que me parece difícil, dado o que conhecemos do processo destas 60 horas, é que tivesse hipótese de ser aceite – não só pelos inimigos, mas até por muitos adversários que estimulou nas últimas semanas. O que desejo, como português, é que o seu tiro errado não o prejudique daqui para a frente à mesa do Conselho.