João Vieira Pereira

A modorra

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Depois de António Costa receber o Governo, muitos (eu incluindo) defendiam que o diabo estava ao virar da esquina. E estava. Aliás, está. Continua na mesma esquina, às vezes um pouco mais perto, outras vezes mais longe de a dobrar. De nunca lá saiu pela mestria do primeiro-ministro em gerir uma geringonça que se revelou ser o que não é.

Em vez de uma máquina infernal, assistimos a um aparelho muito bem afinado onde até as peças mais problemáticas resolveram baixar a cabeça e seguir o ritmo.

Resolvida a questão política, mais nada era preciso fazer. Costa recebeu uma economia a crescer, a criar emprego e com um sector privado apostado em exportar. O resto tudo se encaixaria. O suficiente para pagar algumas promessas eleitorais estapafúrdias, como a redução do IVA da restauração ou o regresso às 35 horas de trabalho.

Neste anos não houve uma medida para fomentar o crescimento. Aos compromissos rasgados de redução da carga fiscal sobre as empresas, a uma tentativa de estatização da economia, seguiu-se um travão a fundo do investimento público, o maior de sempre. Impensável para um Governo de esquerda, facto que só é suplantado pela estranheza do silêncio (vergonha) do resto da geringonça. Como se não falar disso fizesse o problema desaparecer.

O medíocre crescimento económico foi no entanto suficiente para colocar os agentes económicos numa modorra, aquela irresistível vontade de dormir que nos faz involuntariamente deixar cair a cabeça. Esta apatia vai ser infelizmente a nossa desgraça. Sem notarmos que estamos a definhar.

Ficamos contentes com muito pouco porque estamos conformados com o pouco que temos. Não nos atrevemos a pedir um crescimento de 7,8%, como o da Irlanda, porque 2,1% já é muito bom. Sejamos sinceros, crescer 2,1% em 2018 é um péssimo resultado

Está tudo bem. Ficamos contentes com muito pouco porque estamos conformados com o pouco que temos. Sem ter a audácia de pensar que podíamos muito mais. Não nos atrevemos a pedir um crescimento de 7,8%, como o da Irlanda, porque 2,1% já é muito bom. Sejamos sinceros, crescer 2,1% em 2018 é um péssimo resultado. É dos piores registos da Europa. Uma porcaria para um país que se tornou a coqueluche da Europa, a Meca dos reformados do mundo ou o novo destino turístico da moda.

E porque não crescemos então mais? Porque nada foi feito para mudar a estrutura da economia portuguesa. Porque isso não é importante para o Governo, nunca foi e nunca será. Em 2012, Portugal começou a ter um excedente externo, e bem que precisamos dele, mas no ano passado registou o valor mais baixo dos últimos cinco anos. As exportações estão a perder gás. E as importações a ganhar, impulsionadas por um consumo privado dependente do crescimento exponencial do crédito, que não pára de somar à enorme dívida das famílias. Tudo peças que puxam o crescimento para baixo.

Quer isto dizer que depois da modorra iremos entrar num pesadelo igual ao de 2011? Felizmente não, pelo menos no curto prazo. Apesar do abrandamento do crescimento económico que a Europa e os EUA estão a presenciar, nada aponta para que venha aí uma crise. Apenas um crescimento mais brando e que será o combustível perfeito para que continuemos num estado de sonolência permanente. António Costa irá continuar a fazer o que faz melhor, a tocar a flauta que entorpece a cobra, que hipnotizada continuará a sonhar que o amanhã será melhor, mesmo que esse amanhã nunca venha.

Assim chegaremos às eleições legislativas que, com quase toda a certeza, irão confirmar que em Portugal tocar flauta é a receita perfeita para ganhar eleições.