Ricardo Costa

Opinião

Ricardo Costa

Os imigrantes e os impostos num mundo plano

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Qualquer programa de incentivo ao regresso de emigrantes tem um objetivo importante. Se isso já era verdade na época em que os regressos se davam (quando davam, claro) no fim de uma vida de trabalho e de acumulação de poupanças, é ainda mais verdade quando se pretende o retorno de pessoas muito mais jovens e em plena vida ativa.

As razões para um eventual regresso são imensas e decorrem, em grande maioria, do estado global do país. Nessa ideia global, os impostos têm sempre um peso relevante, porque são determinantes no salário líquido e no rendimento disponível, o que é crítico quando se compara a vida no país para onde se emigrou com a de Portugal. Basta ver o que os impostos sobre o trabalho “comem” em qualquer salário minimamente acima da média nacional para vermos que isso pode ser muito relevante numa tomada de decisão.

Antes de tudo, convém perceber que as razões da emigração são muitas e uma boa parte não tem nada a ver com a troika. É óbvio que os anos de crise profunda, de absoluta falta de perspetivas e de normalização de salários baixos deram uma ajuda determinante. Mas é igualmente claro que nas gerações até aos 40 anos se concentram hoje pessoas mais qualificadas, com mais experiência de estudar fora e/ou viajar e mais amigos ou conhecidos no estrangeiro. Fatores que pura e simplesmente nunca existiram de forma relevante na nossa sociedade e que a tornam hoje muito mais móvel.

É obrigatório ter em conta esta mobilidade quando se lança uma ideia política e, sobretudo, quando se pensa que ela vai ter efeitos mensuráveis. Os impostos são a mais imediata das políticas públicas de atração de pessoas. Mas são armas ao dispor de muitos países e geografias que competem por talento e mão de obra.

Basta ver como Portugal se tornou, de repente, tão atraente para os residentes não habituais, um grupo que inclui milhares de reformados nórdicos ou franceses, pessoas famosas como Madonna ou brasileiros fugidos do clima de violência no Rio de Janeiro. Todos eles gostam de Portugal, mas sem uma política fiscal altamente favorável teriam escolhido outras geografias para assentar. Um francês reformado tem em Portugal o tratamento fiscal de uma offshore, num clima de total legalidade, dentro da UE e do Euro e sem qualquer animosidade. E a duas horas de voo de casa. Não é mau.

Num mundo plano, os que foram até podem voltar, mas voltarão a ir se outras geografias e políticas salariais ou fiscais forem mais atrativas. Isso é tão válido para o reformado nórdico, como para o enfermeiro português que saiu para Inglaterra

Pode um desconto de 50% no IRS durante poucos anos fazer alguém mudar de vida? É bem possível que sim, porque o mesmo salário bruto se torna de repente muito mais atrativo. Mas essa política isolada dificilmente terá efeitos de médio prazo se não se criar a ideia de que os impostos sobre o trabalho podem ter tendência a descer. O aumento brutal de impostos de Vítor Gaspar e o discurso demagógico que a esquerda (e não só) cavalga sobre os salários altos ou as pensões milionárias normalizaram impostos muito elevados sobre os rendimentos de trabalho. E isso tem um efeito muito mais perene numa sociedade que uma política de retorno, mesmo que bem intencionada e eventualmente aproveitada.

O governo faz bem em tentar estas políticas, apesar das críticas, das desigualdades que podem criar e dos duvidosos resultados. Mas devia fazer isso num quadro global de progressiva diminuição do IRS. Num mundo plano, os que foram até podem voltar, mas voltarão a ir se outras geografias e políticas salariais ou fiscais forem mais atrativas. Isso é tão válido para o reformado nórdico, como para o enfermeiro português que saiu para Inglaterra ou o engenheiro que foi para a Alemanha. Partirão de novo, como muitos continuam a partir, porque a vida é assim mesmo.