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“Pode enriquecer-se de forma honesta e não tenho quaisquer remorsos”

Belmiro de Azevedo ficou conhecido como o “Sr. 4% do PIB” Foto

Belmiro de Azevedo ficou conhecido como o “Sr. 4% do PIB” Foto

Belmiro de Azevedo morreu esta quarta-feira aos 79 anos, no Hospital da CUF. A saúde do empresário estava debilitada já há algum tempo e não resistiu a uma complicação pulmonar. O “Sr. 4% do PIB”, como chegou a ser apresentado em 2007, tinha preparado a sua sucessão com tempo. E, em discurso direto, sempre deixou claro o seu pensamento sem papas na língua. “Marques Mendes nem para porteiro da Sonae servia, porque demorava demasiado tempo a explicar como se entra nas instalações” foi uma das suas frases que fizeram história

Texto Margarida Cardoso

Belmiro de Azevedo, cuja saúde estava debilitada há já vários meses, tinha preparado a sucessão. O futuro da Sonae já estava a ser assegurado pelo filho Paulo, que em 2009, depois de assumir os destinos do grupo, disse ao Expresso: “Gostava que os próximos 50 anos da Sonae fossem ainda mais extraordinários que os últimos 50.”

Natural de Marco de Canaveses, onde nasceu a 17 de fevereiro de 1938, Belmiro começou de baixo e foi subindo a pulso, construindo um império diversificado que o fez chegar à lista de milionários da “Forbes”. “Pode enriquecer-se de forma honesta e não tenho quaisquer remorsos”, disse ao Expresso em 2008.

Na mesma entrevista, deixou claro ser um “homem de fé”. “Eu tenho fé. Acredito num Deus criador (...) creio na existência de algo sobrenatural. Já quanto à fé religiosa, sou mais cauteloso (...). Culturalmente sou católico”.

Chumbar e vencer

Na vida, o homem que transformou a Sonae, uma empresa quase na falência, no maior grupo privado nacional e deu um empurrão para mudar os hábitos de consumo dos portugueses combinando visão, engenho, trabalho, algumas jogadas na bolsa, formação e, também, desporto, gostava de dizer que era “um desafiador”. E gostava de deitar portas abaixo.

O seu currículo começa em Tuías, com um chumbo na primeira classe. Terá sido azar de principiante, porque logo a seguir muda de professor, acaba por passar diretamente para o terceiro ano e começa a revelar o seu talento especial para correr e ultrapassar metas, na vida como nos negócios.

No Porto, para onde foi aos 11 anos viver com o padrinho, é aluno do quadro de honra do liceu Alexandre Herculano. Aos 16 anos, começa a dar explicações para pagar os estudos e sobreviver “por conta própria”, ainda antes de chegar à Faculdade de Engenharia, onde estudou Química e se licenciou com 16 valores.

A vida profissional começa na Efanor, mas Belmiro muda rapidamente para a Sonae - Sociedade Nacional de Estratificados, onde entra com um ordenado de 7.500 escudos para ocupar as funções de diretor de investigação e de desenvolvimento, movido pela convicção de que “ninguém deve ficar no primeiro emprego”.

Mas este é apenas um dos conselhos prontos a usar que ficou como legado do “Sr. 4% do PIB”, como chegou a ser apresentado em 2007, quando anunciou a passagem de testemunho na Sonae ao filho Paulo, dando início a um processo de sucessão que foi preparado durante 10 anos. E a percentagem que traduz o peso das vendas da Sonae na riqueza produzida em Portugal ajuda a dar uma ideia da dimensão do grupo que Belmiro construiu ao longo dos anos, com negócios em diferentes áreas, da distribuição às comunicações, tecnologias, telecomunicações, centros comerciais, turismo, negócios, seguros. Um grupo que ganhou vocação internacional, fiel a uma estratégia dinâmica, com sucessivas reorganizações.

Virar os resultados em 3 anos

Lia o seu jornal (“Público”), fazia ginástica no seu health club (Solinca), ia às compras aos seus hipermercados (Continente), passeava nos seus centros comerciais. Mas não se livrou da fama de sovina. “Tenho fama de rico, comportamento de pobre. Estou bem assim”, disse numa entrevista à “Visão” (2010).

Quando chegou à Sonae encontrou uma empresa em dificuldade. Chegou aos lucros em três anos e acabou por controlar a empresa depois de várias peripécias e de um longo conflito judicial com a família do fundador, o banqueiro Afonso Pinto de Magalhães. Aliás, os confrontos em tribunal, mesmo contra o Estado, são constantes no seu currículo de empresário.

A partir de 1985, já com a Sonae cotada na Bolsa de Valores, torna-se o principal acionista do grupo e deixa o talento para fazer mais valias na Bolsa, nos anos de ouro do mercado de capitais como uma das imagens de marca do seu império.

Não se livrou, no entanto, da fama de tratar mal os acionistas minoritários, nem da polémica à volta do lançamento simultâneo das famosas sete OPV (Operação Pública de Venda) de empresas do grupo, um passo decisivo na criação do maior grupo privado português.

E não deixou de lado as raízes rurais nem o Marco natal, onde lançou o vinho Vale de Ambrães e trabalhou na agricultura, com a ambição de ter o maior entreposto de kiwis da Península Ibérica.

Obcecado pelo conhecimento

Obcecado pelo conhecimento, acreditava que os jovens têm de agarrar os seus lugares com irrequietude permanente. Fez da Sonae também uma escola de empreendedores. “A função natural de um líder é criar líderes que, pela lei da vida, devem ser potencialmente melhores”, defendeu. Tal como defendeu os valores da exigência, rigor, independência, meritocracia.

Qual é o empresário português que recusa uma carreira política porque gosta de “decidir depressa e poderia ter problemas de excesso de velocidade” ou veta Marques Mendes até para porteiro da Sonae? Belmiro de Azevedo, ou Belmiro Mete Medo, o boneco que ele inspirou na série televisiva Contra-Informação.

Belmiro de Azevedo somou algumas derrotas ao longo dos anos. Perdeu a OPA sobre a PT. Não avançou com a internacionalização da distribuição no Brasil. Não ficou com a Portucel. Tentou sem êxito ter uma posição relevante numa instituição financeira.

Orgulho na sucessão

Assumiu os fracassos, tal como os sucessos, no seu discurso de despedida, a 11 de março de 2015, perante 300 convidados, quando comemorou 50 anos num grupo que apresentava mais de 40 mil trabalhadores diretos e vendas de 5 mil milhões de euros, sob o controlo da sua holding pessoal, Efanor. Mostrou-se orgulhoso de ter protagonizado a sucessão “mais bem preparada que houve em Portugal”.

Casado com a farmacêutica Margarida, pai de Nuno, Paulo e Cláudia, assumiu desde cedo a vontade de “deixar de estar antes de deixar de ser”.

Em 2015, Paulo, o filho do meio, engenheiro químico como o pai, assume a presidência do conselho de administração do grupo, num processo que Belmiro sempre fez questão de dizer que não tinha sido ditado simplesmente pelos laços de sangue e acabou por traduzir-se numa solução bicéfala, em que Paulo Azevedo divide com Ângelo Paupério a presidência executiva.

Desde então, “o engenheiro” que já tinha desafiado a morte em 1993 (na versão oficial apresentada por Magalhães Pinto, na biografia “Belmiro - História de Uma Vida”, foi operado em Paris a uma “úlcera calosa” e acabou por ser vítima de uma septicemia), remeteu-se a uma vida discreta e teve na apresentação das contas da Sonae em 2016 uma das suas últimas aparições públicas, já visivelmente debilitado.

Fiel ao lema “mente sã em corpo são”, jogou futebol, andebol, ténis e squash e teve, no desporto, uma escola para aprender as vantagens do trabalho do grupo. Esteve ligado a projetos como a Porto Business School. Dizia que o seu maior prazer era partilhar conhecimento e poder. Fez da Sonae, também, uma escola de empreendedores.

O velório realiza-se esta quarta-feira, a partir das 20h, na Paróquia de Cristo Rei, no Porto. A missa de corpo presente decorre esta quinta-feira, no mesmo local, às 16h, seguida de uma cerimónia fúnebre reservada à família.

Em comunicado, a Sonae destaca “o seu caráter empreendedor único” para gerar e expandir negócios, “gerir com rigor e criatividade, internacionalizar, investir na abertura do mercado de capitais, ser precursor de relevo da sustentabilidade nas empresas, apostar na formação e criar um estilo único de liderança que fez da Sonae uma reconhecida escola de gestores em Portugal”