INVESTIGAÇÃO
Vistos gold. Empresa investigada já tinha sido referenciada na Operação Marquês

SUSPEITAS Caso dos vistos gold levou a buscas no SEF, na secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, de Paulo Núncio, e no Ministério dos Negócios Estrangeiros FOTO LUÍS BARRA
Chama-se Intelligent Life Solutions e trouxe doentes líbios para Lisboa e Porto. Há fortes suspeitas de estar envolvida no negócio dos vistos dourados.
TEXTO HUGO FRANCO e RUI GUSTAVO
As buscas que decorreram em ministérios e secretarias de Estado, bem como em delegações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, parecem ser o segundo capítulo da Operação Labirinto, que investiga o processo de atribuição de vistos gold desde o ano passado. Têm ainda ramificações aos meandros do universo fiscal e fazem uma tangente à Operação Marquês, que levou à detenção de José Sócrates, em novembro.
No epicentro dos episódios desta manhã estará uma empresa da área da saúde, a Intelligent Life Solutions (ILS), detida maioritariamente por Joaquim Paulo Lalanda e Castro, empresário que há dois meses foi constituído arguido na Operação Marquês. Foi numa outra empresa por si administrada, a Octapharma, que o ex-primeiro ministro socialista trabalhou como consultor, depois de sair do Governo.
A ILS terá feito pressão junto de “pessoas influentes” para apressar os vistos dos doentes que vinham da Líbia para serem tratados em Lisboa e no Porto
O Expresso apurou junto de fontes ligadas à investigação que a ILS terá feito pressão junto de “pessoas influentes” para apressar os vistos dos doentes que vinham da Líbia para serem tratados em Lisboa e no Porto. Em 2013, a empresa portuguesa estabeleceu um contrato com o Estado líbio para o acolhimento e tratamento em Portugal de doentes oriundos daquele país, na sua maioria feridos de guerra civil. Pelo menos 163 doentes foram tratados em hospitais portugueses, de um total de 342 previstos. Entre os hospitais que receberam estes pacientes estão o da Prelada, no Porto, e o da Cruz Vermelha, em Lisboa. “De facto, recebemos entre 40 a 50 doentes líbios mas já cá não está ninguém. Deixou de haver condições para as autoridades os enviarem de lá”, confirma Luís Névoa, diretor-geral da Cruz Vermelha Portuguesa. Este responsável assegura que ninguém da Cruz Vermelha foi ouvido sobre este processo.
Terá sido descoberta documentação que comprova a existência “de IVA não tributado a um hospital do norte do país”
Do Hospital da Prelada, ligado à Misericórdia do Porto, não foi possível obter qualquer declaração.
Um dos centros hospitalares envolvidos neste intercâmbio de pacientes líbios também estará na mira dos investigadores. De acordo com uma outra fonte policial, terá sido descoberta documentação que comprova a existência “de IVA não tributado a um hospital do norte do país”. As buscas à secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, de Paulo Núncio, poderão estar relacionadas com este caso em particular. Até ao fecho da edição do Expresso Diário, Paulo Núncio não prestou declarações.
O silêncio e as reticências
Ricardo Sá Fernandes, advogado de Lalanda e Castro, confirma que a ILS é detida maioritariamente pelo empresário, mas adverte que “não é ele quem a gere diretamente nem acompanha as operações diárias da empresa”. O advogado garante que o cliente não foi interrogado pelas autoridades sobre os vistos gold, “nem tem intervenção direta neste assunto”.
O universo de empresas de Lalanda e Castro, onde se encontra a Octapharma e a ILS, já tinha sido referenciado na Operação Marquês.
O universo de empresas de Lalanda e Castro, onde se encontra a Octapharma e a ILS, já tinha sido referenciado na Operação Marquês
A ILS, sediada no Porto, tem como sócio-gerente Nélson Pereira e como gerente Lalanda de Castro. Foi fundada em 2008, um capital social de cem mil euros e uma faturação superior a 3 milhões de euros. Depois de várias tentativas para falar com alguém ligado à ILS, uma funcionária acabou por referir que desconhecia “os nomes dos donos” e não estava “a conseguir passar as chamadas telefónicas”.
Em novembro do ano passado, depois da detenção de ex-diretor nacional do SEF, Manuel Jarmela Palos, o principal arguido no caso vistos gold, o jornal digital Observador e a SIC garantiam que aquele responsável foi investigado por alegadamente ter facilitado a atribuição de vistos a cidadãos líbios: os doentes referidos que vieram para Portugal ao abrigo de um acordo com o Conselho Nacional de Transição da Líbia para o Tratamento de Feridos de Guerra.
Na Operação Labirinto foram detidas onze pessoas em novembro, incluindo o antigo presidente do Instituto de Registos e Notariados, António Figueiredo, que se encontra em prisão preventiva
Nesta investigação relacionada com a aquisição de vistos gold, batizada de Operação Labirinto, foram detidas onze pessoas em novembro, incluindo o antigo presidente do Instituto de Registos e Notariados, António Figueiredo, que se encontra em prisão preventiva. A ex-secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, Manuel Jarmela Palos e o empresário chinês Zhu Xiaodong são outros dos arguidos principais do processo.
Em causa estão indícios de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, peculato de uso, abuso de poder e tráfico de influência, relacionados com a atribuição de autorizações de residência para a atividade de investimento, vulgarmente conhecidos por vistos gold.