COMISSÃO DE INQUÉRITO

Relatório final do BES. Só conclusões e recomendações escaparam à unanimidade

DESTAQUE Pedro Saraiva, o deputado do PSD relator das conclusões, e Mariana Mortágua, do BE FOTO JOÃO RELVAS/LUSA

DESTAQUE Pedro Saraiva, o deputado do PSD relator das conclusões, e Mariana Mortágua, do BE FOTO JOÃO RELVAS/LUSA

A primeira parte do documento - o relato do que foi apurado durante os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito - teve o apoio de todos os partidos. Só nas partes seguintes BE e PCP se demarcaram de forma mais vincada.

TEXTO FILIPE SANTOS COSTA

O relatório final da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso BES/GES foi aprovado esta quarta-feria com um apoio amplo, raro em investigações parlamentares: PSD, PS e CDS votaram a favor, o BE absteve-se e só o PCP votou contra.

A primeira parte do documento - o relato do que foi apurado durante os trabalhos da comissão - teve, de resto, o apoio unânime de todos os grupos parlamentares. Só as duas partes seguintes - conclusões e recomendações - quebraram essa unanimidade, com BE e PCP a demarcarem-se de forma mais vincada.

Pedro Nuno Santos, do PS, considerou que o documento "é sério, está bem feito e é fiel à verdade". Embora tenha admitido que "quase de certeza um deputado do PS faria um relatório diferente", frisou que as diferenças "não são suficientes para nós não votarmos a favor". Carlos Abreu Amorim, do PSD, afirmou que "nunca mais as comissões de inquérito serão aquilo que foram até hoje".

Todos os partidos marcaram as suas divergências em relação a diversos pontos do relatório, mas só o PCP as considerou relevantes ao ponto de motivar um voto contra. Está já marcada para 22 de maio uma sessão plenária para os vários partidos apresentarem as propostas de alteração legislativa decorrentes das conclusões dos trabalhos desta comissão de inquérito.

FOTO JOÃO RELVAS/LUSA

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Conclusões menos pacíficas

Nas conclusões e recomendações feitas pelo relator houve divergências. Por exemplo, no ponto em que o documento considera "provável" que Ricardo Salgado tenha estado na origem do processo de manipulação de contas da Espírito Santo Internacional (ESI), em 2008, com ocultação do passivo e empolamento dos ativos da holding - um processo continuado até 2012, e que acabou por ser uma bola de neve que empurrou o banco e o grupo para o precipício.

O que aconteceu no BES e no Grupo Espírito Santo foi, antes de mais, por culpa das administrações do banco e das inúmeras empresas do grupo, em particular de Ricardo Salgado

"Nós tiraríamos a palavra provável", disse o coordenador do PSD na CPI, Carlos Abreu Amorim, considerando que ficou provado o papel central do banqueiro nessa manipulação, que se revelou decisiva para a implosão do império Espírito Santo.

No essencial, o relatório final mantém o que estava escrito no documento preliminar: o que aconteceu no BES e no Grupo Espírito Santo foi, antes de mais, por culpa das administrações do banco e das inúmeras empresas do grupo, em particular de Ricardo Salgado. Por falhas e amadorismo do modelo de governo, e por conveniência de todas as partes: Salgado "praticava um estilo de gestão centralizador e personalizado", e os restantes conformavam-se a não saber.

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Um "casamento conveniente" entre Salgado e a família

Em resumo, confirmou-se a existência de uma "cultura organizacional nalguns casos decorre de um verdadeiro casamento conveniente, especialmente no que diz respeito a alguns membros da família Espírito Santo, por conjugar a sua passividade com um estilo de liderança autocrática exercido por Ricardo Salgado, concentrando em si mesmo informação e decisões que nem sempre eram partilhadas, ou só o eram de forma parcial junto de outros administradores ou responsáveis do GES".

Factos demonstrados em quase todos os aspetos mais relevantes para o descalabro do banco e do grupo, fosse o descontrolo nas contas do BES Angola, o desrespeito por recomendações dos supervisores, as decisões na reta final antes da intervenção (como as cartas de conforto à Venezuela ou a operação de recompra de obrigações) ou, facto essencial, a manipulação das contas da ESI.

Sobre o que se passou na Espírito Santo Internacional, fica a redação definitiva do relatório: "Atendendo ainda ao estilo de gestão vigente no GES, à centralização de conhecimentos e responsabilidades em torno da figura de Ricardo Salgado, nomeadamente ao nível de uma gestão centralizada de tesouraria, ainda que não assumida pelo próprio, praticada conjuntamente com José Castella, considera-se provável que Ricardo Salgado tenha estado envolvido na tomada de decisão de manipulação intencional das contas da ESI desde 2008, da qual teria portanto também pleno conhecimento, ainda que o seu depoimento aponte em sentido contrário, o mesmo sucedendo relativamente a José Castella; Do mesmo modo, considera-se ser altamente improvável que a manipulação intencional das contas da ESI fosse assumida por livre iniciativa ou do conhecimento exclusivo de Francisco Machado da Cruz."

Relatório critica promiscuidade entre auditores, bancos e supervisor

Um dos parágrafos novos introduzidos no relatório final da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso BES/GES aponta o dedo à promiscuidade entre os auditores externos, os bancos auditados e o regulador da banca. Um facto que se revela tanto no trabalho que estas empresas fazem - ora, para uns, ora para outro - como na circulação de pessoal entre organizações.

"Na concretização de diferentes tipos de atividades, as mesmas entidades auditoras externas realizam trabalhos tanto para instituições bancárias como para partes relacionadas ou ainda para o Banco de Portugal, assistindo-se com frequência a uma migração de quadros, a diferentes níveis, entre as diferentes entidades assinaladas, o que pode ser potencialmente gerador de conflitos de interesses", lê-se num parágrafo novo introduzido na síntese final relativa ao papel do Banco de Portugal neste caso.

Um dos parágrafos novos introduzidos aponta o dedo à promiscuidade entre os auditores externos, os bancos auditados e o regulador da banca

De resto, o texto final acentua as críticas aos auditores externos que já eram feitas na versão preliminar, dizendo mesmo que "independentemente do que se possa julgar sobre a qualidade do trabalho desenvolvido pelas diversas entidades auditoras externas, estas acabaram por sistematicamente validar as contas, os mecanismos de controlo interno e de avaliação do risco adotados pelo BES, bem como por empresas do GES, legitimando-os portanto no que diz respeito à sua intervenção de auditoria externa".

Mais: "Apesar das dificuldades relatadas pelas auditoras ao GES/BES, nomeadamente ao nível da não consolidação de contas, não foi encontrada evidência de que as mesmas dificuldades tenham sido devidamente reportadas, na sua plenitude, pelas entidades auditoras às autoridades competentes, nomeadamente de supervisão", lê-se noutro parágrafo introduzido no texto final.

É particularmente visada a KPMG, que para além de auditar contas em Portugal, tinha a sua cargo o BES Angola.

As diversas "incapacidades" relatadas, diz o relatório final, "além de decorrerem eventualmente de outros fatores associados à complexidade do GES ou à existência de assimetrias de informação, pode ter sido potenciada por possíveis conflitos de interesses entre auditado e auditor, relação comercial que pode colocar em causa a necessária independência ou imparcialidade das auditorias externas, no modelo em que é atualmente enquadrada a sua atividade."

Nas recomendações finais do documento, uma parte é sobre os auditores: "Reformulação dos sistemas de auditoria externa, incluindo: i) existência de um sistema reforçado de pré-qualificação das entidades acreditadas para o exercício desta atividade; ii) definição de um sistema de acompanhamento e supervisão das atividades dos auditores externos, incluindo a realização de auditorias periódicas ao seu funcionamento por parte das entidades supervisoras, enquanto requisito de manutenção da correspondente acreditação; iii) intervenção do Banco de Portugal na seleção e escolha das entidades auditoras de uma determinada entidade bancária; iv) existência de uma rotatividade obrigatória, entre entidades auditoras, implicando uma mudança ao final de um determinado período temporal de relação de trabalho com o mesmo banco, sem possibilidade de qualquer prorrogação do mesmo". Esta ressalva final, impedindo prorrogações, é uma adenda em relação à redação original do relatório.

FOTO JOÃO RELVAS/LUSA

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Parlamento propõe "restrições" à venda de produtos financeiros de "elevado risco"

"Criação de restrições quanto à venda de produtos financeiros com elevado risco nos balcões dos bancos destinados a clientes de retalho" é uma das novas recomendações do incluídas no relatório da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso BES/GES. Esta era uma das reivindicações dos partidos de esquerda, com o PS a defender essas limitações, e o PCP e o BE a defenderem a sua proibição. O texto final ficou num meio termo.

Por outro lado, o relatório final não muda os termos em que aborda a questão dos conglomerados mistos. PCP e BE queriam também a sua proibição, mas o texto manteve-se: "Contribuição para a criação de um eventual consenso, a nível da União Europeia, quanto à eliminação da possibilidade de existência ou imposição de fortes restrições ao funcionamento de conglomerados mistos, pelo potencial conflito de interesses, tensão e pressões internas que tal representa e pode gerar."

Nalgumas recomendações, o relator optou agora por uma formulação mais clara ou mais musculada. Por exemplo, nesta, que não constava do documento preliminar: "Reforço das penalizações, nomeadamente a nível criminal, para quem viole determinações legais, com especial incidência para os administradores, comissões de auditoria e fiscalização e auditores externos de instituições bancárias".

Outra proposta nova refere-se aos beneficiários últimos de participações em bancos: "Garantir que é efetuada uma identificação e divulgação de todos os beneficiários últimos de entidades detentoras de participações em entidades bancárias".