MANIFESTAÇÃO ANTIUBER
Guia para não se perder no trânsito esta sexta-feira (e para saber porque milhares de taxistas vão abrandar)
PROTESTO São esperados 4000 taxistas em Lisboa, 2000 no Porto e 1500 em Faro em marcha lenta. Causa: protesto antiUber FOTO NUNO BOTELHO
Milhares de taxistas vão percorrer - e provavelmente entupir - várias ruas do Porto, de Lisboa e Faro numa marcha lenta contra a Uber, esta sexta-feira. Se não tiverem resposta do governo, avisam que vão fazer uma paralisação nacional. Explicamos o protesto e mostramos os caminhos a evitar para não ser apanhado pelo trânsito
TEXTO BERNARDO MENDONÇA e ISABEL PAULO INFOGRAFIA JAIME FIGUEIREDO
Quando se meter à estrada a caminho do trabalho, esta sexta-feira, é provável que encontre a sua cidade com um trânsito de tal forma caótico que não consiga chegar a horas ao serviço. Isto se viver em Lisboa, no Porto ou em Faro. A razão para isso é o megaprotesto que os taxistas farão contra a Uber - que só em Lisboa deverá levar às ruas mais de 4.000 viaturas e pelo menos 8.000 pessoas. Aconselhamos o uso do Metro, que opte pelos percursos fora do grande centro ou que saia de casa antes das 08h. “São mesmo de evitar as artérias por onde eles vão passar”, alerta fonte do comando metropolitano de Lisboa da PSP
Os taxistas afirmam que esta será uma manifestação enorme e histórica em Lisboa, a iniciar-se às 8h numa marcha lenta entre o Campus da Justiça (no Parque das Nações) e a Assembleia da República, atravessando boa parte da cidade. “Queremos que o governo tenha a coragem de pôr um travão a esta actividade ilegal desenvolvida pela Uber, uma multinacional que se instalou no nosso território em 2014 e que desde aí não respeita as leis da República e o Governo parece que se ajoelha perante eles. Esperamos um sinal por parte do governo de que está disponível a intimar a Uber a suspender a sua atividade. E aí estaremos disponíveis para nos sentarmos e discutirmos o problema”, adianta o presidente da Federação Portuguesa de Táxis (FPT), Carlos Ramos. Ao Expresso, adianta que está a contar com declarações dos presidentes da Câmara de Lisboa, Porto e Faro, assim como o parecer das bancadas parlamentares.
Entretanto Rui Moreira já disse que receberá esta sexta-feira, na Câmara do Porto, uma delegação de taxistas em protesto. Carlos Ramos está optimista, mas deixa o aviso: “Se não houver uma resposta agradável por parte governo, naturalmente poderemos avançar para uma paragem a nível nacional”.
No Porto, a manifestação prevê um entupimento da cidade. Depois da manifestação de 8 de setembro, que obstruiu toda a via ascendente da Avenida da Boavista numa fila de mais de 4 quilómetros, os motoristas de táxi do Porto prometem esta sexta-feira um protesto enorme contra “a manifesta concorrência ilegal e desleal” dos serviços da Uber. De acordo com José Monteiro, vice-presidente da Antral, o ponto de encontro está marcado para a zona envolvente do Castelo do Queijo, na fronteira entre Porto e Matosinhos, iniciando-se a marcha lenta pelas 9h rumo à marginal da Foz, com chegada prevista pelas 10h30 à Praça da Liberdade, junto à Câmara do Porto, onde um grupo será recebido por Rui Moreira. “Sabemos que o presidente está solidário com a defesa do sector, até porque é a Câmara que licencia o contingente de táxis, embora seja o Governo quem tem de dar sinais de mudança e se faça respeitar, obrigando a Uber a cumprir as duas decisões condenatórias contra a empresa”, afirma o dirigente da Antral, que não descarta o recurso à paralisação “se a Uber continuar a encostar o poder judicial e político à parede”.
Para José Monteiro, o que está em causa na contestação dos profissionais de táxi à multinacional americana não é o fim da Uber, mas o funcionamento sem regras de serviços efetuados por “veículos não licenciados e motoristas não credenciados”. Segundo dados da Antral, são 720 o número de táxis a operar na cidade, enquanto os carros ao serviço “informal da Uber já ronda o milhar”.
FOTO JOSÉ CARIA
A situação é delicada e não se preveem mudanças até ao final do ano. É o que afirma o ministro do ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que tutela os táxis, ao declarar no fórum da TSF que “é difícil dizer que a Uber vai parar” porque “funciona de forma desmaterializada”. Para o ministro, “o pacote de medidas para o sector do táxi” tem de ser negociado e, por isso, o governante apela a que os taxistas “se voltem a sentar à mesa das negociações”. Matos Fernandes explica que já avançou com um grupo de trabalho mais abrangente com a presença de autarcas e operadores de transportes e que este grupo “vai apresentar conclusões até ao final do ano”. O governante assumiu ainda que estas “novas formas de mobilidade” têm de ser encaradas com “frontalidade” porque hoje “não estão regulamentadas”. E apela a que o protesto dos taxistas contra a Uber decorra “serenamente, sem incidentes”.
Sobre esta posição do ministro, o presidente da PPT, Carlos Ramos, recorda: “O ministro do Ambiente disse na Assembleia da República que a Uber estava a desenvolver uma atividade ilegal em Portugal. E o próprio tribunal deu o mesmo parecer. Ora, quando o ministro assume essa posição, tem de haver consequências imediatas para a Uber. A Uber não é parceiro para se sentar à mesa, porque não tem enquadramento legal em Portugal. Alguém tem de fazer cumprir a lei. Não basta dizerem que é ilegal!”.
Carlos Ramos conta que foram distribuídos, ao longo da semana, milhares de panfletos à população para sensibilizá-la sobre o que está em jogo nesta luta entre taxistas e Uber. E acredita que a população está do seu lado. “Julgamos que a população compreende agora melhor a nossa causa. Não estamos a lutar apenas pelos nossos interesses, estamos também a lutar pelos interesses da população. Ninguém garante que a Uber — que está à margem de qualquer regulador — não passe a cobrar os preços que entender porque funciona à base da procura dinâmica. E dou um exemplos reais e muito concretos que ocorreram na última passagem de ano envolvendo viaturas da Uber: um serviço dentro da região de Lisboa que deveria ter custado apenas €5 foi cobrado por €20. E quem queria deslocar-se de Lisboa para Cascais pagou €90 em vez de €35. Isto é inacreditável! Quem é que regula isto? Quem defende a população?”
FOTO JOSÉ CARIA
Questionado sobre o litígio que opõe a plataforma digital Uber ao sector do táxi, o diretor-geral da Uber em Portugal, Rui Bento, declarou à Lusa que “não é a primeira vez que existe este tipo de reação” e defende que, “mais do que uma ameaça, a tecnologia pode e deve ser uma oportunidade para o sector se modernizar e melhorar como um todo”. Relativamente às acusações de que a Uber e os seus parceiros estão ilegais e não pagam impostos, o responsável assegura que os operadores com que estabelece parcerias em Portugal “são todos licenciados”. E diz mais: “Todos os parceiros que se ligam à plataforma da Uber têm de ser devidamente escrutinados antes de poderem prestar serviços”, explica, acrescentando que “têm de ter licenças em dia e têm de ter todos os seguros aplicáveis por lei”. Quanto aos motoristas, a sua documentação também é escrutinada e têm de ter o registo criminal atualizado e limpo. “Os carros têm de estar em perfeitas condições mecânicas e estéticas, têm de corresponder a um conjunto de padrões que nós estabelecemos e têm de ter, todos eles, seguros comerciais que garantem que todos os utilizadores estão sempre protegidos em todas as viagens que fazem com a plataforma da Uber em Portugal”, afirma. Rui Bento refere ainda que quando é feita uma viagem através da Uber, o cliente recebe “automaticamente e sem ter opção” uma fatura eletrónica em que é declarado o valor do IVA e na qual consegue colocar os seus dados fiscais. “A partir do momento em que isso acontece, (...) todas as viagens são faturadas e o cumprimento de todas as obrigações fiscais torna-se mais simples e muito mais transparente”, explica.
Sobre este protesto enorme dos taxistas portugueses, o diretor-geral da Uber em Portugal, vai mais longe ao admitir que a empresa pode começar a distribuir serviços para táxis em Lisboa e no Porto, à semelhança do que já acontece noutras cidades estrangeiras. “Já acontece em múltiplos países a Uber incluir os táxis na sua plataforma, como no Reino Unido e em algumas cidades dos Estados Unidos. A partir do momento em que existe uma base de entendimento e um conjunto de pressupostos que nos permitem garantir que os serviços prestados são bons para os utilizadores, não há razão nenhuma para não o fazermos. Portanto, estamos totalmente abertos para falar sobre o assunto.”
FOTO NUNO BOTELHO
A Uber, que em Portugal opera em Lisboa e no Porto, tem atualmente mais de mil motoristas ativos de parceiros e presta três serviços distintos: UberBlack (com carros topo de gama), UberX (com veículos de gama mais baixa) e UberGreen (veículos elétricos), que está numa fase experimental.
“Lisboa e Porto são as únicas cidades no mundo que têm UberGreen. É uma alternativa de mobilidade 100% elétrica ao mesmo preço do UberX (mais barato)”, afirma o diretor-geral da empresa.
Do outro lado da barricada, os taxistas (nesta ação promovida pela FPT e pela Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários Ligeiros – ANTRAL) já revelaram à PSP o trajeto que irão fazer, tendo sido feito um apelo aos profissionais para que se façam acompanhar das respetivas famílias para que a dado momento da manifestação saiam dos carros e façam o desfile a pé pelas ruas até São Bento, onde preveem chegar pelas 13h. “Pedimos à população alguma compreensão porque haverá certamente grandes transtornos em Lisboa e no Porto. Arrisco a dizer que será a maior manifestação de táxis alguma vez feita em Portugal.”
Sobre o estigma de que as viaturas dos táxis são velhas e degradadas e que há condutores menos educados ou menos sérios, o presidente da Federação Portuguesa de Táxis, Carlos Ramos, responde: “Temos a noção de que há muita coisa a fazer para a modernização da frota e melhoria da prestação de serviços. Mas dou o exemplo de ex-taxistas que eram maus condutores e que agora colaboram com a Uber. Passaram a ser bons de repente? Estou consciente desse estigma em relação aos táxis. Mas não pode servir para justificar uma empresa que não cumpre os requisitos. Deem-nos os benefícios que a Uber tem que nós seguramente melhoramos a frota e os serviços aos clientes”.