FUTEBOL

“Às vezes até ria de mim próprio: ‘Como é que é possível teres feito aquilo, José Calado?’”

CANTONA? Não. Calado, símbolo benfiquista entre 1995/96 e 2000/01 FOTO REUTERS

CANTONA? Não. Calado, símbolo benfiquista entre 1995/96 e 2000/01 FOTO REUTERS

Calado és um poeta? Não. Calado és um comentador. O ex-capitão do Benfica comenta os jogos do clube na BTV e pedimos-lhe que nos falasse do clássico de sábado, entre FC Porto e Sporting, e ainda do Benfica-V. Guimarães desta sexta-feira

TEXTO MARIANA CABRAL

Vais comentar o Benfica-Vitória de Guimarães?

Claro, lá estarei.

Quando é que percebeste que até tinhas jeito para ser comentador?

A dada altura, depois de ter acabado a carreira, comecei a ser convidado para ir à televisão falar de futebol. O Carlos Albuquerque, da RTP, foi o primeiro a convidar-me e depois também fui à TVI e à SIC, a vários programas. O convite para ser comentador apareceu mais tarde, pelo Hélder Conduto, alguém que sempre respeitei muito como pessoa e pelo trajeto no futebol, que já seguia há vários anos. Ele achou que eu tinha potencial e comecei a comentar jogos quando a BTV passou a canal premium.

E gostas, claro.

Muito. Fui desenvolvendo mais à-vontade com as câmaras com o tempo, porque é muito diferente estares no campo e seres o foco do jogo ou estares à frente da câmara a falar do jogo. Ao início era para ser uma experiência, mas já lá vão três anos e estou a gostar muito. Estou constantemente a tentar superar-me, nos comentários e na interpretação em direto do jogo, no tentar explicar às pessoas que estão no sofá o que se está a passar no campo.

É mais difícil do que estar no campo?

É mais difícil porque é muito diferente, especialmente para quem antes já esteve lá dentro. Deixar de fazer parte da ação é difícil e o ex-jogador fica sempre com falta disso, mesmo que esteja perto do jogo. Faz-nos começar a pensar no futebol de modo diferente. Mas posso dizer que comentar é uma paixão nova para mim. Já posso considerar a minha profissão [risos].

Como é que preparas os comentários?

É investigação pura. Tens de ver jogos anteriores das equipas, uns cinco ou seis durante a semana, saber o trajeto dos jogadores, conhecer a atualidade dos clubes, do campeonato... É preciso tentar saber tudo isso. É toda uma nova vida para mim e estou a adorar. Quando acabei a carreira pensei em ser treinador ou empresário, mas nunca imaginei ser comentador.

Já prestavas atenção aos comentadores antes?

Por acaso sempre fui muito atento aos comentários, geralmente na SportTV, porque é o canal onde passam mais jogos. Acompanhava especialmente de perto o Pedro Henriques, porque fomos colegas no Belenenses, e depois sempre que o via dizia “olha, concordei com isto, não concordei com aquilo” e brincava com ele. Mas não tinha nenhuma grande referência na área, porque acho que cada um tem a sua forma de interpretar o jogo e tem de dar a sua opinião e não a dos outros. E assumir a polémica se tiver de ser. Às vezes és alvo de críticas mas é normal.

Quando jogavas vias os teus jogos e ouvias os comentários?

Claro. Sabes porquê? Porque sempre fui a voz mais crítica de mim mesmo. Gostava de ver os jogos e ouvir o que se dizia para saber o que poderia corrigir no futuro. Ainda por cima jogava no Benfica, um clube onde os olhos estão sempre colados nos jogadores e há muita pressão, passas de bestial a besta com um falhanço de um golo. Gostava sempre de analisar os erros e às vezes até ria de mim próprio: “Como é que é possível teres feito aquilo, José Calado?” [risos]

O OUTRO BENFICA Calado só conquistou um troféu pelo Benfica: a Taça de Portugal, em 1995/96. Aqueles eram os tempos dos (muitos) golos de Mário Jardel e dos (muitos) campeonatos do FC Porto FOTO REUTERS

O OUTRO BENFICA Calado só conquistou um troféu pelo Benfica: a Taça de Portugal, em 1995/96. Aqueles eram os tempos dos (muitos) golos de Mário Jardel e dos (muitos) campeonatos do FC Porto FOTO REUTERS

Esta semana falei com o Chainho, que foi teu colega no Estrela da Amadora, e ele contou-me uma história sobre flores no balneário...

[risos] O Chainho é cinco estrelas, uma pessoa espetacular. E o Fernando Santos, que era nosso treinador nessa altura, também. O jogador tem sempre a mania que tem de ser titular, mas o Fernando Santos ensinou-nos a perceber melhor as coisas. Um dia juntou-nos no balneário e pediu a cada um para escrever num papel a equipa titular para o próximo jogo. Escrevemos e pusemos dentro de um saco. Depois o Fernando começou a tirar os papéis e a ler as equipas, e claro que eram todas diferentes. “Estão a ver como vocês são uns treinadores horríveis?”, dizia ele. “Nem me sabem facilitar o trabalho” [risos]. Mostrou-nos que ser treinador, gerir uma equipa, era mesmo difícil.

A gestão do Rui Vitória melhorou bastante durante a época?

O Rui, quando chegou, teve uma fase de adaptação, porque era uma equipa que jogava de forma diferente, com o trabalho de vários anos de um treinador que saiu e ainda por cima com uma pré-época complicada, sempre de um lado para o outro. Uma coisa é ver os jogadores a jogar na televisão e outra bem diferente é trabalhar com eles diariamente. O início foi complicado mas o treinador soube dar a volta, mantendo sempre a coerência e o discurso. Aprecio-o muito por isso.

O Benfica será campeão?

Ainda falta muito campeonato e tudo pode acontecer, mas independentemente de se ganhar o título ou não, acho que Rui Vitória foi uma aposta ganha de Luís Filipe Vieira, pelo trajeto no campeonato e na Liga dos Campeões, e pela aposta na formação. A mística do clube sentiu-se ainda mais com estes jovens e o apoio dos adeptos foi fantástico. Houve algumas polémicas pouco prestigiantes para o futebol português durante a época, mas creio que isso até fez com que os adeptos do Benfica se unissem mais à volta da equipa. O Benfica bateu-se quase de igual para igual com o Bayern de Munique, dividiu a eliminatória e isso foi espetacular. Isso é a força do Benfica.

Há muitas diferenças em relação ao Benfica do teu tempo?

Claro. A estabilidade é um diferença tremenda. O Luís Filipe Vieira entrou num clube debilitado e voltou a fazer com que fosse respeitado cá dentro e lá fora. Na minha altura não havia estabilidade e tínhamos de andar preocupados com tudo, até porque tudo o que acontecia a nível interno ia parar aos jornais. Depois, de meses a meses eram 15 jogadores novos e não se criava uma identidade, era tudo muito complicado. Hoje em dia está a ser criada uma hegemonia.

Acreditas que o Sporting vai ao Dragão ganhar?

Tal como o Benfica, o Sporting tem uma excelente equipa e acho que vai ser um sprint mesmo até ao final. O Sporting vai jogar ao Dragão, mas o jogo, seja contra o Porto ou contra outra equipa qualquer, é sempre encarado do mesmo modo. Mas também acredito que o Porto faz puxar pelo orgulho dos seus jogadores. A nível psicológico são jogos sempre muito diferentes. Estejam os clubes em 1º ou em 18º, os clássicos são sempre de grande pressão e de muita importância, para os jogadores e para os adeptos. Ganhar dá sempre um alento diferente e até faz com que os adeptos se esqueçam de outras situações menos felizes.

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