EUROPA

“O Eurogrupo funciona muito mal. É preciso mudar.”

FOTO GABRIEL BOUYS/GETTY

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O secretário de Estado dos Assuntos Europeus italiano, Sandro Gozi, diz numa entrevista ao Expresso que “a eurozona tem um problema de democracia, de eficácia e de capacidade económica”. A Itália está no mesmo comprimento de onda que a França e quer reformas na zona euro. Portugal também

TEXTO LUÍSA MEIRELES

Na semana passada, na esteira das lições aprendidas com a crise grega, o Presidente francês lançou a “bomba” pedindo um Governo restrito, um Parlamento e um orçamento para a zona euro. Agora, é a Itália que vem pedir o mesmo, aliando-se à França pelo objetivo de uma reforma da “eurolândia”.

Numa entrevista este fim-de-semana ao diário britânico “Financial Times”, o ministro das Finanças italiano, Pier Carlo Padoan, apelou a uma “maior união política”, como forma de garantir a sobrevivência da moeda única. Ao Expresso, o secretário de Estado de Assuntos Europeus do seu país foi também perentório: “a eurozona tem um problema de democracia, de eficácia e de capacidade económica”.

“Fracassámos na convergência dentro da zona euro, mas agora, se queremos relançá-la, é preciso trabalhar em vias paralelas, quer dizer, ter mais convergência e mais integração política”, afirmou Sandro Gozi, que falou ao Expresso por telefone.

Há três dias, reuniu-se em Bruxelas o primeiro conselho de ministros dos Assuntos Europeus depois da cimeira sobre a Grécia para a primeira discussão política sobre a zona euro. O secretário de Estado português, Bruno Maçães, também esteve presente.

A reunião terá sido um ponto de viragem. Pela primeira vez, reconheceu-se que há de facto uma crise política na zona euro, uma crise de fragmentação política a quer há que dar resposta, de modo a fazer do euro um projeto de prosperidade com apoio político. É neste contexto que se inserem tanto as propostas francesas como as italianas.

Não se pode esperar, é preciso mudar

Para Sandro Gozi, as propostas francesas são muito semelhantes às que o próprio governo italiano apresentou em maio. “É preciso um controlo parlamentar muito forte da zona euro e é preciso um orçamento, porque a zona euro tem de ter uma política económica ativa de encorajamento aos investimentos para lançar o crescimento”.

E explicita: “queremos trabalhar com a França e todos os países que partilham o objetivo que corresponde à necessidade de mais democracia, mais controlo parlamentar, mais eficácia; melhor governo com um presidente permanente da zona euro; e mais capacidade económica, estabelecendo um orçamento que permita mais investimentos”.

Segundo a proposta italiana, estes dois processos, convergência e maior integração têm de andar a par, de modo a que, em 2017, seja já possível tomar decisões. “É preciso antecipar os calendários, continuar o processo das reformas estruturais e envolver mais os parlamentos nacionais”, pede Sandro Gozi.

Para este governante, entre os objetivos comuns de convergência é preciso também inserir objetivos sociais, porque – disse – “estamos convencidos que falta uma dimensão social às reformas, e isso não é aceitável”.

Sandro Gozi reconhece que nem todos os Estados europeus (e da zona euro em particular) estão de acordo com este entendimento, havendo alguns que querem primeiro aprofundar a convergência e só depois debater a integração política.

Mas, para Itália, é fundamental que as duas sigam em paralelo. Ao mesmo tempo se pode decidir ter um presidente permanente da zona euro, que torne mais formal e transparente o funcionamento do eurogrupo, devem desenvolver-se os fundos europeus de investimento, como os do Plano Juncker e avançar de imediato com a integração democrática e parlamentar e a integração económica com o início de um orçamento comum, diz Gozi.

“Não se pode esperar muito”, apela. “O debate deve começar já para se decidir em 2017. O Eurogrupo é o órgão de gestão da zona euro, mas funciona muito mal. É preciso mudar”, salienta.

As três lições da crise grega

Para Gozi, há três lições fundamentais da crise grega que têm de ser aprendidas. “A principal é que o sistema de gestão de crises da zona euro não é eficaz, nem transparente e que é preciso trabalhar nesse sentido e desenvolver uma dimensão democrática comum transnacional”, disse, salientando que “é preciso deixar de opor umas democracias contra as outras”. E, para trabalhar e desenvolver uma democracia europeia, acrescentou, “é preciso implicar na escolha orçamental comum os parlamentos nacionais”.

O que aconteceu com a crise grega é que, segundo disse, opuseram-se democracias contra democracias: “nem mesmo o Bundestag pode decidir pelos outros, nem o parlamento finlandês, nem o Tribunal Constitucional alemão pode continuar a fazê-lo”.

A segunda lição, referiu, “é que a dimensão social é urgente; a terceira é que não se pode relançar um país em crise trabalhando apenas na consolidação orçamental, é preciso em paralelo encorajar a economia e não diminuir os padrões sociais, porque isso criou grandes problemas à zona euro que não vão na boa direção”.

Sandro Gozi reconhece todavia que o debate será difícil e que a Alemanha poderá não aceitar estas exigências. “Estou muito longe da posição de Schauble, o ministro das Finanças alemão, que já em 1995 era a favor de uma Europa de núcleo duro em que excluía a Itália e agora estou contra a sua proposta de excluir a Grécia da união económica e monetária”.

“A exclusão não é um bom método, mas sim a inclusão, a responsabilidade nacional e a solidariedade europeia”, disse o secretário de Estado, que revelou que juntamente com a França o seu país se bateu na cimeira europeia contra a solução do Grexit defendida por 13 países da zona euro.

“O debate será difícil, mas a Alemanha também deve aprender com as lições e erros e ela cometeu muitos desde o início da crise”, rematou o dirigente italiano.

Hollande também quer Espanha na “vanguarda”

MUDANÇA As ideias de Hollande para reformular as instituições europeias não são consensuais na UE nem na zona euro FOTO REUTERS

MUDANÇA As ideias de Hollande para reformular as instituições europeias não são consensuais na UE nem na zona euro FOTO REUTERS

França vai avançar no outono com propostas concretas sobre Governo, Orçamento e Parlamento da zona euro a sete (com a Espanha no grupo). Em Paris defende-se um salário mínimo europeu e impostos iguais para as empresas dos sete países

TEXTO DANIEL RIBEIRO, CORRESPONDENTE EM FRANÇA

Paris acha que a solução de institucionalizar uma “vanguarda” dos países que integram a moeda única, através do lançamento de um Governo específico integrando os países fundadores da antiga Comunidade Económica Europeia (CEE, hoje União Europeia) e a Espanha, é fundamental para evitar a implosão do euro.

Segundo a França, este projeto é necessário porque a zona euro está em risco devido às grandes diferenças atualmente existentes entre os diversos parceiros europeus, designadamente no domínio do crescimento económico.

Além do Governo, as propostas francesas incluem a criação de um Parlamento e de um orçamento comuns aos países que venham a aderir ao projeto por vontade própria — sob condição de preencherem os requisitos económicos, financeiros e sociais que serão exigidos e aprovados em futuras discussões entre os diversos países e, sobretudo, entre a Alemanha e a França.

Citadas pelo jornal espanhol “El País”, fontes do Eliseu confirmam a intenção do Presidente François Hollande e adiantam que Paris deseja avançar para um salário mínimo similar e uma convergência fiscal nos países da “vanguarda”, designadamente um imposto idêntico sobre as empresas para evitar o atual “dumping” fiscal e social.

A França quer que seja igualmente criado um Fundo Monetário Europeu para “intervenção rápida e de solidariedade” nos países da zona euro e também deseja uma união bancária reforçada nos países do futuro novo clube do euro.

O El País revela que as conversações já começaram com os países visados, incluindo Espanha e Itália.

A iniciativa francesa será concretizada em setembro e as discussões para a criação do que será sem dúvida uma nova zona euro arrancarão oficialmente no outono.

Um assessor do ministério francês da Economia, Clement Beaune, disse ao diário espanhol que a proposta francesa implicará a necessidade de “mudar os tratados”.

As ideias de Paris para reformular as instituições europeias não serão certamente consensuais na União Europeia e nos 19 países que integram a zona euro. Nem em França o serão, porque os nacionalistas da Frente Nacional, de Marine le Pen, em forte ascensão nas sondagens, propõem, ao contrário, o fim do euro.

Além da França e da Alemanha, os países fundadores da antiga CEE são Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda.