CORRUPÇÃO Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos afirma que o Hospital de Santa Maria, o maior de Lisboa, é dominado por interesses da Maçonaria, Opus Dei e partidos políticos FOTO JOSÉ NUNO FOX

CORRUPÇÃO Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos afirma que o Hospital de Santa Maria, o maior de Lisboa, é dominado por interesses da Maçonaria, Opus Dei e partidos políticos FOTO JOSÉ NUNO FOX

SNS

Ex-diretor clínico do Santa Maria estranha não ter sido ouvido pela Inspeção

Miguel Oliveira da Silva abandonou a direção clínica do maior hospital de Lisboa a 13 de fevereiro depois de revelar ilegalidades na compra de material clínico. As suspeitas de corrupção provocaram uma cisão com as equipas e a permanência no cargo tornou-se insustentável

TEXTO VERA LÚCIA ARREIGOSO

Três meses depois de ter denunciado sinais de corrupção na aquisição de consumíveis para vários serviços médicos do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, o antigo diretor clínico da unidade ainda não foi ouvido pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, a quem a administração comunicou as suspeitas. Miguel Oliveira da Silva revelou que material clínico, como próteses para as áreas cardíaca, vascular e ortopédica, era comprado sem os necessários cadernos de encargos.

As suspeitas foram levantadas pelo médico logo nos primeiros meses em que ocupou o cargo e provocaram uma cisão com as equipas. O administrador do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria), Carlos Martins, garantiu então, em entrevista ao Expresso, que havia questionado os 61 diretores de serviço e que todos negaram ter conhecimento de qualquer tipo de conluio na aquisição de material clínico. “Estou tranquilo. Quem não cumprir as boas práticas é suspenso ou demitido”, garantiu ainda o gestor.

Esta quarta-feira, um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos revela que há corrupção no Hospital de Santa Maria. “Não me surpreende nada. Tive razão antes de tempo: agora vêm outras instituições dizer ainda mais do que eu disse”, desabafou ao Expresso, Miguel Oliveira da Silva. O obstetra, professor de Ética Médica e ex-presidente Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida estranha o silêncio da Inspeção: “Ainda não fui ouvido e faria sentido ter sido o primeiro a dar um testemunho.”

O Expresso contactou a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde mas não obteve resposta. O mesmo silêncio foi adotado pelo presidente do Hospital de Santa Maria. O gabinete de comunicação apenas se fez ouvir para dizer que o estudo ainda não foi apresentado publicamente — será amanhã, quinta-feira — e que, assim sendo, é-lhes desconhecido.

ESTUDO

Hospital de Santa Maria dominado por interesses da Maçonaria, Opus Dei e partidos políticos

TEXTO LUSA

CRÍTICAS O relatório da Fundação Manuel dos Santos diz que há casos de absentismo de chefias médicas e nomeações feitas “à revelia das normas e regulamentos”. FOTO TIAGO MIRANDA

CRÍTICAS O relatório da Fundação Manuel dos Santos diz que há casos de absentismo de chefias médicas e nomeações feitas “à revelia das normas e regulamentos”. FOTO TIAGO MIRANDA

Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz que continuam a ser “prática comum” pequenos atos de corrupção como, por exemplo, “troca de favores”

O Hospital de Santa Maria, o maior do país, está minado por uma teia de interesses e lealdades a partidos políticos, à maçonaria e a organizações católicas, conclui um estudo que avaliou a qualidade e funcionamento de seis instituições nacionais.

A análise ao Hospital de Santa Maria (HSM) a cargo da investigadora Sónia Pires, salienta que, “apesar das melhorias registadas a partir de 2005”, a unidade hospitalar “continua atravessada por fortes conflitos de interesse e atos nas zonas cinzentas ou silenciadas que se configuram como corrupção”.

“A Maçonaria, a Opus Dei e a ligação a partidos políticos ainda são três realidades externas que intersetam a esfera do HSM”, refere o estudo Valores, Qualidade Institucional e Desenvolvimento em Portugal, encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que vai ser apresentado esta quinta-feira.

A investigadora, que se baseou em questionários e entrevistas recolhidos entre 2012 e 2013, traça um retrato negro da instituição, onde se entrecruzam interesses públicos e privados de “grupos poderosos”, nomeadamente na classe médica e na direção de serviços de apoio, que condicionam o funcionamento dos serviços a nível de recursos humanos e aquisição de material clínico.

O diagnóstico era ainda pior há dez anos: “a situação estava fora de controlo, não havendo registos de utilização do equipamento e verificando-se roubos regulares, por parte de médicos e de outro pessoal, que se serviam a seu bel-prazer dos armazéns do hospital para fornecer as suas clínicas privadas”.

O fecho do hospital chegou a ser ponderado e foi necessária “a intervenção enérgica” do ministro da Saúde, que nomeou um novo Conselho de Administração e um novo presidente para salvar a instituição, refere o documento, acrescentando que esse dirigente e a sua família receberam ameaças de morte e chegaram a ser acompanhados por uma escolta policial.

Sónia Pires destaca que “as condições melhoraram” entretanto, mas continuam a ser “prática comum” pequenos atos de corrupção como, por exemplo, “troca de favores, fazendo passar à frente, nas listas de espera, amigos e familiares, e o médico assistente canalizar os pacientes que têm de fazer análises para laboratórios privados dos quais é sócio”.

A corrupção foi mais evidente até meados de 2000, e sofreu uma quebra com a reorganização dos serviços.

“Com efeito, a introdução da informatização dos serviços, as alterações nas chefias dos serviços de apoio (com a vinda de atores do setor privado bancário ou do setor dos seguros de saúde), a entrega de relatórios de contas por serviço, área ou departamento, ou a externalização de certos serviços (como a alimentação, a lavandaria ou obras de manutenção) fazem com que o despesismo seja mais controlado”, adianta o relatório.

O documento revela igualmente casos de absentismo de chefias médicas nos serviços de ação médica e nomeações dos diretores de serviço feitas “à revelia das normas e regulamentos”.

Justifica, por outro lado, a permanência de alguns médicos no serviço público com o facto de “pertencer ao HSM ser útil para conseguir o estatuto social e simbólico próprio à profissão”, admitindo que, embora se mantenham os melhores elementos, há ausência de meritocracia, nas nomeações e na promoção.

“Os processos de nomeação não são claros e estão atravessados por outras dinâmicas como os jogos de interesse e as lutas entre professores na Faculdade de Medicina, e a presença de dinâmicas externas próprias à sociedade portuguesa – como a Maçonaria, a Opus Dei e a ligação a partidos políticos (ligação mais recente, temporalmente, e com ênfase particular no Partido Comunista e no Partido Socialista)”, salienta a investigadora, baseando-se nas informações que recolheu.

Santa Maria foi a organização mais mal classificada entre as seis analisadas no estudo (Autoridade Tributária, ASAE, EDP, Bolsa de Lisboa, Hospital de Santa Maria e CTT), destacando-se essencialmente na avaliação sobre inovação e flexibilidade tecnológica.

O estudo envolveu vários investigadores e foi coordenado pela professora da Universidade Nova de Lisboa Margarida Marques e pelo professor da Universidade de Princeton Alejandro Portes.