Opinião
Pedro Santos Guerreiro
Passos: antes do volte-face, a face volta
Passos Coelho esteve pasmado meses a fio, fazendo do PSD um partido com rei sem roque. Enquanto esperava a chegada da crise ao país, chegou-lhe a crise ao partido: o líder do PSD esteve parado, O PSD não. E assim o silêncio ordeiro de Passos desordenou o partido, que se transformou num tronco com membros à procura da cabeça. Na semana passada, deixou de ser assim: Passos mandou (por fim!) as tropas para a rua. O arranque para as autárquicas é tardio, pois até os que ainda não arrancaram já estão lá à frente, mas o partido que tanto mexericou para dentro pode finalmente mexer para fora. Será? Seja.
Conhecemos o filme que ainda não foi exibido na sala de cinema onde, no verão, Passos se sentou na plateia: o filme do diabo. Provavelmente convencido de que haveria legislativas antecipadas, deixou-se vencer no calendário das autárquicas. O diabo ainda não veio, não porque Passos não tenha razão no que diz (a dívida pública voltou a crescer, os juros estão a subir, o BCE está a reduzir apoios e de cada vez que a DBRS fala de ratings é um ai-jesus!), mas porque a União Europeia está a fechar os olhos às pressões financeiras de outros ao mesmo tempo que abre os olhos às pressões políticas em si própria. Esta história do diabo saiu-lhe pela culatra, as listas para as autárquicas atrasaram-se e os críticos internos encontraram o poder do vazio: andou tudo ao telefone.
Uma câmara é só uma câmara mas a de Lisboa não é 1/308 das eleições. Por ser a maior, claro, e a mais mediatizada, mas também pelo que ela representa de posicionamentos partidários posteriores. Foi em Lisboa que Passos mais se embrulhou: o PSD Lisboa descolou para o lado, o CDS descolou para a frente, o PS colou às inaugurações de obras. Incapaz de mobilizar um candidato forte, Passos recebeu punhados de negas e resignou-se a uma candidata fraca, Teresa Leal Coelho. A escolha é tão tardia e surpreendentemente desesperançada que o campeonato à partida é entre segunda e terceira candidatas, Teresa e Assunção. Medina permite-se assistir de camarote. E assim Lisboa junta-se a outras grandes cidades, como o Porto, em que o PSD não luta para ganhar mas para não ser esmagado. É uma posição embaraçante. Pior: os grandes centros urbanos não são câmaras quaisquer, pelo transvaze que significam para as eleições subsequentes, as legislativas. Se Passos lá chegar: uma derrota eleitoral nas autárquicas de outubro apressará a crítica interna, que pode precipitar para janeiro as eleições no partido.
Só que na quinta Passos falou às tropas e desta vez parece não ter sido debalde. No Conselho Nacional, não é tanto o que disse que galvanizou, mas o que fez. Como escrevia o “Público” no sábado, “PSD esconde descontentamento a Passos”: o partido “tocou a rebate para as eleições, apesar do escasso otimismo” e o líder prenunciou um processo de responsabilização dos dirigentes distritais nos resultados. Pode ser apenas uma perceção de mobilização, mas desse então já há gente na rua. E, facto mais evidente da não resignação prévia, José Eduardo Martins comprometeu-se na candidatura de Teresa Leal Coelho: como o Expresso noticiou no sábado, o crítico de Passos será candidato à Assembleia Municipal.
É uma decisão inesperada mas inteligente: José Eduardo Martins exclui-se dos que se excluem. Toda a gente sabe o que ele pensa da liderança de Passos e adivinha o que julga de Teresa, mas não só uma derrota do partido não será a sua derrota (será a de Passos) como no próximo congresso jamais poderá ser acusado de deslealdade partidária ou de se ter acobardado na bancada do mandar vir e mandar ir. E Teresa Leal Coelho ganha um apoio que não tinha, a do autor do programa autárquico, que lhe será útil para o debate de ideias da cidade que, se tem, não se sabe se tem, porque nunca as disse.
Os partidos movem-se pela distribuição de poder e estão irremediavelmente vocacionados para as eleições seguintes. Mas não só é na oposição que se semeia o que permite reconquistar o poder como, e sobretudo, é de partidos fortes na oposição que se fazem governações mais fortes, porque testadas em permanência. Enquanto Passos serrar o tronco errado de um carvalho imaginário, Costa dormirá debaixo de uma palmeira. E há tanto, mas tanto, que pode correr mal que nem o desejo voluntarioso do país acreditar na esperança pode servir de colchão de penas para o descanso. Sem um PSD forte, e que faça oposição além dos SMS da Caixa e de pequenos casos da semana, os equilíbrios partidários pendem para barulho do nada: a destruição, mesmo se pequena, é só destruição.
Passos acordou para alguma coisa. Esperemos que tenha sido para isto. A fatalidade da perda é a perda antecipad. E liderar também é desfatalizar. Neste caso, desfatalizar-se.