Ricardo Costa

Opinião

Ricardo Costa

O livro de estilo de João Lourenço

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Não sei ao certo qual será o nível de popularidade de João Lourenço em Angola, mas deve ser muito alto. O Presidente angolano tem seguido um livro de estilo pouco habitual em transições de poder tão raras como a que aconteceu com a saída de José Eduardo dos Santos.

As presidências muito longas costumam ter duas saídas: ou mais do mesmo com alguém anódino no poder ou ruturas brutais com ajustes de contas desmedidos. Na presidência de João Lourenço nunca se teve perto de nenhum destes cenários, bem pelo contrário. O seu caminho pareceu sempre autónomo, com um descolar firme do seu antecessor mas sem entrar em derivas persecutórias.

Ainda assim, os passos mais recentes – sobretudo desde que assumiu a presidência do MPLA – são surpreendentes. Apesar dos vários sinais e notícias divulgados, ninguém imaginaria que José Filomeno dos Santos fosse preso preventivamente. É um passo de tal forma ruidoso que deixa todos espantados. É certo que “Zenu” estava proibido de sair do país, é certo que estava envolvido numa transferência mais que suspeita de 500 milhões de dólares para o Crédit Suisse em Londres e é ainda mais certo que confundiu a gestão do poderoso Fundo Soberano de Angola com amizades e favorecimentos a Jean-Claude Bastos de Morais. Mas uma prisão preventiva é sempre uma decisão radical.

O livro de estilo administrativo e judicial de João Lourenço está a ser tão surpreendente quanto eficaz. Se conseguir estender as mesma práticas a áreas como a saúde, a educação ou o saneamento básico, fará a transição perfeita num dos países mais promissores do continente africano

É isto que está a tornar o livro de estilo de João Lourenço num caso muito raro. Está a deixar que o estado de Direito siga o seu rumo, ao mesmo tempo que usa a máquina administrativa do Estado para acabar com abusos históricos e vantagens conseguidas de forma pouco clara. Foi assim que Isabel dos Santos perdeu o monopólio da comercialização de diamantes ou a presidência da Sonangol. Foi também assim que outros dois irmãos perderam a concessão de meios de comunicação social ou Zenu foi afastado da presidência do Fundo Soberano. E é assim que muitos contratos e concessões de última hora vão caindo como cartas de um castelo instável.

José Eduardo dos Santos ganhou a guerra e conseguiu manter a paz, um dos feitos mais importantes da história de uma país habituado à violência extrema. Mas nunca conseguiu – se é que chegou a tentar – cortar com o nepotismo e as vantagens escandalosas de uma pequena elite, num processo que transformou o país num dos mais desiguais do mundo, ao mesmo tempo que ia acumulando os piores índices de saúde pública em toda a OMS.

O livro de estilo administrativo e judicial de João Lourenço está a ser tão surpreendente quanto eficaz. Se conseguir estender as mesma práticas a áreas como a saúde, a educação ou o saneamento básico, fará a transição perfeita num dos países mais promissores do continente africano.