MADEIRA
Medicamentos só dão para três semanas
MADEIRA Arquipélago está com um problema de stock de medicamentes na sequência dos desentendimentos no Porto de Lisboa, que estão a afetar seriamente o fornecimento FOTO ANA BAIÃO
Autoridades de Saúde madeirenses avisam que os conflitos no Porto de Lisboa - onde foi anunciado um despedimento coletivo - estão a ameaçar seriamente o fornecimento de medicamentos para hemodiálise. Governo regional já teve de recorrer à Força Aérea. Diretor clínico do serviço regional de Saúde avisa: “É indesmentível que está em risco um direito consagrado constitucionalmente que é o direito à saúde”
TEXTO MARTA CAIRES
Os medicamentos entregues pela Força Aérea esta segunda-feira no hospital central do Funchal permitiram respirar de alívio. Os tratamentos de hemodiálise estão garantidos para as próximas três semanas, mas o diretor clínico do SESARAM (o serviço regional de Saúde da Madeira) lembra que o risco de rutura de stock vai continuar enquanto não se resolver a greve no porto de Lisboa. A Madeira precisa, por mês, de seis a sete toneladas de fármacos de grande consumo - a grande maioria é utilizada na hemodiálise.
O ponto crítico no abastecimento aconteceu no fim da última semana quando se soube que não havia garantias de transporte para as 16 toneladas de medicamentos que se encontravam em Lisboa prontas para embarcar com destino ao porto do Caniçal, na Madeira. Perante a incerteza e alertado para o risco de rutura de stock, o Governo de Miguel Albuquerque solicitou a intervenção da Força Aérea para assegurar o transporte de parte desta carga, sendo prioritários os soros para hemodiálise, os que estavam em risco de acabar.
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Este transporte só pode ser feito mar e por barco ou então, se for por via aérea, através da Força Aérea
Dada a natureza da carga, não é sequer possível optar pelo transporte aéreo - como têm feito algumas empresas quando precisam de abastecimento com urgência. A questão, explica Eugénio Mendonça, diretor do SESARAM, não são os preços – muito mais altos para o transporte aéreo -, mas as exigências no manuseamento e acondicionamento. “Este transporte só pode ser feito mar e por barco ou então, se for por via aérea, através da Força Aérea.”
A carga foi entregue esta segunda-feira no Funchal, a restante deverá sair de Lisboa esta terça-feira. A informação dada, esta terça-feira de tarde, ao gabinete de Miguel Albuquerque era de que o contentor com os medicamentos estava já no cais pronto a embarcar e que o carregamento iria ser feito. O que permite aos serviços de saúde alguma folga - pelo menos para as próximas semanas. A questão é que, como lembra Eugénio Mendonça, diretor clínico do SESARAM, os stocks dos medicamentos de grande consumo – como é o caso da hemodiálise – são curtos, dão para um mês e pouco. O risco irá manter-se enquanto durar a greve no porto de Lisboa.
PREOCUPAÇÃO Autoridades de Saúde da Madeira alertam para as consequências dos atrasos de fornecimento decorrentes dos conflitos no Porto de Lisboa FOTO JOSÉ CARIA
“Os nossos stocks variam com tipo de medicamentos e todos preveem dificuldades de abastecimento, como o mau tempo no mar, para pequenos atrasos. Em alguns tipos de medicamentos temos stocks de um ano, de seis meses, mas neste caso, para fármacos de consumo diário, são de um mês. Portanto, enquanto durar a greve, o risco irá existir. Nada me garante que, daqui por 15 ou três semanas, não se esteja outra vez na mesma situação e sem saber se os medicamentos chegam ou não a tempo”, refere Eugénio Mendonça.
O diretor clínico do SESARAM, sem questionar o direito à greve, diz que não pode estar descansado e tem a obrigação de lutar pelos utentes dos serviços de saúde da Madeira. “É indesmentível que está em risco um direito consagrado constitucionalmente, que é o direito à saúde”, sublinha o responsável pela gestão clínica de um serviço que, na Madeira, está debaixo de enormes críticas. Há anos que são recorrentes notícias de falta de material e medicamentos, mas por dificuldades de pagamento a fornecedores.
GREVE
“Ira da estiva” custa 300 mil por dia
TENSÃO O aparato policial controlou os ânimos da reivindicação laboral dos estivadores, que ultrapassou toda a capacidade de diálogo com os operadores portuários FOTO LUÍS BARRA
Se a greve dos estivadores se prolongar até 16 de junho, os operadores do Porto de Lisboa dizem que terão mais de 17 milhões de euros de prejuízos. Para já, querem uma indemnização superior a 9 milhões, e queixam-se de uma guerra que consideram ser uma verdadeira “ira” dos estivadores
TEXTO João Palma-Ferreira
Eis “a ira da estiva”, como lhe chamou um operador portuário de Lisboa. Uma guerra que opõe trabalhadores a patrões, envolvendo razões e argumentos diferentes e inconciliáveis. Trata-se do último dos episódios vividos no porto de Lisboa, onde nem faltaram operacionais da Secção de Intervenção Rápida (SIR) da PSP para apaziguar tensões laborais com os estivadores. Apesar de não ter havido confrontos pessoais, esta terça-feira fica na história do sector porque marcará o futuro da atividade portuária no estuário do Tejo, sendo igualmente o dia em que o Governo indigitou Lídia Sequeira, a ex-presidente do Porto de Sines, para o cargo de nova presidente da Administração do Porto de Lisboa (APL), que sucede a Marina Ferreira.
A partir desta terça-feira, fontes do sector portuário português admitem que a luta dos estivadores de Lisboa pela causa que sempre defenderam será diferente - desconhecendo-se o resultado do processo de despedimento coletivo de que são alvo, pedido pelos operadores portuários. No sector também já se fazem contas aos prejuízos desta última greve. E 17,4 milhões de euros parece ser a fatura que cabe apenas a alguns operadores, como os que gerem os terminais de Alcântara, Santa Apolónia e do Beato.
O aparato mediático das várias câmaras de televisão colocadas no local e os diversos capacetes dos PSP do corpo da SIR evidenciaram a tensão vivida junto às portas de acesso dos terminais de carga do porto de Lisboa. Entraram e saíram camiões TIR vazios e dentro dos recintos vedados dos terminais portuários acumulam-se mercadorias que não seguiram para os seus destinos.
FOTO LUÍS BARRA
Quatro anos de negociações esgotadas
Este é o resultado de quatro anos de greves, com milhares de euros de prejuízos e negociações esgotadas entre operadores portuários e estivadores. Afinal, quais são os argumentos dos trabalhadores? O Expresso contactou o Sindicato dos Estivadores, mas a resposta foi que “não estava ninguém da direção para responder”. Em declaração à TSF, Lídia Sequeira, a nova presidente da Administração do Porto de Lisboa, referiu que os “estivadores têm poder a mais”.
Com a credibilidade internacional do porto de Lisboa totalmente abalada, o caminho das negociações entre operadores e estivadores indicia agora a “derrocada final” num processo de despedimento coletivo. Porém, o Governo tentará evitar esse desfecho.
Por isso, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, à margem de uma conferência na Culturgest, em Lisboa, apelou, ainda esta tarde, a um último esforço de entendimento entre operadores e estivadores. A ministra defendeu novamente que devia ser encontrada uma “base de sustentabilidade” para a atividade portuária em Lisboa, garantindo “a manutenção dos empregos”.
Essa base de sustentabilidade está dependente da conclusão do contrato coletivo de trabalho dos estivadores de Lisboa. Acontece que este documento esteve quase a ser assinado na sexta-feira passada. Porém, foi novamente travado por duas questões intransponíveis: a progressão automática da carreira e a organização do trabalho portuário pelo Sindicato dos Estivadores.
FOTO LUÍS BARRA
Operadores perderam metade da atividade
“De 2012 para 2015, a atividade do porto de Lisboa caiu 50% e com esta última greve, iniciada a 20 de abril - sucessivamente prolongada até 16 de junho - as receitas dos operadores caíram até zero, pelo que é impossível mantermos as estruturas das nossas empresas sem serem fortemente redimensionadas, porque tornaram-se inviáveis perante o volume de carga marítima que hoje temos”, explicou ao Expresso o presidente da Associação dos Operadores do Porto de Lisboa (AOPL), Joaquim Morais Rocha.
A AOPL representa as empresas Liscont, TCSA Sotagus, TMB - Terminal Multiusos do Beato e o Multiterminal.
Desde que os turcos do Yildirim Group comprararam a atividade da Tertir (por mais de 275 milhões de euros), aguardava-se um novo fôlego para a atividade portuária de Lisboa, pelo investimento de modernização que os turcos pretendiam fazer na infraestrutura local. Tudo isso pressupunha a captação de maior atividade, mais navios a chegarem a Lisboa para descarregarem e carregarem e implicaria a contratação de mais mão de obra.
No entanto, no atual quadro de instabilidade do Porto de Lisboa, e confrontados com a falta de credibilidade internacional dos terminais do estuário do Tejo, os operadores consideram provável que o trabalho de recuperação de tráfego demore vários anos. Isso quer dizer que o efeito de entrada dos turcos não terá as pretendidas consequências imediatas no aumento do volume de carga marítima que chega a Lisboa.
FOTO JOSÉ CARIA
Madeira em situação crítica
O efeito mais relevante provocado pelo desgaste das sucessivas greves convocadas nos últimos quatro anos é sentido sobretudo nos mercados que deixaram de ser abastecidos regularmente - os portos da Madeira e dos Açores - e, também, pelas linhas de transporte marítimo que foram desviadas para os portos espanhóis de Valência e da Galiza.
“A quebra da atividade portuária de Lisboa leva inevitavelmente à redução do emprego necessário e ao enfraquecimento do Produto Interno Bruto (PIB) português”, referiu ao Expresso o presidente da Associação dos Agentes de Navegação de Portugal (AGEPOR), Belmar da Costa.
Aliás, já são conhecidas as contas sobre as perdas diárias de receitas do porto de Lisboa. Vários organismos apontam para o valor de 300 mil euros diários de receitas perdidas. “Somados todos os custos desta última greve, iniciada a 20 de abril, o valor da perda acumulada exclusivamente pelos operadores do porto de Lisboa já vai nos 6,9 milhões de euros”, referiu ao Expresso o presidente da AOPL, Morais Rocha.
Se esta greve “for mesmo prolongada até 16 de junho, a conta total ascenderá a 17,4 milhões de euros em perdas”, adianta Morais Rocha, explicando que “este valor é apenas uma parcela dos prejuízos totais, pois não inclui as perdas de receitas da Administração do Porto de Lisboa, dos transitários, dos despachantes, dos rebocadores e das alfândegas”. Esta estimativa foi formalmente apresentada pela AOPL num pedido de indemnização interposto junto do Tribunal do Trabalho.
No entanto, o problema mais grave pode acontecer nos hospitais da Madeira, pela falta de produtos farmacêuticos imprescindíveis (ver texto no topo da página).
FOTO JOSÉ CARIA
Sector agroalimentar afetado
O Expresso já tinha alertado para o efeito nefasto desta greve no sector agroalimentar, provocado pela escassez do abastecimento de componentes fundamentais para a produção de rações, ou para o aumento do custo de algumas matérias primas como a soja, cujos preços aumentaram 15% em pouco tempo.
As maiores empresas exportadoras queixam-se da inoperância dos portos de Lisboa, Setúbal e da Figueira da Foz. O grupo papeleiro Portucel já explicou que teve de remodelar a sua logística, readaptando-se ao modo rodoviário, encarecendo as expedições de mercadorias, que têm de seguir caminho para chegarem impreterivelmente aos seus clientes, apesar das limitações da atividade portuária em Lisboa.
Espanhóis ficaram a ganhar
No meio deste problema portuário, a economia portuguesa regrediu. “Ganharam os portos espanhóis, sobretudo os de Valência, de Barcelona e da Galiza, porque nem sequer 50% da carga que o porto de Lisboa perdeu ficou redistribuída por outros portos nacionais”, comentou Morais Rocha.
Os produtos que passaram a ser descarregados nesses portos do país vizinho são posteriormente transportados para Portugal por via rodoviária, encarecendo o seu custo final. No primeiro trimestre de 2016, a atividade portuária de Lisboa voltou a cair, desta feita 9,1%, segundo dados da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, presidida por João Carvalho.
Independentemente da evolução das relações entre operadores e estivadores, tem vindo a aumentar o número de defensores de uma solução que passa pelo Governo proceder a uma urgente requisição civil para operar a atividade portuária em Lisboa, porque os navios abrangidos pelos serviços mínimos foram insuficientes.