Opinião
Nicolau Santosnsantos@expresso.impresa.pt
Os primeiros dias de Trump confirmam o pior
Os primeiros passos de Donald Trump confirmam o pior. O mundo vai ficar muito mais perigoso, as tensões políticas e económicas vão aumentar e uma onda de violência e protecionismo está a caminho. Se “A América primeiro” é o lema que norteará Trump, não está seguramente à espera que os outros países adiram à tese. Não por acaso, o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, já veio dizer que o seu país tem de trabalhar para ser autossuficiente em matéria de produtos agrícolas. Por seu turno, o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, sublinhou que a mudança da embaixada dos Estados Unidos de Telavive para Jerusalém vai comprometer o processo de paz no Médio Oriente. E o presidente chinês, Xi Jinping, veio pedir aos líderes mundiais para não aderirem ao protecionismo, o que não deixa de ser irónico, tendo em conta o passado do Império do Meio nesta matéria.
Depois de ter criticado violentamente os serviços secretos do seu país, a primeira visita que Trump fez após tomar posse foi à CIA, dizendo aos seus funcionários que ninguém gosta mais deles do que ele, de que ninguém os apoiará mais do que ele. Depois de ter acusado os mexicanos de trazerem drogas e banditismo para os Estados Unidos e ter prometido que iria construir um muro na fronteira pago pelo México – ao que o presidente mexicano ripostou, dizendo que não o pagaria –, Trump veio dizer que adora o povo mexicano e que o presidente mexicano tem sido fantástico.
Por isso, talvez o retrato que dele traçou o multimilionário húngaro George Soros seja razoavelmente correto: “Descrevo Donald Trump como um impostor, um vigarista e um aprendiz de ditador, a posicionar-se para uma guerra de mercados que terá um efeito a longo prazo na Europa e noutras partes do mundo. Mas eu pessoalmente tenho confiança de que vai falhar, porque as ideias que o guiam são inerentemente contraditórias (convém no entanto ter em conta que Soros apoiou Hillary Clinton, cuja campanha apoiou financeiramente).
Há algo, contudo, que parece ser inevitável: a guerra de mercados de que fala Soros. O presidente norte-americano quer “comprar e contratar americano”, o que “vai trazer grande prosperidade e poder” e levará os Estados Unidos a “vencer como nunca venceu”. Bom, os Estados Unidos, campeões da globalização, que radica na revolução levada a cabo por Ronald Reagan e por Margareth Thatcher, vai tornar-se agora o campeão do protecionismo? Pelo menos é isso que deixam prever as palavras de Trump, em particular na indústria automobilística, a quem ameaçou aumentar os impostos se, em vez de produzirem no país, instalassem as suas fábricas noutros Estados, nomeadamente no México, exportando depois esses produtos para os Estados Unidos.
A Ford cedeu e em vez de construir uma fábrica no México fá-lo-á nos Estados Unidos. Mas a Toyota e a BMW já reafirmaram que vão manter os seus planos de investimento em novas fábricas no México e o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, lembrou a Trump que se ele pretende taxar os automóveis produzidos fora dos Estados Unidos em 35%, então também as peças de que a indústria norte-americana importa para produzir os seus veículos terão aumentos da mesma ordem.
E há depois um pequeno pormenor de que Trump se está eventualmente a esquecer. É que os trabalhadores nas unidades de montagem no México ganham uma média de 5,64 dólares [5,27 euros] por hora, enquanto nas congéneres americanas se ganha 27,78 dólares [25,95 euros]. Os fornecedores de peças ganham apenas 2,47 dólares [2,30 euros] por hora, enquanto nos EUA se ganha uma média de 19,65 dólares [18,36 euros].
Ora, se a deslocalização foi feita pelas empresas de todo o mundo para tornar mais competitivos os seus produtos, quanto é que vão aumentar esses produtos se houver um grande movimento mundial de relocalização das empresas nos seus países de origem? Num cálculo muito básico, tomando como paradigma a relação de custos no México e nos Estados Unidos, isso quer dizer que os carros produzidos em solo norte-americano passarão a custar pelo menos cinco vezes mais do que atualmente. Parece muito pouco provável que seja por esta via que os Estados Unidos se conseguirão proteger “da devastação causada por outros países que produzem os nossos produtos, que roubam as nossas empresas e destroem os nossos empregos”.
Em qualquer caso, há uma brutal guerra comercial a caminho e conflitos políticos, prontos para degenerar em violência militar, que vão ser acirrados pelo Presidente Donald Trump. Preparemo-nos para um mundo bem mais perigoso e instável em 2017.