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Proibir pais de colocarem fotos dos filhos nas redes sociais é certo ou errado?

RISCO Imagens de crianças nas redes sociais tornam-nas mais expostas a um mundo de perigos FOTO RAUL ARBOLEDA/AFP/GettyImages

RISCO Imagens de crianças nas redes sociais tornam-nas mais expostas a um mundo de perigos FOTO RAUL ARBOLEDA/AFP/GettyImages

Tribunal proibe pais de publicarem fotos da filha no Facebook, defendendo “o direito à reserva e segurança da menor no ciberespaço”. A decisão pode criar jurisprudência. Três especialistas contactados pelo Expresso defendem que é preciso sensatez dos pais... e da Justiça

TEXTO CARLA TOMÁS

Os filhos não são coisas ou objetos pertencentes aos pais e de que estes podem dispor a seu belo prazer. São pessoas e consequentemente titulares de direitos”, justifica o acórdão do Tribunal da Relação de Évora que proibiu os pais de uma menina de 12 anos de partilhar fotografias da filha nas redes sociais.

Uma separação conflituosa levou a que a regulação das responsabilidades parentais fosse dirimida em tribunal. Um dos pontos de discórdia foi o facto de a mãe publicar imagens da filha no Facebook. A mãe discordou da sentença da primeira instância no tribunal de Setúbal e recorreu para a Relação de Évora, mas a decisão final foi a mesma. Além de impedidos de divulgar fotografias das filhas, os progenitores estão também proibidos de divulgar nas redes sociais outras informações que identifiquem a escola ou a morada da criança.

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Qualquer publicação da imagem de uma pessoa sem sentido, que não o narcisismo dos pais, é errado porque as crianças não são objetos ou troféus de caça
Mário Cordeiro, pediatra

Outro dos argumentos invocados pelos juízes foi o “perigo adveniente da exposição da imagem dos jovens nas redes sociais (...) porquanto é sabido que muitos predadores e pedófilos usam essas redes para melhor atingirem os seus intentos”. Porém, este argumento é refutado pelo pediatra Mário Cordeiro: “Não esqueçamos que mais de 80% dos crimes sexuais são cometidos em casa por pais, padrastos, vizinhos, familiares ou conhecidos”.

Também o psicólogo Eduardo Sá “estava longe de pensar”que um dos argumentos para a decisão fosse o risco de pedofilia.

A sentença pode vir a criar jurisprudência noutras situações semelhantes. E serve também de mote para uma discussão pública em torno da exposição de crianças nas redes sociais feita por muitos pais sem se darem conta.

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Como em tudo na vida temos de ser razoáveis e sensatos
Eduardo Sá, psicólogo

Depois da notícia vir a público, muitos pais e mães questionaram-se sobre se expõem ou não em demasia os seus filhos nas redes sociais. E se cumprem a regra não escrita de não postar imagens dos amigos dos filhos ou dos filhos dos amigos, sem o seu consentimento. Também há quem tema que a decisão do Tribunal de Évora passe a ter força de lei, imiscuindo-se nos direitos, liberdades e garantias de cada um. O que não é, para já, o caso.

“Como em tudo na vida temos de ser razoáveis e sensatos”, afirma ao Expresso o psicólogo Eduardo Sá, lembrando que “os pais têm toda a legitimidade de usufruir da relação com os filhos como bem entendem”. Porém, receia “que em muitas páginas do Facebook ou de blogs, a privacidade das crianças acabe devassada e a liberdade dos pais colida com a liberdade individual dos filhos”. Mas, acima de tudo, acha “muito positivo que se discuta o assunto”.

Segundo Mário Cordeiro “cada progenitor saberá o que fazer”. Porém, o pediatra critica o “narcisismo de muitos pais”. Já o ativista, Tito de Morais, fundador do projeto MiúdosSegurosna.Net, defende que “os pais não devem publicar fotos na internet sem qualquer restrição, pois estarão a criar uma pegada digital dos filhos”.

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Publicar fotos dos filhos menores sem restrições de acesso pode criar uma pegada digital
Tito de Morais, do projeto MiúdosSegurosna.net

Por seu lado, Tito de Morais, que se dedica a promover o uso seguro das tecnologias de informação por jovens e crianças, lembra que existem mecanismos de protecção da privacidade, como a utilização de password no acesso a blogs ou a grupos restritos no Facebook que permitem uma maior proteção das crianças, assim como a criação de redes sociais familiares “como o Ning, onde só é dado acesso a quem se quiser” permitindo a partilha de fotografias e vídeos além fronteiras de modo mais seguro. No entanto, adverte: “O risco não pode ser eliminado, apenas minimizado para que não se transforme em dano”. 

O Expresso colocou três perguntas a cada um, cujas respostas pode ler já a seguir.

Três perguntas a Mário Cordeiro, pediatra

FOTO TIAGO MIRANDA

FOTO TIAGO MIRANDA

1 Os país devem ou não publicar fotos dos filhos nas redes sociais? Porquê?

Cada progenitor saberá o que fazer. A exposição pública nunca deve ser leviana. Uma coisa é mostrar uma fotografia da criança ao círculo próximo de familiares e amigos, outra é colocá-la numa rede social onde poderá ser vista por milhões de pessoas. Mas desde que não sejam fotografias humilhantes ou em situações sem pudor, também não façamos disso um drama.

2 Conhece algum caso de uma criança traumatizada por ter sido exposta pelos pais numa rede social?

Sim, mas mais por serem expostos por colegas do que pelos pais. Há muitos casos de ciberbullying, ou de publicação de fotografias de pré-adolescentes e adolescentes sem autorização dos próprios. Não sejamos hipócritas ou fundamentalistas, higienistas ou puritanos, mas apenas prudentes e respeitadores dos direitos e interesses das crianças. Qualquer publicação de uma imagem sem sentido, que não o narcisismo dos pais, é errado, porque as crianças não são objetos ou troféus de caça. E esse narcisismo existe muito nas redes sociais e dava uma “tese de doutoramento”…

3 Concorda que um tribunal proíba os pais desta forma, argumentando com os perigos da pedofilia ou acha que não deve haver ingerência das instâncias judiciais?

Havendo conflito entre os pais, acho bem que seja o tribunal a decidir, como decidiria se houvesse litígio relativamente à criança ir para a escola A ou B, mudar de cidade, professar esta ou aquela religião. Todavia, não creio que a internet seja um local de “caça de pedófilos” mais do que o banco de jardim em frente da escola. Pensar que na Internet é que estão “os bandidos”, é branquear o local onde a maioria deles se esconde: a casa e a escola…

Os juízes optaram pela prudência e, concorde-se ou não, a criança não perderá nada em não ter a sua imagem na net...

Três perguntas a Tito de Morais, fundador do projeto Miúdos SegurosNa.Net

FOTO LUCILIA MONTEIRO

FOTO LUCILIA MONTEIRO

1 Em sua opinião os pais devem ou não publicar fotos dos filhos nas redes sociais? Porquê?

Os pais não devem publicar fotos dos filhos menores de idade na Internet sem qualquer restrição de acesso, porque estarão a criar a pegada digital dos filhos sem estes serem tidos nem achados, o que poderá afetar a sua imagem e reputação no futuro. Por outro lado, existe o risco de serem republicadas ou partilhadas por terceiros em contextos que podem ser de risco para a criança. Por fim, existem os riscos no domínio do “grooming” e da exploração e abusos sexual de crianças e jovens.

2 Conhece algum caso de trauma para uma criança por ter sido exposta pelos pais numa rede social?

Nunca me foi reportado nenhum caso, o que não quer dizer que não existam.

3 Concorda que um tribunal proiba os pais desta forma ou acha que nestes casos não deve haver ingerência das instâncias judiciais?

Não conhecemos as razões que levam o tribunal a tomar esta decisão. Num caso de regulação do poder parental onde não há acordo entre os pais, é lamentável, mas admito que tenha de ser um tribunal a decidir, salvaguardando os interesses da criança. Daí a extrapolar para “os portugueses não podem publicar fotos dos filhos nas redes sociais”, parece-me excessivo. Isso sim, seria uma ingerência. Por fim, surpreendentemente que o acórdão se refira explicitamente às redes sociais, deixando de fora toda a restante Internet.

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