ELEIÇÕES NA CATALUNHA

Vota-se com amor

Uma das imagens marcantes deste dia de eleições na Catalunha Foto Getty

Uma das imagens marcantes deste dia de eleições na Catalunha Foto Getty

Não se viu violência mas antes enorme afeto pelo voto: depois do 1 de outubro da polícia a bater em cidadãos, o 21 de dezembro acontece pacificamente na Catalunha com uma grande afluência às urnas em plena semana de trabalho. À hora de fecho desta edição ainda não eram conhecidas projeções

Texto Ana França

Há mais de 25 anos que não havia um dia assim na Catalunha - vota-se e não é domingo. Os catalães tiveram quatro horas livres para poderem exercer o seu direito cívico e a participação disparou ao fim do dia, depois de ter estado quase a tarde toda abaixo do registado nas legislativas de 2015. À hora de fecho desta edição estava nos 68%, contra os 63% verificados em 2015.

As redes sociais, tal como as sondagens, pareciam mostrar duas Catalunhas: a de Besalú, por exemplo, uma pequena cidade em Girona, de onde chegavam fotografias de varandas cobertas de lençóis com a palavra “Sí” repetida num infinito ponto de fuga; e a de Barcelona e bairros circundantes, onde não é raro ver jovens com crachás do Cidadãos, um partido que quer a Catalunha como parte de Espanha.

Foto Getty

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Sem exceção, os líderes das várias formações políticas catalãs pediram uma votação expressiva. Nem todos o fizeram a partir das suas sedes ou dos locais de voto e é aqui que reside a segunda especificidade destas eleições, depois do dia útil escolhido para o voto.

Carles Puidgemont, ex-presidente do governo e atual cabeça de lista pela formação Juntos pela Catalunha, não está na Catalunha. Está na Bélgica, para onde decidiu viajar depois de Madrid ter emitido mandados de captura para ele e os outros membros do seu executivo acusados de incumprirem a Constituição espanhola ao declararem a independência da região. O seu número dois, Oriol Junqueras, que agora concorre sozinho pela Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e pode muito bem vir a ser o candidato mais votado, está na prisão. E, esta quinta-feira, nenhum deles desiludiu o seu núcleo duro. Junqueras publicou uma carta aos independentistas, escrita da prisão, onde diz, sem pruridos, que os ataques do governo espanhol à liberdade política não ferem o “procès”, apena o tornam uma urgência ainda maior.

Já o presidente destituído da Catalunha disse, sem permitir a presença de meios de comunicação espanhóis, que esta quinta-feira “não é um dia de normalidade democrática”, uma vez que as eleições se realizam “com candidatos na prisão ou no exílio”. Contudo, Puigdemont sublinhou que “é um dia muito importante para o país” e destacou que estas eleições são a oportunidade para o “restabelecimento das liberdades e da democracia à nossa casa”.

Foto Getty

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Em jeito de resposta ácida, o candidato do Partido Popular para a Presidência da Generalitat, o anti-independestista Xavier García Albiol, disse que a participação nas eleições catalães está a revelar-se alta “porque estas são umas eleição com urnas de verdade, boletins de verdade e com todas as garantias”, fazendo assim um contraponto com as eleições de 1 de outubro, o dia da realização do referendo à independência vetado pela Constituição espanhola e por isso considerado ilegal.

Albiol tem respondido com “depende” quando questionado se o Governo vai aceitar um resultado pró-independência e, continuando com o seu tom irónico e numa alusão implícita ao referendo de outubro, acrescentou que apenas “se as eleições forem realizadas normalmente” é que têm valor. Anteriormente já tinha dito que mesmo que as forças independentistas vençam, a soberania da Constituição continua a sobrepor-se à vontade catalã. O que levou Puidgemont a responder assim: “Se o conjunto de forças independentistas ganha as eleições, será que o Estado espanhol vai respeitar o resultado?”, perguntou numa entrevista em novembro. “Insisto em fazer esta pergunta ao Estado espanhol, porque o que se tem passado até agora é que nós podemos levar a votos um programa eleitoral onde se pode dizer ‘se eu ganhar vou proclamar a independência’, mas se depois fizermos isso mesmo, vamos passar 30 anos à prisão.”

Inés Arrimadas, a mulher que pode vir a liderar as forças unionistas num novo governo, disse que quer que os catalães “inundem as urnas”. A cabeça de lista do Cidadãos, que, mostram as sondagens, pode vir a conseguir mais de 30 lugares, fez uma breve declaração aos meios de comunicação depois de deixar o colégio eleitoral. “Espero que nestas eleições históricas possamos ter uma participação histórica. Estas eleições são básicas para a coexistência na Catalunha, para a reconciliação entre todos os catalães. Hoje é um dia para deixar as pessoas votarem em silêncio. Eu acredito que hoje vamos recolher os frutos do trabalho que cada um fez. O que vemos com esperança é que há muita participação , e isso é sempre uma boa notícia. Como todos os dias, temos amostras de carinho e também não são de carinho, mas acho que é um reflexo do que está acontecendo na sociedade catalã”, disse.

Arrimadas, uma das favoritas Foto Getty

Arrimadas, uma das favoritas Foto Getty

O candidato do CeC-Podemos, Xaviern Domènech, disse que só um voto no seu partido poderia garantir que a Catalunha iria “superar todo este processo positivamente”. O Podemos pode “construir o futuro” e são os cidadãos que têm nas mãos, votando em massa, “a chave da resolução dos problemas”. Os independentistas da ERC disseram que a escolha é entre “dignidade e repressão”: o ex-ministro das Relações Exteriores e o número 3 da lista Raül Romeva disse que os catalães têm de decidir, “de forma democrática e pacífica, de que lado está a dignidade e de que lado está a repressão”. E não quis deixar cair no esquecimento os acontecimentos que se seguiram à votação no referendo. “Hoje também votamos sobre tudo o que aconteceu durante estes últimos meses e anos, especialmente nos últimos dias", afirmou Romeva.

A presidente do Parlamento da Catalunha, Carme Forcadell, pediu um voto “com a cabeça e com o coração” pela “opção que melhor represente os interesses da Catalunha”. Os resultados, sejam eles quais forem, “devem ser respeitados” porque, assegurou Forcadell, caso contrário “mostraríamos que não somos um país democrático”. Também Artur Mas, o famoso ex-presidente da Generalitat que liderou o (outro) processo independentista de 2014, disse que o ambiente calmo que se está a viver esta quinta-feira junto das mesas de voto “é que é o normal e não a repressão de dia 1 de outubro”. Devia ter sido “sempre assim”, afirmou Mas, “sem repressão, sem violência".

Josef Rull, um dos homens de Puidgemont que chegou a estar preso também em Estemera, aproveitou a comunicação aos jornalistas, feita depois de depositar o seu voto, para criticar o governo espanhol. Com um garrido lenço amarelo ao pescoço, tal como o que usaram hoje quase todos os outros líderes separatistas, Rull disse que “num dia como hoje devíamos estar a falar de amnistia, já que estamos no século XXI” e que, “em qualquer democracia que se preze, os candidatos para cargos públicos devem estar presentes quando depositam o seu voto e não na prisão”. Está nas mãos dos catalães “restituir a normalidade.”

A presidente da Câmara de Barcelina, Ada Colau, referiu depois de votar que se trata de “um dia histórico”. “Não é um dia comum, é uma situação excepcional e triste, com a Generalitat intercedida pelo Estado.” Também Colau pediu para que os catalães votem “em massa” para começar a recuperar a “normalidade institucional e o governo autonómico”.