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Opinião

Ricardo Costa

Um atentado para não esquecermos 2016

O dia de ontem acabará por desaparecer na nossa memória e na voragem dos dias, apesar das violentas imagens que nos trouxe, com uma multidão indefesa a ser atropelada em Berlim por um camião conduzido por um terrorista. Mas o dia de ontem simboliza com bastante perfeição o que foi o ano de 2016. O atentado de Berlim, que pode ter sido ou não perpetrado por um refugiado - a polícia está com sérias dúvidas -, traz à superfície uma das maiores tensões políticas atuais e a que mais mudou o panorama partidário na Europa central e de leste: a relação com o islamismo, os refugiados e os imigrantes de países islâmicos.

Angela Merkel tem estado cercada por um novo partido, a AfD, que faz destes temas a sua principal bandeira, pelos parceiros de coligação na Baviera, a CSU, e por um eleitorado descrente, que a culpa de ter tido uma política demasiado facilitadora da entrada de refugiados.

Em momentos como os de ontem, pouco adianta dizer que a integração de quase um milhão de refugiados tem corrido de forma bastante pacífica e com aparente sucesso. As estatísticas ou as médias adiantam pouco nestes casos, onde os 12 mortos e dezenas de feridos (este texto está a ser escrito às 8h da manhã de terça) esmagam qualquer ideia de sucesso ou integração, apesar dos imensos exemplos.

Tal como nos dois anteriores ataques perpetrados na Baviera por refugiados - um num comboio com um machado e outro, mais grave, com um bombista suicida à porta de um bar - o que fica é a ideia ou a certeza de que alguns refugiados são terroristas ou, pelo menos, podem ser transformados em terroristas, depois de radicalizados. E se os dois anteriores atentados na Baviera não deixaram um lastro muito grande de destruição, o de ontem entra para as nossas memórias ao lado do massacre de Nice, tantas são as semelhanças no modus operandi.

O final de ano na Alemanha e na Europa será marcado por estas imagens e emoções, apesar da calma da polícia alemã e de alguma ponderação nos partidos políticos, sobretudo depois das dúvidas em torno da investigação inicial. Com eleições dentro de poucos meses, Merkel vai ter que endurecer a sua política de segurança interna e ser menos flexível em aceitar refugiados. Ontem, um dirigente da AfD gritava que aqueles eram “os mortos de Merkel”. A frase é tão demagógica quanto eficaz e ecoará nos meses antes das eleições, sobretudo se houver mais algum atentado entretanto ou os problemas com os refugiados se agravarem.

Merkel é quase o último bastião de uma Europa liberal e aberta. A Hungria e a Polónia são hoje regimes muito duros para tudo o que é estranho às suas tradições ou crenças, a Áustria dificilmente escapará a um governo do mesmo pendor, os países nórdicos estão a recuar em políticas com décadas e a Holanda vacila seriamente. O Reino Unido pós-Brexit e a França dos atentados e do permanente estado de exceção policial - em que o país vive há meses sem fim - não podem ter outra política que não a de extrema dureza. A margem política desapareceu em França, com os sucessivos atentados, e foi legitimada em Londres pelo discurso vencedor no referendo.

O atentado de ontem lembra-nos bem o que foi o ano europeu de 2016 e as mudanças políticas que se instalaram. 2017 será um ano de muitas eleições no continente. As mais importantes são as da Holanda, de França e da Alemanha. E em todas vamos ouvir o eco de 2016 e recordar o dia de ontem, sobretudo enquanto não houver um esclarecimento cabal por parte da polícia.