Antes pelo contrário
Daniel Oliveira
Operação Marquês: desta vez é mesmo sério
Quando todos perceberam que, mais uma vez, a apresentação da acusação a José Sócrates ia ser adiada, muitos se apressaram a justificar: eram as cartas rogatórias, a complexidade do processo, todo o novelo complexo montado pelo ex-primeiro-minstro. Tudo isso pode ser verdade, mas a insuspeita Joana Marques Vidal fez pagar caro o não cumprimento da data por si determinada. As acusações de descoordenação e centralização foram para a Autoridade Tributária mas também para o procurador Jorge Rosário Teixeira, que foi publicamente desautorizado.
A ira da Procuradora Geral da República, acompanhada pelo habitual passa-culpas, faz temer o pior. E o pior é não vir aí uma acusação totalmente blindada a qualquer tentativa de desacreditação. Porque isso permitiria ou uma absolvição cheia de dúvidas, que levaria o povo a gritar que os poderosos se safam sempre, ou a uma condenação cheia de buracos, que levaria Sócrates e os seus advogados a falarem num julgamento político. Qualquer das duas acusações seriam trágicas para a credibilidade da Justiça e da democracia.
Apesar de ser impensável uma investigação sem fim, este processo não pode morrer de arquivamento. Tem de ir até ao fim e se o fim for pífio os responsáveis pela investigação têm mesmo de ser chamados à pedra
Joana Marques Vidal fez bem em não atender às exigências da defesa de Sócrates, que pede um arquivamento. Apesar de ser impensável uma investigação sem fim, este processo, pela sua importância e impacto, pela gravidade do que está em causa e as consequências políticas das suspeitas que existem sobre Sócrates, não pode morrer de arquivamento. Tem de ir até ao fim - e se o fim for pífio, os responsáveis pela investigação têm mesmo de ser chamados à pedra.
O que mais perturba é o contraste entre o que parece, ouvindo as críticas da Procuradora Geral da República, ser o estado da investigação e o mar de acusações, “provas” e escutas que inundam a CMTV. Parece haver uma diferença abissal entre a investigação judicial e o julgamento mediático. E isto é grave, porque quer dizer que há um julgamento que prepara a fragilidade do outro. Em última análise, pode querer dizer que há quem, com o dever de fazer justiça, pensa que a justiça popular televisionada pode substituir a justiça dos tribunais. Só que desta vez, pela relevância de todo este processo, nenhum arquivamento ou absolvição por falta de provas poderá ser compensado por qualquer convicção da opinião pública, por mais fundada que seja. Desta vez é mesmo sério. Quem faz tremer o regime com a prisão de um ex-primeiro-ministro e a suspeita de uma teia de corrupção de dimensões colossais não pode, no fim, apresentar menos do que uma acusação à prova de bala. Toda a pressão está sobre o Ministério Público.