Políticas

PS ou PSD: Que governos são mais amigos da natalidade?

Foto João Carlos Santos

Foto João Carlos Santos

O PSD tomou a dianteira e propôs um generoso pacote de incentivos às famílias com filhos. António Costa quer os parceiros sociais a discutir políticas de conciliação entre trabalho e família. Enquanto os dois partidos disputam o protagonismo nos incentivos à natalidade, fomos saber qual dos dois — PS ou PSD — fez mais quando esteve no Governo

Texto Raquel Albuquerque e Sónia Lourenço Infografia Sofia Miguel Rosa

É incontornável, e em matéria de diagnóstico há consenso. Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa e continua a envelhecer. Temos dos piores números de natalidade – só a Itália fica atrás – o que, também conjugado com o aumento da esperança de vida, tem um resultado claro: há cada vez mais idosos e menos crianças e jovens. É o futuro do país que está em causa e, segundo as últimas previsões do INE divulgadas na semana passada, Portugal vai baixar da fasquia dos 10 milhões de habitantes até 2033 e chegará a 2080 com apenas 7,7 milhões. São menos 2,6 milhões de pessoas do que hoje.

É sabido que os índices de natalidade não voltarão a ser o que eram, devido às transformações sociais das últimas décadas, mas os indicadores mais recentes mostram que ainda há espaço para apostar em políticas públicas de incentivo à natalidade. Porque, segundo o inquérito à fecundidade, em média, as pessoas têm 1,03 filhos, mas desejariam ter 2,31 filhos, mais do que têm. E também porque em Portugal ainda se investe pouco no apoio às famílias: segundo os números mais recentes da OCDE (referentes a 2013) a despesa pública com apoios às famílias em Portugal atingiu um pico em 2009 (com 1,45% do PIB), mas o certo é que o país está na cauda da OCDE e da Europa, mesmo nos melhores anos. E muito distantes dos 3,6% do PIB que países como a Dinamarca, Suécia ou Luxemburgo destinam às famílias.

Que políticas são mais eficazes?

Para os especialistas, Portugal já acordou tarde para este problema, embora admitam que seja muito difícil atuar nestes domínios.

“O apoio à natalidade é uma questão muito complexa. Ninguém sabe ao certo que tipo de incentivos resultam”, afirma ao Expresso João Peixoto, sociólogo e investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Até porque medir o impacto de uma determinada política na natalidade leva tempo. Maria Filomena Mendes, demógrafa e presidente da Associação Portuguesa de Demografia, reforça esta ideia com o facto de “nos últimos tempos termos tido oscilações da natalidade, sempre com uma tendência de declínio. E isso não significa que as políticas postas em prática não tenham contribuído para atenuar esse decréscimo.”

Uma medida de apoio até pode ter um impacto na natalidade, mas as condições estruturais da vida de quem quer ter um primeiro filho ou de quem quer ter o segundo têm um grande contributo para a decisão.

Garantir estabilidade no emprego, combater a precariedade e assegurar um nível salarial suficiente para fazer face às despesas são questões básicas. “A habitação também é uma destas medidas que não são diretamente viradas para a natalidade mas que têm um grande contributo”, nota a demógrafa.

Por outro lado, é preciso garantir estabilidade nas próprias medidas. “Quando se decide ter um filho, há certos apoios que podem criar um ambiente favorável para essa decisão. Mas esta é uma decisão para a vida. E não pode haver uma medida numa legislatura que depois já não existe na legislatura seguinte”, aponta Maria Filomena Mendes.

O sociólogo João Peixoto aponta no mesmo sentido. “Não é com um incentivo aqui e ali que as coisas se resolvem. São precisas políticas sistemáticas, de longo prazo.” Portanto, não basta lançar novas medidas. É preciso um consenso que garanta que elas vão perdurar para além do Governo que as implementa.

Ainda que rejeitem atribuir notas aos Governos, os dois especialistas fazem referência a quatro grandes áreas — partilha de licenças parentais, conciliação entre trabalho e família, aposta nas creches e apoios financeiros — que consideram importantes e que serviram de guião ao nosso levantamento.

Igualdade de género e partilha da licença parental

A primeira é a partilha da licença parental, entre a mãe e o pai, e o facto de ela ter passado a ser majorada quando é partilhada. Foi com o Código do Trabalho de 2009, sob a égide do ministro Vieira da Silva, no Governo de José Sócrates, que a medida entrou em vigor. “Este regime é um incentivo para os homens irem para casa e cuidarem das crianças. Os países europeus com maiores níveis de fecundidade são também os que têm maior igualdade de género”, resume João Peixoto.

A desigualdade na distribuição das tarefas domésticas, “com a maioria da carga de tempo a cuidar das famílias a incidir sobre as mulheres”, é precisamente uma das razões apontadas em vários estudos para que os casais não avancem do primeiro para o segundo filho. E, na opinião de Maria Filomena Mendes, “tem de ser uma obrigação dos governos garantir essa igualdade no trabalho”.

Para além da questão da igualdade de género e distribuição mais equilibrada de funções e responsabilidades, as licenças partilhadas têm um impacto positivo direto na carreira das mulheres. “Apoiar-se a mulher que trabalha é muito importante”, aponta a demógrafa. Em causa está a necessidade de garantir que a mulher não é penalizada no mercado de trabalho – na evolução da sua carreira profissional, dos salários e até carreira contributiva – por ter obrigatoriamente de usufruir da licença.


 

Condições entre trabalho e família

A flexibilização dos horários de trabalho e a disponibilidade das empresas para estarem “mais recetivas” às mães e aos pais que trabalham são questões igualmente fundamentais.

“São ainda difíceis mas é importante criar uma cultura nesse sentido”, aponta Maria Filomena Mendes. “Em Portugal, as mães e os pais trabalham demasiado tempo. E por vezes confunde-se a produtividade com a total disponibilidade. É preciso ter tempo para a família”, embora esta seja uma área onde os resultados mais escasseiem. O primeiro-ministro António Costa voltou a colocar ênfase nesta questão, esta semana, mas ainda não apresentou propostas concretas.


 

Aposta em creches e outros equipamentos

A falta de infraestruturas de apoio à infância, como as creches, gratuitas ou a preços acessíveis é um dos graves mais problemas que as famílias enfrentam. Mesmo que não seja o obstáculo mais importante na decisão de ter um primeiro filho, “é uma das primeiras barreiras a desmotivar”. Sobretudo quando um casal pondera em ter um segundo filho e prefere adiar o seu nascimento até garantir que o primeiro já está numa escola pública, para que não tenha de estar a pagar duas mensalidades numa creche. “O adiamento acaba por resultar em não ter o primeiro ou não chegar a ter o segundo”, resume a presidente da Associação Portuguesa de Demografia.

Mas para além da falta de creches e dos seus preços, também há a questão dos horários, que por vezes são incompatíveis com os horários de trabalho dos pais (o que, por outro lado, acaba por colidir com outra das medidas mais relevantes: a conciliação do trabalho e da família).


 

Apoios financeiros

Os apoios financeiros atribuídos pelas autarquias e, sobretudo, o abono de família – que o PSD propôs substituir com um subsídio fixo e universal atribuído a todas as crianças até aos 18 anos – têm feito sempre parte das medidas mais diretamente direcionadas às famílias como apoio às despesas que um filho implica.

Apesar do seu peso, sobretudo nos escalões de rendimentos mais baixos, os especialistas realçam que o tipo de razões que levam os casais a adiar o nascimento de um filho fazem relativizar o peso que esta medida tenha na decisão. “Este tipo de razões indica que simplesmente atirar dinheiro às famílias, só por si, não vai resolver o problema”, defende João Peixoto.

O que já foi feito?

Utilizando esta grelha de análise, fomos então ver quem fez o quê em matéria de incentivo à natalidade, usando como base um levantamento feito pelo Observatório das Famílias e das Políticas de Família (OFAP) do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

“O período entre 2005 e 2009 foi muito importante do ponto de vista das políticas de família”, resume Mafalda Leitão, investigadora do OFAP, em referência ao investimento em creches, na partilha das licenças, no reforço dos direitos do pai ou na introdução de subsídios sociais. “Mas, ainda em 2010, no contexto de início da crise, o mesmo Governo retraiu essas políticas e houve uma inversão.” No governo PSD/CDS, que veio de seguida, num contexto de crise e com a entrada da Troika, “houve um retrocesso”, nota. “Já o governo atual tem tentado repor os apoios, mas a ajuda económica dada às famílias ainda não está nos níveis pré-crise”, conclui Mafalda Leitão.

Dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes até ao atual de António Costa adotaram-se dezenas de medidas, muitas delas com revezes ao longo do tempo, devido à crise financeira.

Durão Barroso/Santana Lopes

Durão Barroso primeiro e Santana Lopes depois, em coligação com o CDS/PP, governam em condições de dificuldade. É nesta fase que Portugal enfrenta o primeiro procedimento por défice excessivo e se lança mão de medidas extraordinárias como a titularização de créditos fiscais e a transferência de fundos de pensões privados para a esfera do Estado.

Igualdade de género e partilha da licença parental

- Passa a ser obrigatório o pai tirar 5 dias de licença no primeiro mês de vida da criança


 

Conciliação entre trabalho e família

- É introduzido o 5º mês de licença de maternidade (os primeiros 4 pagas a 100%, o 5º pago a 80%).

- As faltas para assistência a filhos até 10 anos em caso de acidente ou doença passam a ser subsidiadas (até um máximo de 30 dias de faltas por ano). Faltas para membros da família com mais de 10 anos dão direito a 15 dias de falta justificadas (não subsidiadas).


 

Aposta em creches e outros equipamentos

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Apoios financeiros

- É atribuído um adicional no abono de família para famílias mais carenciadas, e majoração para famílias numerosas


 
 

José Sócrates

José Sócrates herda um défice a roçar os 7% do PIB e começa o seu mandato com uma vaga de medidas de austeridade (sobe IVA, IRS e idade da reforma). Em 2007 consegue o maior crescimento da década, mas dois anos depois a crise financeira atirar o país para a recessão, levando-o a uma nova ronda de austeridade e a reverter algumas das medidas de estimulo à natalidade que tinha lançado, nomeadamente no abono de família.

Igualdade de género e partilha da licença parental

- Os termos maternidade e paternidade desaparecem, introduzindo-se o conceito de “parental” nas prestações

- A licença obrigatória do pai passa de 5 para 10 dias

- o 6º mês de licença é subsidiado em 83% (e não a 80%) se o período for gozado em exclusivo pelo outro progenitor (em regra, o pai)


Conciliação entre trabalho e família

- A licença parental pode ser estendida até aos 9 meses ou 12 meses, sendo os últimos 3 meses subsidiados a 25%

- Os pais podem faltar até 30 dias, subsidiados a 65%, para assistir a filhos até 12 anos (até então eram 10 anos). As faltas para assistência a filho em caso de doença podem ser dadas pelos avós em substituição dos pais

- A proteção social da parentalidade é equiparada ao regime de adoção de criança até 15 anos de idade


Aposta em creches e outros equipamentos

- Estado assegura que todas as crianças a partir dos 5 anos têm ensino pré-escolar gratuito. Foi ainda criada uma linha de apoio financeiro aos municípios para alargamento da rede pré-escolar

- Escolas públicas do pré-escolar e primeiro ciclo do ensino básico passam a estar obrigatoriamente abertas pelo menos até às 17h30m e, no mínimo, oito horas diárias


Apoios financeiros

- É criado um abono de família às mulheres grávidas durante o período pré-natal após a 13.ª semana de gestação e até ao nascimento da criança

- São criados quatro subsídios sociais para famílias de mais baixos rendimentos

- É lançado o passe escolar, com redução de 50% sobre o preço do título de transporte)


Passos Coelho

Sob a batuta da troika, Passos Coelho governa em condições excecionalmente difíceis, com aumentos de vários impostos, corte generalizado de apoios sociais e aumento histórico do desemprego. A incerteza que rodeava o contexto económico e social levou a um novo afundar da taxa de natalidade. Em 2015, com a economia a começar a espevitar, a reforma do IRS dá um cheque generoso às famílias com filhos, que só se sentiria no ano seguinte.

Igualdade de género e partilha da licença parental

- A licença obrigatória do pai passa de 10 para 15 dias úteis obrigatórios (só entrou em vigor após a aprovação do Orçamento de Estado para 2016).

- Entre os 120 e os 150 dias da licença parental inicial, ambos os pais passam a poder estar de licença em casa ao mesmo tempo, por um período máximo de 15 dias


Conciliação entre trabalho e família

- Os pais com crianças até 3 anos de idade podem trabalhar em regime de teletrabalho, mediante acordo da empresa


Aposta em creches e outros equipamentos

- O aumento do número de crianças por sala nas creches


Apoios financeiros

- Foi introduzido o quociente familiar, no âmbito da reforma do IRS, substituindo o quociente conjugal, podendo as famílias ter direito a uma dedução até 2.000 euros no IRS. A medida foi muito criticada por poder beneficiar mais as beneficiar mais abonadas, mas, independentemente disso, a generalidade das famílias com filhos passou a ter descontos maiores no IRS (a medida só teve contudo impacto orçamental relevante em 2016)

- As famílias com filhos passaram a poder beneficiar de um desconto na taxa de IMI (por opção da autarquia)


António Costa

Primeiro-ministro desde 2015, António Costa governa num contexto económico favorável. O PIB cresce acima da média europeia, o desemprego recua, e o índice de fecundidade recupera ligeiramente. Apesar de ter prometido um alargamento da licença obrigatória do pai de 15 para 20 dias e de desafiar os parceiros sociais a um amplo consenso sobre políticas de conciliação entre emprego e família, até agora, tem poucas medidas para mostrar.

Igualdade de género e partilha da licença parental

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Conciliação entre trabalho e família

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Aposta em creches e outros equipamentos

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Apoios financeiros

- É gradualmente aumentado até 2019 do abono de família para a 1ª infância. O quarto escalão é reposto para as crianças até aos 36 meses.

- É alargado o acesso ao subsídio para assistência a filhos e ao subsídio para assistência a netos aos trabalhadores independentes

- O quociente familiar é substituído pelo quociente conjugal, levando a um novo aumento das deduções à coleta em IRS para quem tem filhos