BASE DAS LAJES
Negociações entre Portugal e os EUA adiam descontaminação da ilha Terceira
As negociações Portugal/EUA sobre a Base das Lajes não avançaram em dossiês cruciais como a pegada ambiental, mas há uma boa notícia para Portugal: o processo de redução da atividade da base será suspenso até ficar esclarecido se esta pode receber o Centro Conjunto de Análise de Informações dos EUA
TEXTO VIRGÍLIO AZEVEDO FOTOS JOSÉ VENTURA
A apresentação do plano de intervenção das autoridades americanas nas zonas contaminadas por toda a ilha Terceira, devido ao armazenamento e transporte de combustíveis no âmbito da atividade da Base das Lajes, foi adiada na reunião extraordinária da Comissão Bilaterial Permanente entre Portugal e os EUA, que decorreu na terça-feira em Washington durante 14 horas.
O chamado dossiê da pegada ambiental não teve qualquer avanço nas negociações entre os dois países, porque apenas foi decidida a criação de um comité técnico de especialistas em ambiente, que vai avaliar em 2016 os potenciais focos de contaminação em toda a ilha, onde vivem 56 mil pessoas.
“Na perspetiva dos interesses do concelho da Praia da Vitória, onde se localiza a Base das Lajes, era neste dossiê que nos interessava um avanço em termos de negociações, nomeadamente a aprovação de um cronograma de intervenção nas zonas contaminadas”, explica Roberto Monteiro ao Expresso. O presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória participou na reunião em Washington na qualidade de membro da Comissão Bilateral Permanente. “Mas os interesses americanos prevaleceram sobre os interesses portugueses e os EUA não estão a remover os focos de contaminação da base ao ritmo desejado e à profundidade exigida”, sublinha o autarca.
Contaminação da água por hidrocarbonetos?
Uma das preocupações das autarquias da Terceira e do Governo dos Açores é a possível contaminação dos lençóis freáticos por hidrocarbonetos. “Quanto mais tempo esperarmos pela resolução da pegada ambiental da base, maior é o risco”, alerta o presidente da Câmara da Praia da Vitória. E se de repente for detetada uma contaminação dos lençóis freáticos, “não temos alternativas de abastecimento de água para consumo, porque estamos numa ilha”.
Existe um estudo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) que identificou áreas de contaminação na base, onde os americanos já estão a atuar, no âmbito dos trabalhos acordados por Portugal e pelos EUA. Mas os EUA têm infraestruturas espalhadas por toda a ilha Terceira, grande parte delas abandonadas há décadas, que estão basicamente ligadas ao armazenamento e transporte de combustíveis. E nestas infraestruturas ainda não houve qualquer atuação.
Por outro lado, mantêm-se entre a população e os responsáveis políticos locais suspeitas de que podem ter existido alguns testes com produtos radioativos feitos pelos americanos na primeira fase de funcionamento da Base das Lajes. Há mesmo colinas onde não cresce qualquer tipo de vegetação. “São histórias com mais de 40 anos, dos primeiros tempos da base, mas nunca houve um estudo comprovativo desta matéria”, reconhece Roberto Monteiro.
Polémica no plano económico de mitigação
O autarca critica, entretanto, o facto de Portugal não ter apresentado na reunião em Washington o plano de mitigação para a Base das Lajes. O plano com as medidas destinadas a minorar o impacto económico e social na ilha Terceira da redução drástica da atividade da base “deveria estar pronto em maio”, segundo Roberto Monteiro, e há cerca de um ano o Governo Regional dos Açores elaborou uma proposta nesse sentido, com a colaboração das autarquias da ilha. “Mas Portugal não apresentou em tempo útil esse plano, o que representa um grave prejuízo para a população do concelho da Praia da Vitória e para toda a ilha Terceira”.
O nível de emprego na Praia da Vitória está a cair desde 2010 e o impacto económico e social direto da redução da atividade da Base das Lajes atinge o equivalente a 30% do PIB do concelho, onde vivem 21 mil pessoas, e de 12% do PIB da Terceira, que tem 56 mil habitantes. Nos últimos dois anos esse impacto tem sido mais sentido na economia da ilha, onde 400 casas já deixaram de ser alugadas a americanos por causa da redução da atividade da base aérea.
Roberto Monteiro sublinha que a próxima reunião da Comissão Bilateral irá realizar-se nos Açores em novembro, “o que significa que teremos de esperar pelo Governo que sair das eleições legislativas de outubro para que esse plano avance, de modo a resolver uma situação que já teve um impacto económico devastador na região”. O autarca diz que a falha na apresentação do plano de mitigação “se deve exclusivamente ao Ministério da Economia, já que os ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional fizeram o que lhes competia nestas negociações”.
Leonardo Matias, secretário de Estado Adjunto e da Economia e coordenador do plano, denominado “Desafios e oportunidades para a ilha Terceira”, contesta em declarações ao Expresso as afirmações do presidente da Câmara da Praia da Vitória. “Há aqui um equívoco, porque não tínhamos um prazo até maio para a conclusão deste trabalho e, por outro lado, ele não serve de base à negociação política e diplomática com os EUA, que é conduzida pelos ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional, e pelo Governo Regional dos Açores”. Entre os seis membros da Comissão Bilateral Permanente “não há, aliás, nenhum representante do Ministério da Economia, embora haja coordenação com os outros ministérios”, esclarece o governante.
Medidas para revitalizar a economia da Terceira
O secretário de Estado revela que o documento foi enviado ontem, quarta-feira, aos sete membros do Grupo Interministerial criado para o processo da Base das Lajes. O grupo terá agora de se pronunciar até 30 de junho, propondo eventuais alterações, e depois o documento final será entregue durante a primeira quinzena de julho ao primeiro-ministro e ao presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro. “Por isso mesmo, não terá de esperar pelas eleições legislativas e pelo próximo governo”.
O documento tem três partes fundamentais: o diagnóstico da economia da Terceira, com vários cenários sobre o impacto da redução da atividade da Base das Lajes; as dez medidas de curto, médio e longo prazo para revitalizar a economia da ilha; e as conclusões com um anexo estatístico que as fundamenta. “Este plano vai ser importante para os agentes económicos locais identificarem as oportunidades e desafios que se apresentam para desenvolver a economia da Terceira nos próximos anos”, sublinha Leonardo Mathias.
Em Washington estavam na mesa seis grandes dossiês (ver caixa): a operacionalidade do Aeroporto das Lajes, a situação do pessoal português da base, o destino das suas infraestruturas (mais de 450 edifícios), a pegada ambiental e as medidas de mitigação. E um dos dossiês mais difíceis em termos de negociação era o das infraestruturas, onde a posição de Portugal prevaleceu.
Negociação das infraestruturas da base suspensa
Assim, segundo um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) divulgado na quarta-feira à tarde, “foi decidido que o processo de reconfiguração das infraestruturas da Base das Lajes será, no essencial, suspenso até à clarificação das iniciativas de utilização alternativas propostas ao Departamento de Defesa pelo Congresso norte-americano”.
No mesmo comunicado, o MNE salienta que “a delegação portuguesa encorajou o governo dos EUA a apoiar as possibilidades de usos alternativos para a Base das Lajes, e deu conta da forma muito positiva com que encara todas as iniciativas de valorização da importância estratégica da base, incluindo o estudo que está a ser desenvolvido pela Câmara dos Representantes” dos EUA.
O MNE refere-se, concretamente, à proposta do congressista de origem portuguesa Devin Nunes, que o Expresso noticiou em primeira mão na edição de 30 de maio. Este proposta defende a transferência do Centro Conjunto de Análise de Informações dos EUA para as instalações disponíveis da Base das Lajes, quando este centro estava previsto inicialmente para a Base de Croughton, no Reino Unido, o que envolveria um investimento de 281 milhões de euros.
Na terça-feira, precisamente quando decorriam as negociações entre Portugal e os EUA em Washington, a Câmara dos Representantes aprovou o orçamento para 2016 que suspende a redução da atividade na Base das Lajes até ser esclarecido que esta infraestrutura não tem condições para receber o Centro Conjunto de Análise de Informações.
EUA: poupar centenas de milhões de dólares
Em declarações à agência Lusa nesse mesmo dia, o congressista Devin Nunes, que preside ao comité dos Serviços de Informação da Câmara dos Representantes, sublinhou que “esta câmara já disse de forma clara que a Base das Lajes deve ser reaproveitada”. E achou “alarmante que o Departamento de Defesa dos EUA queira levar os contribuintes numa viagem louca, gastando centenas de milhões de dólares a construir noutros locais infraestruturas que já existem nas Lajes”.
Em todo o caso, a proposta de Devin Nunes terá ainda de ser aprovada pelo Senado em outubro e ser consensualizada com a administração Obama. Mas para já, a suspensão das negociações sobre a reconfiguração das infraestruturas da base, muito favorável à posição de Portugal, tem também uma segunda vantagem.
Assim, “qualquer tipo de trabalho nas infraestruturas que seja feito daqui para a frente pelos americanos, obrigará a uma contrapartida de interesse nacional e, mesmo assim, a decisão final caberá sempre ao ministro da Defesa Nacional português”, revela Roberto Monteiro. O presidente da Câmara da Praia da Vitória acrescenta que “este é talvez o maior dos trunfos para Portugal, em termos do processo negocial com os EUA no futuro”.