LÓBIS
Especialistas alertam: nova lei deve incluir atividades dos deputados
O Governo prepara-se para criar um registo para os lóbistas, como agências de comunicação, consultores, associações, ONG's, mas não inclui parlamentares. Falámos com lóbistas, representantes do sector das agências de comunicação e especialistas em corrupção. E deixar os deputados de fora é a crítica mais ouvida
TEXTO CAROLINA REIS FOTOS JOSÉ VENTURA
Há quem diga que não acredita em bruxas. Mas que as há, há. Sem feitiços nem poções, a indústria do lóbi em Portugal é um pouco como as bruxas. Não existe legalmente, não está regulada e o assunto, por vezes, até é incómodo. Mas depois as coisas acontecem.
Um centro comercial que abre, uma espécie que é protegida. Não há grande novidade. Lá se fora já se faz há anos, ou seja, já se conhecem as bruxas. Agora, o Governo prepara-se para criar um decreto-lei que vai levar ao registo das entidades que o fazem, como agências de comunicação e consultadoria, mas deixa de fora os deputados.
“Se o regulamento excluir os deputados introduz mais uma discriminação positiva para os parlamentares no mercado do lóbbying. A lei deixa-os de fora para que eles não tenham de declarar os interesses que representam. Portanto a melhor maneira de contratar lóbbying em Portugal continuará a ser contratar um deputado. Já se poupava na mediação. A partir de agora poupa-se na transparência”, afirma Luís Paixão Martins, fundador da LPM, uma das maiores agências de comunicação do país, depois de tomar conhecimento do decreto-lei que o Governo se prepara para aprovar.
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A melhor maneira de contratar lóbbying em Portugal continuará a ser contratar um deputado. Já se poupava na mediação. A partir de agora poupa-se na transparênciaLuís Paixão Martins
O "Diário Económico" escreve hoje que a nova legislação, que por ser decreto-lei não precisa de passar pela Assembleia, irá regulamentar o lobby através da criação de um registo de transparência, no qual os grupos de pressão, como empresas de consultadoria, ONG, think tanks, agências de comunicação, universidades, associações, sindicatos, se podem acreditar e ficar sujeito a um código de conduta. De fora, contudo, ficam os deputados.
“Se é assim, então, é o mesmo que nada”, diz Maria José Morgado, Diretora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. Para a procuradora, habituada a coordenar processos de corrupção como o Apito Dourado, não vale a pena fazer leis por fazer. É necessário que sejam aplicadas e que sirvam para revelar todos os conflitos de interesse.
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Se é assim, então, é o mesmo que nadaMaria José Morgado
Assim como está, continua a ser mais útil chegar a um deputado. “Além de se poupar na media, poupa-se na transparência”, acusa Paixão Martins que em tempos teve um projeto de legalização do lobbying. “Quem tiver inteligência contrata um deputado, já que todos os outros passam a ter de declarar os seus interesses.”
As grandes empresas, porém, não têm sequer necessidade de contratar um deputado. “Não precisam de mediação, agarram no telefone e falam diretamente com o ministro em causa”, aponta Luís Sousa, da Associação Transparência e Integridade.
Este primeiro passo, como a Associação Portuguesa das Agências de Publicidade, Comunicação e Marketing (APAP), o define, é um progresso face a um cenário em que não existe qualquer legislação. “Devem também ser incluídos, não é uma vantagem para eles, já que pressupõe que são pessoas de bem”, diz Sofia Barros, da APAP, lembrando que os parlamentares fazem um registo de interesses.
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[As grandes empresas] Não precisam de mediação, agarram no telefone e falam diretamente com o ministro em causaLuís Sousa
Deputado lobista
Portugal não será pioneiro na regulamentação do lobby. Nos parlamentos dos Estados Unidos, Reino Unido e Bruxelas é algo já comum, ainda que polémico. Joaquim Martins Lampreia foi durante muitos anos o único lobista português registado no Parlamento europeu. Hoje, já tem a companhia de grandes associações e empresas como a CAP, a CIP ou a EDP.
Enquanto que em Bruxelas está devidamente identificado - tem um livre trânsito - e fica registado todas reuniões que tem e com quem tem, em Portugal é um 'simples' consultor e ninguém sabe bem com quem se encontra. “Enquanto nas instituições europeias há uma pegada de legislativa, de quem fala com quem, em Portugal há menos transparência.” Em algumas alturas da vida, Lampreia já teve concorrência desigual, perfeitamente legal, mas muito desigual. “Quando estava com a elétrica francesa, o lobista da Iberdrola era o deputado Pina Moura. A minha concorrência estava dentro do Parlamento, era perdido à partida.” O problema está no facto de 1/3 dos deputados não estar em regime de exclusividade. Mesmo assim, “é melhor ter esta legislação do que não ter nada”.
O Governo não respondeu até ao fecho deste artigo às questões do Expresso.