João Vieira Pereira

Opinião

João Vieira Pereira

A metamorfose de Centeno

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Quero crer que não fui eu que, de um momento para o outro, passei a entender e a gostar dos planos do ministro das Finanças. Talvez tenham sido os ares de Bruxelas, a elevação a presidente do Eurogrupo ou a ideia de que já tem reservado um lugar de comissário europeu.

É claro que Mário Centeno mudou o seu discurso. Hoje já não é mais o ministro das Finanças que nem entrava no núcleo duro político — (onde além de António Costa estavam Vieira da Silva, Santos Silva, Pedro Marques e Eduardo Cabrita) — de um Governo de esquerda que existe pela mão da extrema esquerda.

Se a fama europeia lhe retornou algum bom senso só podemos estar contentes. A entrevista, mais uma das que se tem desdobrado a dar nos últimos tempos, hoje publicada no “Negócios” é de quem tem uma visão muito pouco expansionista das finanças públicas. Reconhece que o bom desempenho orçamental se deve à elevada quebra nos juros pagos e no desempenho da economia, nomeadamente do desemprego. Ou seja, beneficiamos de um ajustamento conjuntural e muito pouco estrutural.

“Sempre que em Portugal temos um período infelizmente não muito longo, em que o sol brilha, há sempre um enorme apetite pela despesa.” Esta frase, que poderia ter sido dita por Vítor Gaspar, é agora assumida por Centeno. O mesmo que defende, tendo por base a teoria de Keynes (que muitos dos que à esquerda usaram o seu nome tendem agora a esquecer), que é preciso usar as folgas orçamentais com juízo.

Centeno goza hoje o seu sucesso. À boleia de uma economia internacional que continua forte. E apesar de estarmos nos últimos lugares da Europa em termos de crescimento, estamos a crescer. O que interessa é ganhar, mesmo que seja pela diferença mínima, que joguemos mal ou que o árbitro ajude. Os três pontos, esses ele já os tem.

O Governo está a preparar a maioria absoluta de 2019. Não interessa que não existam aumentos salariais ou de pensões este ano, eles existirão na altura de ir às urnas.

Tanto que nem esconde que ele também sabe gerir o ciclo político quando, perante a pertinente pergunta, “então confirma que a folga de 2017 em parte está a ser guardada para 2019, ano de eleições?”, reponde com um singelo: “Exatamente!”

O Governo está a preparar a maioria absoluta de 2019. Não interessa que não existam aumentos salariais ou de pensões este ano, eles existirão na altura de ir às urnas. E tudo feito com mestria conseguindo capturar Bloco e PCP, presos a discursos que pouco dizem a quem vota como: “É preciso mais investimento público”, e a direita sem espaço para poder brilhar.

E é por isso que 2018 vai ser o ano. Com um quase superavit orçamental (o défice sem o dinheiro injetado no Novo Banco ficará este ano, segundo as contas do Governo, nos 0,3%), desemprego em queda. Tudo para ajudar as eleições.

E depois de 2019? Nessa altura Centeno já não será ministro, voará pela Europa quem nem Ronaldo, vendendo o alegado milagre que ele conseguiu sozinho. Mas com ele irá também a folga orçamental e continuarão por fazer as reformas da administração pública, do mercado de trabalho, da Saúde, da Educação. A produtividade continuará a cair, teremos os salários mais baixos do Euro e um crescimento miserável. Tudo na mesma.