HÓQUEI EM PATINS | EDO BOSCH
“No desporto de alto nível, é difícil andarem todos felizes no balneário”
HISTÓRICO Aos 40 anos, o guarda-redes catalão troca a camisola azul e branca pela azul mar da Juventude de Viana, viagem assinada a bordo do Gil Eanes, o antigo navio-hospital da frota bacalhoeira transformado em museu e centro náutico FOTO RUI DUARTE SILVA
Chama-se Juan Ignacio, mas desde que chegou ao Porto, em 1998, é simplesmente Edo Bosch, os nomes de família do pai e da mãe, que tantas vezes o levaram aos treinos quando se iniciou no hóquei em patins, aos cinco anos, em Barcelona. Aos 40, depois de 29 títulos de azul e branco, está de abalada para a Juventude de Viana, deixando sobre rodas no Dragão o filho Alejandro. Torceu pela seleção portuguesa, de futebol e de hóquei em patins, conta porque deixou de ser internacional por Espanha e revela que em todos os balneários há choques de egos: “Muitos galos juntos dão problemas”
TEXTO ISABEL PAULO FOTOS RUI DUARTE SILVA
Vai jogar no Juventude de Viana com o número 47, com o qual já jogava no FC Porto. Tem um significado especial?
Sou muito ligado à família, o grande pilar de um desportista. Nos bons momentos tudo é muito fácil, muitas palmadinhas nas costas, mas quando correm mal é difícil de superar. Costumo dizer que a vitória dura 24 horas e as derrotas demoram semanas a esquecer. E a família é a primeira força que nos ajuda a erguer. O 47 é a data do meu casamento – 4 de julho.
Está a festejar quantos anos de união?
14 anos. Pedi para manter o número no Juventude de Viana como tributo à Susana.
Tem 40 anos...
Sim...(risos). Cheguei a Portugal há 18 anos, com 22. Jogava no Noia, a 25 quilómetros de Barcelona.
Vai a Barcelona com frequência?
Tenho lá os meus pais e vou no verão e no Natal. Gostava de ir mais vezes, mas com o calendário do hóquei, a escola dos miúdos e o meu trabalho no Banco Carregosa, no Porto, é complicado.
E tem o restaurante Vinho Tinto, no Cais de Gaia...
Vendi em 2012 o de Gaia. Não tinha tempo para ajudar a minha mulher, que tinha a responsabilidade da gestão e pouco tempo para acompanhar os filhos. Também tive um aqui. Como vê, a minha relação com Viana do Castelo vem do passado, até porque o meu filho mais novo, o Alejandro, foi aqui batizado, no Santuário do Monte de Santa Luzia. É vontade da Susana batizar os filhos num monte. O mais velho, o Américo, foi no Bom Jesus de Braga.
Depois de tantos anos, o que é que ainda o faz calçar os patins?
Adoro o hóquei. É a minha vida desde os cinco anos, mas acharia que era impossível, uma brincadeira, se me tivessem dito quando vim para o Porto que jogaria até aos 40. Fiz várias renovações de contrato no FC Porto e lembro-me que, aos 27 anos, o Eurico Pinto, filho do vice-presidente que me contratou e agora também dirigente, disse que eu ainda iria jogar mais 10. Ao sair da Petúlia, a confeitaria da família de Ilídio Pinto, pensei ‘mais 10 são 37 anos, é muito tempo, mas assinava já’.
Não perdeu qualidades?
Sinto-me perfeitamente bem, se assim não fosse descalçava os patins. Sempre me acusaram de não saber perder e é assim. A feijões não sei jogar, jogo para vencer. O FC Porto propôs-me ficar na estrutura como treinador da formação. Não aceitei, porque o meu amigo e ex-adjunto do FC Porto Renato Garrido é o novo treinador da Juventude de Viana e ainda pelo facto de o meu filho mais novo ser guarda-redes lá. Tem 14 anos, é internacional sub-17, e não quero intrometer-me na sua carreira. Além de que, acredito, o Juventude será capaz de ir longe, com jogadores como o André Azevedo, o Nélson, o Gonçalo Alves ou o Félix (que passaram pelo Porto) e o Tó Silva, que jogou no Benfica. E a equipa dirigente também me merece confiança, dou grande importância ao relacionamento de todo o grupo, por isso me custou tanto deixar o Porto, onde fiz amigos para a vida - o maior de todos é o Franklim Pais, meu conselheiro no hóquei e em tudo.
Este é o ano das despedidas dos guarda-redes históricos. O Helton também deixou o FC Porto...
É uma notícia que custa, depois de 11 anos e muitas alegrias. Sei que deve estar a passar por um momento triste, pois sinto o mesmo.
Conviviam?
Nas comemorações do clube. No dia a dia não, que o futebol é um mundo à parte. Temos uma relação mais próxima com os jogadores do basquetebol e andebol, já que trabalhamos todos no Dragão Caixa.
Porque deixou de ir à seleção espanhola?
Por amor ao Porto e à justiça. Entrei na seleção cedo, aos 19 anos, e saí não tinha 23 anos. Chateei-me a sério. Em 1999, o FC Porto ganhou no futebol e em todas as modalidades, tal como aconteceu no Barça. Na Alfândega do Porto houve um jantar de comemoração com o presidente da República e pedi licença ao selecionador para vir a Portugal. Disse-me que só com autorização do presidente da Federação. Pedi e recusou, depois de ter deixado os internacionais do Barcelona irem às celebrações do clube. Não me caiu bem, pois também perderam um dia de treino. A explicação foi que ele era amigo do presidente do Barça. Respondi para ligar ao presidente Pinto da Costa e ficarem amigos. Com a lata dos 22 anos, até disse que lhe dava o número (que não tinha, nunca tive e não tenho). Passou de branco a roxo e deu-me duas opções: ficar ou fazes as malas de vez...
O que respondeu?
Ok. Obrigada por tudo, vou-me embora. Quando estava a fazer a mala, bateram à porta, era o treinador a dizer que tinha falado ao presidente e podia vir. Foi um alívio, pois queria muito ir ao Mundial e não sabia como dizer ao meu pai que abandonava a seleção. No Mundial, depois de ter sido sempre o titular absoluto, não joguei um minuto. Foi castigo, o que achei ainda mais injusto. No fim, comuniquei que para mim a seleção tinha acabado. Foi uma cruz mútua.
Nunca se arrependeu?
Depois de assistir a tantas vitórias da seleção em europeus e mundiais, fiquei com pena de não estar lá com a minha geração. Mas voltaria a fazer o que fiz, que a justiça é para mim um valor fundamental.
Conheceu Lopetegui?
Conheci, quando veio na cerimónia da apresentação dos equipamentos da nova época. Tive muito gosto em falar com ele.
Falhou porquê? Não se adaptou ao futebol português?
Sinceramente não sei o que se passou. Compartilhei o balneário com grandes jogadores que não tiveram sorte. Estiveram um ano ou dois no Porto, não correu bem, foram-se embora e não deixaram de ser bons profissionais noutros clubes. A sorte e os resultados nem sempre andam juntos, nem acompanham um desportista da mesma maneira ao longo da carreira. E o primeiro a pagar é o treinador. Foi pena não ter corrido bem, era sinal de que o FC Porto teria ganho campeonatos com um espanhol à frente. De quem foi a culpa? Uma das coisas boas do Porto é que o que se passa num balneário não transpira para os outros.
Mesmo entre as modalidades?
Não sei o que se passa no basquete ou no andebol, como também não sabem do hóquei. Vou dizer-lhe uma coisa: no desporto de alto nível, é difícil andarem todos felizes no balneário. Há muitos egos, diferentes personalidades. São muitos galos e muitos galos num galinheiro dão problemas. O verdadeiro profissionalismo é que os problemas se resolvam lá dentro. Se não for assim, algo está a funcionar mal.
Casillas também não teve um grande ano...
Infelizmente não. Não o conheço pessoalmente. No clube falaram que iríamos fazer uma entrevista em conjunto, mas como as coisas não correram bem foram adiando e não aconteceu. Ele é meu vizinho na Foz, vai à confeitaria que eu vou e nunca nos cruzámos...
Quando Espanha e Portugal competem, torce por quem?
É difícil, mas primeiro por Espanha e a seguir pela minha segunda pátria, o país onde quero viver o resto da vida.
No Euro 2016, acreditou que Portugal ia ser campeão europeu?
Como desportista, sempre acreditei que para se ser campeão é preciso trabalhar muito mas também é preciso ter a estrelinha da sorte. É muito bom tê-la do nosso lado. Ganhei jogos que se calhar não merecia porque a estrelinha estava lá.
E ficou surpreendido com o título europeu do hóquei português de Portugal, após 18 anos de jejum, e com as goleadas frente a Espanha (6-1) e Itália (6-2)?
Não fiquei nada surpreendido. Sabia da qualidade da equipa e ao falar com eles também percebi que existia uma grande união no grupo. São dois pontos importantes para que haja sucesso e assim foi. Parabéns Portugal, foi realmente a melhor equipa.
Nas eleições de 2015 da Catalunha, votou na coligação independentista ‘Juntos pelo Sim’, de Artur Mas?
Costumo dizer que sou um espanhol da Catalunha que quer viver no Porto toda a vida. Não sou independentista, embora possa perceber que esta seja a vontade de muitos catalães, por razões históricas. A minha formação é em economia e acho que a região tem muito a perder ao separar-se do resto do país. Estou há muito tempo fora, vejo que esse sentimento está mais vivo, mas temo que a Catalunha perca competitividade ao separar-se de Espanha e da União Europeia. Não acredito que a UE aceite a Catalunha como país independente, nem a Espanha o permitiria. A Catalunha e o País Basco foram triturados durante a Guerra Civil, não é fácil esquecer, mas é preciso pesar bem o que é melhor para o futuro.
Rajoy vai formar Governo?
Espero que haja um entendimento. Um país sem governo paralisa e Espanha precisa de sair da crise. Portugal pode servir de exemplo, mesmo que não seja a melhor solução.
Como foi parar ao Porto?
O senhor Ilídio Pinto, que era o responsável do hóquei e foi um pai para mim nos meus primeiros anos no Porto, ligou-me para casa. Estava a almoçar, falou-me num espanhol estranho, até pensei que fosse uma brincadeira dos colegas. Conhecia o FC Porto das competições europeias, mas só me convenci que era sério quando combinou ir almoçar com os meus pais a Barcelona. Na semana seguinte, os dirigentes do Porto foram ter comigo a Paço de Arcos, onde joguei a final da Taça CERS, para assinar. O Noia ganhou e fui para as bancadas ler o contrato. Ainda não tinha acabado, desligaram as luzes, chateados com a derrota. Assinar à luz de isqueiros.
Nos dragões venceu 29 títulos, entre o quais o decacampeonato. As vitórias nunca cansam?
Dava ainda mais pica. Tínhamos grandes jogadores, como o Reinaldo Ventura, o Filipe Santos. Ganhávamos e 24 horas depois já só pensávamos em ganhar outra vez.
O ciclo quebrou-se porquê?
Como tudo na vida, houve uma renovação. O Franklim saiu, o Filipe Santos, que era um pilar, também, assistiu-se a um desgaste natural. O Benfica também investiu mais...
O FC Porto venceu a Taça de Portugal. É um sinal de retoma?
Acredito que sim. Noto que se está a criar outra grande equipa, com a mesma mística do decacampeonato. Penso que a Taça foi a primeira pedra de outro novo ciclo.
Pinto da Costa assiste com frequência aos jogos?
Quando pode, ou então envia uma mensagem para os responsáveis, a desejar sorte. Fala-se muito na mística portista, mas a alma do clube é o presidente. Quando cheguei às Antas, tentava jogar o melhor possível em cada domingo, mas logo no primeiro mês disseram-se que com esta camisola não é para jogar melhor, é para vencer. Um jogador que queira durar muito tempo no clube tem de ter esse sangue, essa garra.
Vai mudar-se para Viana?
Não. Vamos ser seis ou sete a residir no Porto, portanto o espírito de grupo será em campo, no balneário e durante as viagens juntos. O próximo campeonato será fortíssimo, com os melhores portugueses e grandes jogadores espanhóis.
Além do hóquei, a Câmara de Viana do Castelo tem feito uma grande aposta nos desportos náuticos, do surf à canoagem. Vai deixar-se contagiar pelo espírito atlântico?
Não me parece, nunca fui grande nadador. Mas darei o meu apoio à divulgação do hóquei em patins nas escolas, que é outra aposta da Câmara junto das escolas do Ensino Básico.
Como é que a modalidade sobrevive, sendo tão restrita a quatro ou cinco países?
Eu joguei hóquei porque o meu pai jogava e o meu filho joga porque eu jogo. É um legado muito forte em Portugal por ter sido o primeiro desporto a dar grandes alegrias ao país, tal como em Espanha.
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