JOGOS OLÍMPICOS
Fernando, não te vamos deixar desistir
INCENTIVO O movimento “Carrega, Pimenta!” junta toda a cidade de Ponte de Lima para apoiar o atleta que não se contentou com o quinto lugar no Rio de Janeiro. A namorada Joana, também canoísta, é a torcedora número um de Fernando. DR/FACEBOOK
O que se diz a quem se ama quando o sonho falhou? Quando a distância não permite o beijo? Quando a falta de palavras mais parece uma falha na chamada telefónica? Assume-se a voz embargada, o choro e pede-se calma a quem calma já não tem. Joana Marinho Sousa, namorada de Fernando Pimenta, não conteve as lágrimas - e na ressaca do quinto lugar de quem queria a medalha de ouro, testemunhou ao Expresso o esforço do canoísta de K1. E promete que ali ninguém vai largar os remos: Tóquio, aqui vão eles (mas antes ainda há nova oportunidade para chegar à medalha no Rio de Janeiro)
TEXTO JOANA MARINHO SOUSA (A PARTIR DE UM DEPOIMENTO RECOLHIDO POR CHRISTIANA MARTINS)
Eu fico muito nervosa nas provas dele. E vêm-me sempre as lágrimas aos olhos. Só de falar já estou a chorar. É tão difícil pensar no que aconteceu ontem. Em todo o trabalho, todo o esforço. Pensar no que se passou connosco nos últimos quatros anos e que ele poderia mesmo ter sido o campeão. E pensar que as algas o impediram de conseguir o que ele queria tanto.
O Fernando merecia mais. Fiquei desiludida com o resultado de ontem, mas não foi por mim, foi por ele. Depois da prova, falei com ele duas vezes. Gostava de estar lá, ao lado dele. Não deu. Eu estou a trabalhar, havia também questões financeiras. Não foi possível. Mas eu sei que ele precisava de carinho, precisava de nós lá. Quando falei com ele ontem, ele perguntou-me logo como nós estávamos. Como estava a mãe, os pais. Como eu estava... Eu disse para ele não se preocupar, que estávamos todos bem. Depois de tudo o que lhe aconteceu, a preocupação dele era saber como a perda da medalha nos tinha deixado. A expectativa era enorme.
Quando eu vi a prova, a 500 metros do fim percebi logo que alguma coisa estava errada, que ele não estava tão solto como no início. E quando eu o vi na entrevista da televisão, ele partiu-me o coração! Eu nunca o tinha visto assim. Ele estava tão triste. Claro que não estava satisfeito. O trabalho que foi feito, foi bem feito. Ele sentia-se bem ontem.
Começou a prova à frente até que aconteceu o que aconteceu. O que ele disse das algas não são desculpas. Pode haver pessoas que pensam que sim, mas só quem não conhece o Fernando. Mas nós não podemos ligar a isso, essas críticas não nos interessam. O dinamarquês e o alemão queixaram-se do mesmo. Mas é muito difícil compreender que alguém, na alta competição, possa ver o sonho ir abaixo por causa de algas!
Já tivemos muitas batalhas. Quando falei com ele ao telefone, nem sabia bem o que dizer. Há alturas em que não há palavras, é só a voz engasgada, um bocado de silêncio, só se pede para ter calma a quem já teve tanta calma. Calma e paciência teve ele até agora! Eu disse apenas: oh pá, não foi desta, da próxima vai ser melhor. E nós vamos estar lá contigo. Pronto, foi isso o que eu disse. E sim, estou arrependida de não estar com ele no Rio de Janeiro. Mas não foi possível.
O Fernando tem uma força incrível e vai dar a volta por cima. Daqui a quatro anos vamos estar de volta. Ele não é pessoa de desistir, mas nós também nunca deixaríamos que isso acontecesse. Vai ser difícil, eu também sou uma das pessoas sacrificadas pela dedicação dele. Fico sem ele. Desta vez foram 200 dias de estágio. 200 dias sem ele. Em que ele esteve longe. As pessoas não têm noção do que é isso. São meses de sacrifício. E desistir, aqui ninguém desiste. Sobretudo porque o Fernando gosta muito do que faz. Por isso, quando ele voltar, vamos de férias para recarregar as baterias e depois é começar tudo outra vez.
Na sexta-feira, quando entrar para o K4, ele vai dar tudo. Ele sempre disse que entra para ganhar, que se não for assim não tem piada. O Fernando trabalha sempre para ser o melhor. E quando perde tem ainda mais vontade de ganhar. Ele vai dar o melhor dele, vocês vão ver. Até à próxima prova ainda vou falar com ele e a única mensagem que lhe vou dar é para ele seguir em frente. E pronto, vou dizer que ainda vamos ter a nossa oportunidade e que o dia dele vai chegar. E que vamos a Tóquio!
Gosto muito de ti, tenho muito orgulho em ser teu mano
Além de Joana, a namorada, toda a cidade de Ponte de Lima está a apoiar Fernando Pimenta. Na página do Facebook do atleta há mais de 300 mensagens de encorajamento. Uma tem destaque especial, a do irmão mais novo João, de 11 anos.
Por estes dias, quem não telefona nem coloca mensagens nas redes sociais é o pai de Fernando Pimenta, que tem o mesmo nome do atleta. Em conversa ao telefone com o Expresso, diz que não quer atrapalhar as rotinas do filho. Explica que o canoísta falou terça-feira com a mãe, com os avós. Desde que a competição começou, pai e filho não conversaram. “É ao Fernando que cabe gerir o seu tempo.”
Sem muitas palavras, o pai sublinha apenas que o atleta “fez o que tinha de fazer, o trabalho dele, deu o máximo e, por isso, está de parabéns”. Reconheceu que o filho estava insatisfeito “porque sabia que poderia ter chegado lá”. Mas agora, diz, “é começar a pensar em Tóquio, começar uma nova temporada”. Porque obstáculos já o Fernando está acostumado a ter de ultrapassar.
FOTO LUÍS BARRA
Fernando Pimenta desejou muito sucesso ao filho para esta sexta-feira, a ele e aos três atletas que com Fernando Pimenta vão remar na prova de K4 (João Ribeiro, Emanuel Silva, David Fernandes). Quanto à reação dos portugueses, este pai diz que o país reconheceu o esforço feito pelos atletas. “As medalhas valem muito, mas há que ir em frente”, conclui este Fernando Pimenta.
O que o Fernando Pimenta, filho, ainda não sabe é que Éder, o jogador de futebol que passou a simbolizar a capacidade de reação no desporto nacional, tem uma surpresa para lhe entregar em mãos já no fim deste mês: a sua biografia. Um história de vida para incentivar o canoísta a não baixar os braços. Nem os remos.