Ricardo Costa

Opinião

Ricardo Costa

Marine Le Pen não vem. E Steve Bannon pode vir?

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Uma das intervenções mais interessantes da última Web Summit foi a de Brad Parscale, o americano que liderou a estratégia de Facebook da campanha de Donald Trump. Quase desconhecido nos meios das big techs um ano antes, Parscale veio a Lisboa explicar como tinha pegado numa “invenção liberal” para esmagar eleitoralmente os liberais e tomar de surpresa a Casa Branca. Mais relevante, Brad Parscale foi um dos primeiros a explicar as potencialidades políticas do Facebook e de como a empresa vendia (literalmente) qualquer tipo de serviço ou potencialidade para a ajudar as campanhas políticas que lhe pagassem.

Parscale não falou no palco principal mas tinha a plateia cheia na sessão em que participou. A razão era simples, em 2017 a Web Summit começou a olhar para temas como a privacidade, os limites éticos da inteligência artificial, a facilidade com que as redes podem ser usadas para manipular alvos específicos ou condicionar a opinião pública. Um ano antes, na primeira Web Summit de Lisboa, estes temas estavam quase afastados da principais preocupações.

As implicações das alterações tecnológicas na política têm ganho cada vez mais relevância, por razões tão diferentes como as da manipulação de Moscovo em eleições ocidentais até ao sucesso do Movimento 5 estrelas, passando pela criação do Ciudadanos ou a forma como o Partido Trabalhista de Corbyn tem tanto sucesso nos jovens. Exemplos não faltam, em todas a áreas políticas.

A minha surpresa no convite a Marine Le Pen residia neste ponto. Qual o interesse particular de ouvir a líder da Frente Nacional na Web Summit? Nenhum, a FN é um partido muito antigo, com raízes na direita nacionalista francesa, que tem uma matriz ideológica que infelizmente sempre teve recetividade entre os franceses e que cresceu muito nas últimas décadas. Mas não é um partido que assente numa lógica tecnológica – o En Marche, de Macron, ou a França Insubmissa, de Mélenchon são muito mais.

Steve Bannon é mais perigoso que Marine Le Pen e domina a comunicação atual como poucos. É um homem detestável mas seria um excelente orador. Esse era o problema de Le Pen, não o facto de ser xenófoba e de abraçar muitas ideias do fascismo, mas o de não ser uma oradora com grande interesse neste campo

Marine Le Pen é pouco ou nada recomendável? Sim. É um perigo para a democracia e para a UE? Sem dúvida. Mas se o seu movimento político fosse um caso exemplar de uso das tecnologias, seria uma oradora interessante da Web Summit. Ao contrário do que muitos pensam, não seria uma vinda a Lisboa que normalizaria o fascismo ou a extrema direita, o que normaliza esses movimentos são os votos, são a assunção de parte do discurso extremista por partidos democráticos, é o medo do confronto de ideias, mesmo com gente desprezível.

Quando Jean-Marie Le Pen passou a uma segunda volta das presidenciais em 2002, Jacques Chirac recusou-se a debater com ele e esmagou-o nas urnas. Mas quinze anos depois o debate televisivo já era inevitável, a passagem de Marine Le Pen à segunda volta era expectável, e foi exatamente aí que Macron liquidou Le Pen e colocou a FN em crise profunda. Foi o debate em campo aberto que mais abalou a FN em muitos anos de história, de uma lamentável aceitação por parte dos eleitores franceses, sempre a piscar o olho à xenofobia. Convém não esquecer como Mélenchon fez todo o tipo de acrobacias para não apelar ao voto em Macron e para passar a ideia de que entre a líder da FN e um ex-banqueiro da Rotschild não havia grandes diferenças. E só relembro isto porque Mélenchon é, ele sim, uma verdadeira máquina de uso das tecnologias e da ligação direta aos militantes, quase dispensando a comunicação social no seu bolivarismo bonapartista. Foi o primeiro político a fazer um comício em duas cidades diferentes em simultâneo, com recurso a holograma, tem uma televisão própria, canal no YouTube, dois milhões de seguidores no Twitter, etc.

Eu gostaria de ouvir Mélenchon na Web Summit como gostaria de ouvir Steve Bannon, a explicar as suas lamentáveis guerras culturais contra a democracia liberal. Steve Bannon é mais perigoso que Marine Le Pen e domina a comunicação atual como poucos. É um homem detestável mas seria um excelente orador. Esse era o problema de Le Pen, não o facto de ser xenófoba e de abraçar muitas ideias do fascismo, mas o de não ser uma oradora com grande interesse neste campo.