Martim Silva

Opinião

Martim Silva

Pode legal+legal ser ilegal (e imoral)? Pode. É olhar para César

Contactos do autor

A forma rápida como o Bloco de Esquerda lidou com o problema criado pelo caso dos reembolsos de viagens que os deputados não pagaram só traz à evidência a insustentabilidade da posição, bem resumida nas declarações de Carlos César, de que tudo foi feito dentro dos limites legais.

É que a política é legalidade, mas é muito mais que apenas legalidade.

Claro que o Bloco de Esquerda, ao deixar cair sem pingo de hesitação o seu deputado eleito pela Madeira Paulino Ascensão, pode ter agido movido pelo cálculo político. Por um lado mostra que não pactua com situações menos claras, agindo de forma célere mesmo contra os 'seus'. Por outro, 'entala' objetivamente outros partidos, com o PS em realce, que não conseguiram responder da mesma forma.

No esclarecimento à notícia do Expresso do último fim de semana, Carlos César, presidente do PS e presidente da bancada parlamentar socialista na AR, agarrou-se ao argumento da legalidade:

"Pela minha parte cumpro e sempre cumprirei a legislação e regulamentação em vigor. Neste caso, como em todos e ao longo de toda a minha vida" (ler o artigo AQUI).

Problemas?

Primeiro, não é claro que toda a legalidade tenha sido respeitada. É certo que os deputados têm direito, e bem, a que as suas viagens de regresso aos círculos eleitorais pelos quais foram eleitos, e cujos cidadãos representam, sejam custeadas pela Assembleia da República.

Mas o caso aqui, e não é preciso muito tempo para perceber, é diferente.

É que os deputados têm as viagens pagas e depois ainda usam o chamado subsídio de insularidade a que todos os residentes das ilhas têm direito. Este subsídio existe, e bem, como forma de fomentar a coesão nacional e de permitir a quem vive nos Açores ou na Madeira deslocar-se ao continente a preços acessíveis, o que de outra forma seria bem mais difícil.

Temos aqui portanto o somatório de duas situações perfeitamente legais, se só considerarmos individualmente cada uma delas.

Só que, neste caso, legal mais legal não é igual a legal. É, pelo contrário, igual a uma situação que levanta muitas dúvidas quanto à sua legalidade (basta ver o que juristas contactados pelo Expresso afirmaram). E que levanta ainda maiores problemas éticos.

Os cidadãos, todos eles, estão submetidos à lei. Mas não é por acaso que o conceito de ética republicana existe (e não falo na versão pina mouriana do termo). O comportamento dos parlamentares que elegemos tem de ser um comportamento irrepreensível do ponto de vista ético.

Não tenho por hábito defender a demissão dos titulares dos cargos políticos. A sociedade portuguesa tem aliás uma 'demitite aguda' que me irrita. Não me choca que alguém reconheça um erro, corrija a situação e possa continuar a trabalhar. Choca-me sim que se procure atirar areia para os olhos dos cidadãos. Isso é que é imperdoável.