DIPLOMACIA

Quem armou a confusão na CPLP?

CANDIDATURA A vontade expressa pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva de que agora seria a vez de Portugal ter um secretário executivo na organização levantou polémica FOTO DANIEL RODRIGUES

CANDIDATURA A vontade expressa pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva de que agora seria a vez de Portugal ter um secretário executivo na organização levantou polémica FOTO DANIEL RODRIGUES

Portugal anunciou a sua candidatura ao cargo de secretário-executivo da organização, o qual jamais tinha exercido desde a fundação da Comunidade, e com isso levantou uma polémica entre os membros da CPLP. Amanhã, os ministros dos Negócios Estrangeiros reúnem-se para “trocar opiniões”

TEXTO LUÍSA MEIRELES

O tema não será, com certeza, o prato principal da XIV reunião extraordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que se realizará amanhã, em Lisboa. Dois pontos dominam a agenda do encontro: a discussão sobre a nova visão estratégica para uma organização, cuja imagem e fôlego manifestamente empalideceram desde a sua fundação, em 1996, e a situação na Guiné-Bissau, esse sempre problemático membro da comunidade.

Mas aquilo que está a causar polémica é outro assunto, que nem sequer vem mencionado na agenda do encontro: a candidatura de Portugal ao cargo de secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), um lugar que nunca exerceu, considerando que o posto lhe compete em função dos critérios de rotação estabelecidos . Até agora, Portugal só manteve um cargo de secretário-executivo adjunto, que mais tarde foi extinto para dar lugar ao de diretor-geral.

Foi o ministro Santos Silva que levantou o assunto, logo na sua primeira visita oficial à sede da organização, poucos dias depois de ter tomado posse. E voltou a reafirmá-lo um mês depois, no seminário diplomático, que juntou a classe no princípio de janeiro.

Disse ele então: “A Comunidade de Países de Língua Portuguesa está no topo das nossas prioridades. Em particular, neste ano de 2016, em que se celebrarão os 20 anos da sua fundação, em que se espera a aprovação da sua nova Visão Estratégica e em que cabe a Portugal apresentar a candidatura ao cargo de Secretário/a Executivo/a.”

Aspeto da conferência de Chefes de Estado da CPLP, em 2012, no Maputo, Moçambique FOTO BENOIT MARQUET/AFP/GETTYIMAGES

Aspeto da conferência de Chefes de Estado da CPLP, em 2012, no Maputo, Moçambique FOTO BENOIT MARQUET/AFP/GETTYIMAGES

E destacou ainda Santos Silva: “É uma comunidade de iguais, sendo Portugal um entre vários. Mas temos e partilhamos com vários outros a ideia de que ela pode e deve evoluir acrescentando ao plano da cooperação entre Estados o da colaboração entre as sociedades civis e erguendo, para sustentar o edifício que ela forma, um novo pilar de cidadania. Quer isto dizer avançar na consagração e reconhecimento de direitos aos nacionais de qualquer Estado-membro, no espaço da Comunidade”.

A polémica na organização

Na altura, ninguém se manifestou. Mas dois meses depois, praticamente ao mesmo tempo, o Primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves (PAICV), e o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Georges Chikoti tomavam posições duras a respeito do assunto. De comum o facto de ambos afirmarem que segundo um “compromisso verbal não assinado” na altura da fundação da organização, teria ficado acordado que Portugal, como país-sede da CPLP, não deveria apresentar-se candidato ao lugar.

Para o cabo-verdiano, a seguir a Moçambique (que detém neste momento o cargo), vem S.Tomé e Príncipe, “que está a apresentar candidato”, pelo que o seu entendimento é que “deve haver negociações entre as partes” para dirimir o assunto.

José Maria Neves Primeiro-ministro de Cabo Verde diz que havia “compromisso verbal não assinado”. O seu antecessor nega FOTO SAUL LOEB(AFP/GETTYIMAGES

José Maria Neves Primeiro-ministro de Cabo Verde diz que havia “compromisso verbal não assinado”. O seu antecessor nega FOTO SAUL LOEB(AFP/GETTYIMAGES

Quanto ao angolano, em gorda manchete do Jornal de Angola de 9 de março, fazia lembrar que “Portugal quebra regras na CPLP”, falando numa “imposição por parte de Portugal” e do mal estar existente no seio da organização.

“É certo que não há nada escrito, mas desde a criação da CPLP, quando se escolheu Portugal para sediar a organização, inclusive com o maior número de funcionários, foi acordado que deve abdicar da presidência do órgão executivo”, afirmou o ministro de Angola. E reiterou quer o assunto seria tratado na reunião de dia 17 de março.

George Chikoti O ministro angolano dos Negócios Estrangeiros FOTO ANDRES STAPFF/REUTERS

George Chikoti O ministro angolano dos Negócios Estrangeiros FOTO ANDRES STAPFF/REUTERS

Portugal nega

O problema é que o Governo português nega tal entendimento, escorando-se, aliás, nos estatutos da CPLP, que preveem a apresentação da candidatura segundo um procedimento “rotativo pelos Estados-membros , segundo a ordem alfabética crescente”. Fonte oficial do Ministério disse mesmo que “Portugal não tem conhecimento de nenhum acordo verbal”, como o citado por aqueles dirigentes.

A posição portuguesa foi secundada por declarações públicas do primeiro-ministro de Cabo Verde ao tempo, Carlos Veiga (do Movimento para a Democracia), dos primeiros secretários-executivos, Marcelino Moco (Angola) e Luiz Fonseca (Cabo Verde) e ainda do embaixador António Monteiro, ex-MNE e, na altura, diretor geral dos Assuntos Multilaterais do ministério.

Quanto ao atual secretário-executivo, o moçambicano Murade Murargy, que vai no seu segundo mandato (e há quem diga que aspirava a um terceiro), afirmou que “segundo dizem, houve um acordo de cavalheiros, não escrito”.

O Brasil, por sua vez, não se pronunciou publicamente.

O artº 18 dos Estatutos da CPLP dizem que a apresentação da candidatura do secretário-executivo deve ser feita “rotativamente pelos Estados-membros por ordem alfabética crescente”

Quem tem razão? É difícil saber. Em termos legais, o que faz fé é o que está escrito – e os estatutos da CPLP (art 18º) são claros a esse respeito . E quanto ao caso de outras organizações, há exemplos que valem para as duas teorias. O FMI está sediado nos EUA e tem sempre um americano, por exemplo.

Certo é que, fora da agenda (ou talvez nos “pontos diversos”) vai haver a chamada “conversa franca” entre os ministros de forma a chegar-se a um compromisso (ou talvez não). Afinal, o novo secretário-executivo só terá que ser nomeado na próxima cimeira, tradicionalmente em julho, e que desta vez terá lugar no Brasil.

Há quem queira lançar as origens do desentendimento na particular diplomacia angolana, que joga em diversos tabuleiros, carregando forte nuns, para ter ganhos em outros, mas nada é certo.

Timor A última cimeira da CPLP, em (2014)

Timor A última cimeira da CPLP, em (2014)

A “nova visão”

Para já, o MNE não quer alimentar mais polémica e, solicitado pelo Expresso, não quis adiantar mais nada. A aposta é na agenda oficial, na tal nova “Visão Estratégica”, elaborada por um grupo de trabalho e que propõe basicamente três pontos.

O primeiro é abrir mais a o chamado “pilar da cooperação” à cooperação enquanto tal, entre empresas e organizações comerciais, e não mais à cooperação para o desenvolvimento, como era a tónica há 20 anos. Neste período de tempo, a relação de Portugal com os seus parceiros nomeadamente africanos evoluiu para uma parceria económica.

O segundo diz respeito aos observadores associados, que já existem em número significativo e são tão diversificados como o Japão, a Turquia ou a Ucrânia. Que se pode oferecer-lhes de modo a incentivá-los e a responsabilizá-los pelo ensino do português será outra questão em debate.

Finalmente, que fazer quanto aos chamados direitos de cidadania, nomeadamente quanto ao aumento da mobilidade entre cidadãos da CPLP, direitos de segurança social e sua portabilidade, etc.

Curiosamente, o novo Presidente da República, que esta semana visitou a sede da CPLP, também se pronunciou sobre o assunto, destacando a importância de um "salto qualitativo" que a nova estratégia poderá dar à organização.

"É com alegria que vejo que a CPLP tem futuro, vai ter futuro, irá eleger um novo Presdiente, um novo secretário-executivo, de acordo com o critério da rotação adotado, mas sobretudo irá adotar uma nova estratégia", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa. O que no que à polémica diz respeito, a formulação é ambígua.