Armamento
Uma bomba atómica que falava francês
O acesso de Israel à arma atómica não teria sido possível sem a colaboração económica, tecnológica e política da França, um processo que começou durante a IV República e prosseguiu com De Gaulle
Texto Rui Cardoso Ilustração Ana Simões
A CIA apercebe-se em finais de 1958 que algo se passava no meio do deserto do Neguev, no extremo sueste do território israelita. Às fotos de uma grande construção obtidas pelos aviões espiões U2 juntavam-se notícias de que carros de matrícula francesa e indivíduos falando essa língua (cujo número era avaliado em algumas centenas) costumavam ser vistos num sítio chamado Dimona.
Em 1960, após revelações surgidas no diário britânico “Daily Express”, tornava-se evidente que Israel tinha ali construído um complexo nuclear com apoio francês. O primeiro-ministro israelita, Ben-Gurion, foi forçado a ir ao parlamento, onde declarou que se tratava de uma central nuclear de 24 MW destinada à produção de energia eléctrica.
Era uma meia verdade, já que a partir de 1964 a central conseguia produzir meia-dúzia de quilos de plutónio por ano, o suficiente para em 1966 haver material para uma primeira bomba de fissão. Meses depois, Israel completava a sua entrada no clube atómico com o teste bem-sucedido do míssil balístico Jericó.
A história começara em 1952, com o Governo israelita ainda abalado pela difícil vitória de 1948 sobre os exércitos árabes e pensando que só a arma atómica poderia, a prazo, garantir a sobrevivência perante as ameaças vindas do Egito e da Síria. Perante a recusa de os EUA fornecerem plutónio, Telavive virou-se para França, pondo em campo Shimon Peres. Em outubro de 1956 formaliza-se um acordo secreto: Paris fornece tecnologia nuclear e recebe em troca informações dos serviços secretos israelitas sobre as comunicações entre a guerrilha da FLN argelina e a liderança egípcia que a apoiava militarmente.
Um enigma chamado Vanunu
Se dúvidas houvesse de que Israel possuía a arma atómica, desapareceram de vez perante as revelações feitas em 1986 à imprensa britânica, nomeadamente ao “Sunday Times”, pelo técnico nuclear israelita Mordechai Vanunu, que incluíam fotos da central de Dimona. Quem também desapareceu foi Vanunu, seduzido em Londres por uma agente da Mossad, levado para Roma e aí drogado e conduzido clandestinamente para o seu país.
Julgado por violação de segredo de Estado, Vanunu foi condenado a 18 anos de prisão, saindo em liberdade provisória em 2004 mas continuando sob pressão policial e alvo de outras condenações por contactar jornalistas estrangeiros e pretender deixar Israel.
Tal como a Índia, o Paquistão, a África do Sul do apartheid (que renunciaria ao programa nuclear após a democratização) e a Coreia do Norte, Israel tinha a bomba mas não o reconhecia e, por consequência, não subscrevia o Tratado de Não Proliferação.
Em contrapartida, arrogava-se o direito de intervir de forma unilateral contra vizinhos que tivessem programas nucleares. Foi o caso do raide aéreo contra a central iraquiana de Osirak em 1981, onde em plena ditadura de Saddam Hussein estava a ser produzido plutónio, utilizável no fabrico de bombas.
Mais tarde, em setembro de 2007, a aviação israelita fez outro ataque secreto, desta vez na Síria de Assad (pai do atual ditador), para destruir a central atómica de Al-Kibar, perto de Deir Ezzor, no leste do país. A ação só foi oficialmente reconhecida no passado dia 21 de março, no quadro das pressões de Telavive sobre Washington no sentido da saída do acordo nuclear com o Irão (concretizada por Trump quarta-feira passada).
Antes do acordo assinado entre EUA, Irão, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha em 2015, uma campanha de sabotagens e atentados seletivos visara o programa nuclear iraniano. Entre 2010 e 2012, pelo menos cinco cientistas foram baleados ou vítimas de explosões, ações atribuídas à Mossad e/ou à CIA. Houve também em 2010 uma ação de ciberguerra com utilização do vírus informático Stuxnet para impedir a laboração das máquinas centrifugadoras de urânio, indispensáveis à produção de urânio enriquecido.
Calcula-se que Israel possua 75 a 400 ogivas nucleares, cujos vetores de lançamento podem ser mísseis balísticos, aviões ou submarinos.
Força convencional adaptável
Independentemente da opção nuclear, as forças armadas israelitas notabilizaram-se desde a sua origem por conseguirem adaptar e melhorar todo o tipo de material de guerra convencional, nomeadamente estrangeiro. Até à Guerra dos Seis Dias (1967) recorreram, sobretudo, a tanques e aviões europeus. Transformam carros de combate Sherman da II Guerra Mundial em veículos modernos, remotorizando-os e rearmando-os. Alteraram também os armamentos de tanques Centurion britânicos, AMX franceses e M-48 norte-americanos.
Nos aviões funcionaram inicialmente com Mirage franceses, que se revelaram extremamente eficientes contra os MIG21 de fabrico soviético que equipavam egípcios e sírios, sobretudo após os serviços secretos terem subornado em 1966 um piloto egípcio para obterem para estudo um exemplar da aeronave inimiga.
Em 1973, durante a Guerra do Yom Kippur, os israelitas foram surpreendidos pela eficácia dos mísseis antiaéreos e radares de fabrico soviético dos egípcios, o que lhes retirou temporariamente a superioridade aérea. Da mesma forma, os mísseis anticarro soviéticos fizeram gorar os primeiros contra-ataques blindados israelitas no Sinai. Israel ganhou esta terceira guerra contra os vizinhos árabes mas não se livrou do susto.
Como desde 1968 os britânicos e franceses punham reticências políticas ao fornecimento de material de guerra, este passou a depender quase exclusivamente dos EUA. Contudo, por exemplo, as versões dos jatos F15 e F16 atualmente usadas por Israel são muito modificadas, sobretudo no sentido de cada aeronave poder desempenhar diferentes tipos de missões, numa lógica “de canivete suíço voador”.
Se as peças de artilharia autopropulsadas israelitas são adaptações dos M-109 norte-americanos de 155 mm, os tanques passaram a ser de projeto e fabrico local, os Merkava com peça de 120 mm, capazes de funcionarem também como veículos blindados de transporte de pessoal (até oito soldados) e famosos pela proteção que conferem aos quatro tripulantes, devido ao uso de diversos tipos de blindagem, alguns dos quais modulares e adaptáveis a diferentes ameaças.
Se este material se revelou eficaz nos sucessivos choques fronteiriços com o Hamas na faixa de Gaza, a invasão do sul do Líbano em julho e agosto de 2006 teve algo da Guerra do Yom Kippur, pois as colunas israelitas de tanques Merkava caíram frequentemente em emboscadas ou foram encaminhadas para campos de tiro minados, meticulosamente preparados pela milícia xiita pró-iraniana Hezbollah, que usava material de diversos tipos, quase todo de fabrico russo, como os mísseis anticarro AT-14 Kornet-E ou os lança granadas-foguete RPG 29, ditos “Vampire”.
Um excesso de confiança israelita pago com dezenas de tanques destruídos ou avariados e uma eventual lição, caso o conflito no sul do Líbano se possa reacender no novo contexto resultante da mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém e da saída do acordo nuclear com o Irão.