Henrique Monteiro

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Israel e os seus filhos

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Diz a Bíblia que Jacob, aquele que sete anos serviu Labão, pai de Raquel, serrana bela, como cantou Camões, ao chegar a Betel, na terra de Canaã, onde antes havia construído um altar, viu Deus, que lhe disse: teu nome é Jacob, mas não te chamarás mais por esse nome, mas sim Israel. Recomendou-lhe ter muitos filhos e descendentes, pois uma nação e muitos povos, e mesmo reis, seriam seus descendentes.

A história vem contada no “Génesis” por duas vezes. Antes, Jacob lutara com um anjo (ou com Deus, as interpretações são diversas), e o lutador dissera-lhe: o teu nome não será mais Jacob, lutaste com os homens e com Deus e venceste: por isso o teu nome será Israel. Mais à frente, Jacob tenta saber o nome do seu adversário na luta, mas não consegue. No entanto conclui: eu vi Deus, face a face, mas ainda estou vivo!

Todos somos, pois, descendentes de Jacob. Os judeus e os cristãos e ainda muitos outros. Como Jacob era descendente de Abraão, o qual da escrava Agar tivera como filho Ismael, do qual, tradicionalmente, provêm os seguidores de Alá. É tudo a mesma gente. Mas nem todos tiveram o mesmo destino.

Ao passo que alguns, muitos séculos depois, se transformaram em cristãos, seguindo o exemplo desse ‘rei dos judeus’ (como lhe chamaram os romanos) que foi Jesus Cristo, outros, 700 anos depois do cristianismo, seguiram um profeta, Maomé, a quem Deus ditou o Corão, imutável para sempre. Estes, vindos dos oásis do Médio Oriente, de Medina e Meca e também de Bagdad, conquistaram toda a Ásia Menor e o Norte de África, além da Península Ibérica, de onde só se retiraram definitivamente a favor da cristandade em 1492, data da queda de Granada. Como uma tenaz, os muçulmanos conquistaram a Roma do Oriente, Constantinopla, em 1453 e, mais tarde, os turcos otomanos, islamizados, chegaram a cercar Viena, em 1683. Já os Romanos, propriamente ditos, ainda antes de se converterem ao cristianismo, com Constantino, em 312, tinham expulsado os judeus da Palestina, criando a segunda diáspora, em 70 d.C. (a primeira fora para a Babilónia, no séc. VI a.C.). É quando muitos desses judeus vêm para Sepharad (Península Ibérica), originando os judeus sefarditas, a que os cristãos chamam safardanas, como insulto.

Assim os israelitas, judeus ou descendentes de Jacob se espalharam pelo mundo, sem pátria, sem território. Muitos, em diversos locais, tinham de andar identificados com a estrela de David; muitos, em muitos locais, eram as vítimas preferidas para serem apresentadas como responsáveis pelos males do mundo (os assassinos de Cristo, como lhes chamaram no progrom – ou perseguição – que sofreram em Lisboa em 1506, acusados de serem causa da fome, seca e peste. Mais de 4000 foram mortos, segundo Garcia de Resende).

Querer refazer a História como se Israel fosse de tudo o culpado, é um crime. Querer defender Israel como se de nada tivesse culpa, é um erro

E por todo o lado assim foi. Perseguidos pelo povo, pelo poder político, que implorou (caso de Portugal) ao Papa a introdução da Inquisição, porque tinham dinheiro, ouro e bens móveis não podendo ter, em muitas latitudes, bens fundiários. Aos olhos do vulgo eram todos ricos, banqueiros, com fama de forretas e usurários (porque o cristianismo proibia, teoricamente, o juro).

E assim se chegou ao século das maiores intolerâncias. O século passado (veremos se este o bate). Seis milhões foram aniquilados pela loucura, desumanidade e aplauso de muita população que constituiu o regime nazi e outros semelhantes, como os fascismos italiano e romeno. Assim os palestinianos, na sua guerra permanente com os filhos de Israel se aliaram aos nazis (o Grande Mufti de Jerusalém, tio de Yasser Arafat, foi de uma espécie de SS lá da terra). E daqui – como do movimento sionista (de Zion, Jerusalém) – nasce a ideia de um Estado. Que chegou a ser discutido situar-se na colónia portuguesa de Angola, mas que os judeus exigiram ser onde é Israel. Não há, ao longo de séculos, Páscoa (ou Pessah, que significa passagem) que não termine com a frase ‘No Próximo Ano em Jerusalém”, a terra do templo onde estava a arca com os 10 mandamentos e onde o sumo sacerdote comunicava com o primeiro dos deuses únicos (descontando Akenaton, breve divindade egípcia, de onde talvez tenha nascido a ideia do monoteísmo).

E assim o mandato britânico sobre a Palestina terminou em 1948 e David Ben Gurion, o socialista e sionista, proclamou há exatamente 70 anos o Estado de Israel. Que desde então é uma democracia; que começou a experiência mais fabulosa de coletivismo e comunismo com os kibutz, que foi sempre um Estado de leis onde políticos corruptos são (e estão) presos; que apesar de não ter petróleo se tornou mais próspero do que os potentados. Mas que nunca deixou de lutar com os vizinhos, alguns dos quais não lhe reconhecem o direito de existir. A alguns dos quais os políticos que mandam em Israel (fação direitista) não reconhecem o direito de estarem nos locais onde estavam.

Querer refazer a História como se Israel fosse de tudo o culpado, é um crime. Querer defender Israel como se de nada tivesse culpa, é um erro (como o de Trump a mover, hoje mesmo, para Jerusalém a embaixada dos EUA, que estava, como as outras, em Telavive, onde Gurion proclamou a independência).

Israel, dos filhos de Jacob, há 70 anos que luta com Deus e com os homens e ainda está vivo. Mazel Tov (Boa Sorte)!!! Para eles e para todos os da região.