Benjamin Netanyahu

L'État c'est moi

Benjamin Netanyahu é o sucesso forjado nas frustrações dos seus antepassados, que se posicionaram sempre do lado errado da história, “nunca falhando em apostar nos cavalos perdedores”, como escreve Anshel Pfeffer, jornalista e escritor israelo-britânico que publicou a mais exaustiva biografia até à data do atual primeiro-ministro de Israel. Netanyahu tem quase a mesma idade do Estado de Israel e a sua fórmula política de dividir para reinar tem dominado o país nos últimos 30 anos. Pfeffer conta ao Expresso o que conhece deste Netanyahu que encontrou em Howard Roark, o herói/anti-herói do romance de Ayn Rand “Vontade Indómita”, o seu modelo para o individualismo militante. Quem sofre, diz Pfeffer, é o “extraordinário povo de Israel”, que é liderado por um homem apanhado por “um caso grave de L'État c'est moi - o ‘patriota’ com muito pouca fé na nação de gente extraordinária que lidera”

Texto Ana França Ilustração Ana Simões

“Netanyahu” não é um nome de família - tornou-se um nome de família. Hoje, ao dizê-lo, é imediatamente claro que estamos a falar de Israel, de tão entrelaçados que estão. O apelido que Benjamin adotou é uma escolha e não uma herança e é assim que ele quer que o vejam: como um produto da sua própria robustez intelectual, física e psicológica e não como uma amálgama dos seus antepassados. Se o tivesse conseguido, seria um caso único entre israelitas judeus - talvez caso único entre todos os Homens. Nenhum homem é uma ilha, nem aqueles que nasceram em países que nasceram do nada, em ilhas no meio do deserto. O primeiro-ministro de Israel é indissociável do país, tem quase os mesmos anos (69 em outubro) que o Estado e é o primeiro de todos eles a ter nascido na terra prometida, mais precisamente em Telavive.

“Netanyahu” não é um nome de família. Foi o pseudónimo que o avô sionista de Benjamin encontrou para poder escrever nos jornais da Europa da Primeira Guerra, para onde fugiu pouco depois de os russos terem conduzido uma série de massacres contra a população judia do seu Império no fim do século XIX. Não é de família mas assenta bem a todos os membros do clã: “Netanyahu” quer dizer “dádiva de Deus” e se há coisa em que os Netanyahu acreditam é na excecionalidade concedida pela Providência ao povo judeu. “Netanyahu está a tentar reescrever a História e é nosso dever impedi-lo”, escreveu no jornal israelita Haaretz o jornalista e escritor Anshel Pffefer, autor de “Bibi: A vida e os Tempos Turbulentos de Benjamin Netanyahu”, a mais extensa biografia escrita até agora sobre aquela é a figura central da política israelita dos últimos 30 anos. Em primeiro lugar, ele é um “outsider”, diz ao Pffefer ao Expresso - e toda a sua carreira política assenta nessa perceção que ele passa: “Quando ele chegou à política era muito novo, estava no início dos 30 e esteve sempre a bater-se contra homens muito mais experientes e muito mais velhos. Houve desde o início aquela aura de ‘estrangeiro’ à volta dele e as pessoas achavam que não tinham de o levar a sério. Foi subestimado desde sempre pela classe política e isso é a sua maior vitória.” O molde onde se forjou, e onde deixou que o acantonassem para seu próprio ganho político, é o mesmo onde hoje se movem líderes como Donald Trump ou Viktor Orbán, dois homens que se tentaram sempre descrever como antielite apesar de serem parte dela. “Netanyahu gosta de se ver como um homem fora do establishment mas ele é uma elite, os pais não viviam mal, ele nunca viveu mal, ele é de uma elite e é elitista, só que essa projeção de ‘sozinho contra o mundo’ é uma imagem eleitoral muito forte”, diz Pfeffer.

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Pfeffer lamenta que Netanyahu seja “um primeiro-ministro por contumácia e não por visão” e diz que a sua grande arma está em ser um camaleão capaz de engendrar as coligações mais impossíveis. “Uma segunda razão pela qual as pessoas o acham estranho é porque ele não joga o mesmo jogo político de toda a gente. Ele é muito bom numa coisa que é a identificar qual é, a cada momento, a sua base política. Foca-se só em encantar os partidos que o podem ajudar sem ligar a nenhuma outra parte da sociedade. Só investe nos atores de que precisa, o que é péssimo para o país como um todo”, diz o jornalista. E é por isso que, em trinta anos, com “todo este tempo para mudar as coisas, ele pouco fez que se note”. “As relações com a Palestina estão piores e mudanças internas quase não se notam, aconteceram independentemente dele”, afirma Pffefer, que acrescenta: “Ele é o que chamamos conservador com ‘c’ pequeno. Ele não acredita em mudanças radicais ou em quebrar muito. A forma como ele vê o mundo é manter o status quo e isso é algo que ele sempre fez. Seja a ocupação da Palestina, seja a prosperidade tecnológica, ele teve influência na medida em que não agiu para melhorar nada. Quando ele diz que o sucesso da tecnologia em Israel é produto das ações dele, não é, já estava a crescer, independentemente dele.” Secular até ao tutano, Netanyahu faz acordos com grupos religiosos de uma ortodoxia medieval. Ele mesmo não é racista mas não se preocupa em remexer no racismo para conseguir mais um deputado. “Isso é verdade, ele não é o reacionário racista que parece mas escolhe parecer e assim é-o, de alguma forma, nas alianças que aceita.”

Ao mesmo tempo que descreve com detalhe a vida de Netanyahu e da sua família, Pfeffer conta a história de Israel e o resultado é um espelho. Como o de Dorian Gray, ficamos todo o livro a perguntar quem definharia primeiro se se olhasse nele: se Israel se o homem que o governa. Há um sem o outro? “Há sim. A comunidade internacional reconhece-o quase como uma metáfora para Israel porque ele está lá há muito tempo mas as pessoas lá dentro não são todas pró-Bibi”, diz Pfeffer, que se socorre das parcas percentagens que o Likud tem conseguido nas últimas duas eleições: “Se olhares para as eleições, ele nunca ganha mais de 25% do voto. O sucesso dele está em conseguir coligações. No dia em que ele sair, as ideias que virão serão muito diferentes, ou pelo menos é o que uma grande maioria dos israelitas com quem falo todos os dias deseja. A maioria das pessoas em Israel é contra a ocupação dos territórios palestinianos, por exemplo, e ele não é uma pessoa que as pessoas vejam como uma força de mudança”.

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A evolução do fervor sionista dentro da sua família reflete-se na forma como Netanyahu governa: nunca baixando a guarda, nunca assumindo como dado adquirido a soberania de Israel, fomentando um perpétuo medo do vizinho árabe em todas as campanhas e em todos os discursos. O livro de Pfeffer é como uma colagem de frustrações ancestrais que não teriam problema nenhum se não se tivessem conjugado todas num homem que hoje é primeiro-ministro de um dos países mais importantes para estabilidade mundial. “Ele vive a sua vida contra um cenário de frustrações dos seus antepassados, é verdade. Frustrações ideológicas porque ele pensa, tal como o pai e avô pensaram, que ninguém lhes dá crédito suficiente, que os media internacionais o atacam demasiado, que os meios de comunicação israelitas o atacam demasiado e sempre que ele vai visitar outro país ele diz sempre que os jornalistas não o compreenderam, que estão a focar-se no que não deviam, que não não nos dizem a verdade”, ilustra o jornalista.

Do lado errado da História - há mais de cem anos

Depois de ter passado os seus anos de liceu nos Estados Unidos, em Filadélfia, onde o pai ensinava na universidade, Natanyahu volta para Israel aos 18 anos para cumprir o serviço militar. Foi capitão numa unidade de elite, a Sayeret Matkal, e lutou na guerra de 1973. Foi ferido mas não morreu, quem morreu foi o seu irmão, até hoje o maior herói de Benjamin, o único verdadeiro herói de uma família que lutou pela proeminência política durante gerações “nunca falhando em apostar em cavalos perdedores”, como escreve Pfeffer. Findo o serviço militar, “Bibi”, como é conhecido pelos seus apoiantes, volta para os Estados Unidos para completar os estudos. A sua formação é em Arquitetura mas depois acaba por concluir um mestrado em Gestão no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Em 1982 entrega o passaporte norte-americano e torna-se o número dois da missão diplomática de Israel em Washington. Do dia para a noite formou-se uma estrela. E holofotes nunca foram coisa da qual Benjamin se quisesse esconder.

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Fluente em inglês, com sotaque americano como extra, sentido de humor implacável e enorme conhecedor da História norte-americana - que devorava desde garoto -, todas as semanas ia à televisão. Algumas das pessoas que o entrevistaram nessa altura falam de um jovem “obcecado com os segredos da maquilhagem feminina” que ensaiava as suas frases até à perfeição durante horas, obrigando os amigos a servir de audiência ou de entrevistadores. Tudo aquilo que tanto ele como o seu irmão Jonathan odiavam na sociedade americana - o vazio, o vício do showbiz, as conversas sobre miúdas e bebedeiras, como uma vez escreveu Jonathan numa carta para um amigo em Jerusalém enquanto a família estava na América - servia agora a Bibi como veículo perfeito para defender a causa de Israel.

Em 1984 é escolhido como representante do seu país nas Nações Unidas, em 1988 volta a Israel e entra no Knesset, o parlamento, pelo Likud, um partido conservador. Em 1992 o Likud perde as eleições e Netanyahu ascende a líder de um partido que está à esquerda das suas ideias mas que ele irá transformar para sempre. Em 1999 perde a liderança numas eleições que ele mesmo convocou e Ehud Barak, dos Trabalhistas, é eleito primeiro-ministro.

Barak tinha comandado as forças israelitas no sul do Líbano e era superior militar de Netanyahu. Venceu prometendo paz em várias frentes, incluindo no Líbano. Quando perde decide sair e quem lhe sucede na liderança do Likud é Ariel Sharon, que se torna primeiro-ministro em 2001 e dá a Netanyahu a pasta dos Negócios Estrangeiros e depois a das Finanças. Em 2005, Netanyahu demite-se em protesto contra a posição do governo de Sharon em retirar Israel da Faixa de Gaza. Sharon acaba por formar um outro partido de centro, o Kadima, e logo depois um fulminante enfarte deixa-o em coma. Em 2009, Netanyahu torna-se de novo primeiro-ministro pelo Likud, que voltou a liderar por escolha dos seus membros. A solução dos dois Estados começou a morrer, as autorizações para construir mais bairros israelitas em territórios fora da fronteira acordada pela comunidade internacional sucedem-se e em 2015 Netanyahu diz que o emergir do fundamentalismo islâmico torna a perspetiva da criação de um Estado palestiniano “irrelevante”.

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As suas políticas fervorosamente protetoras de um Estado que se sente perpetuamente ameaçado pelo exterior - ou porque sempre se sentiu ou porque os seus políticos nos últimos 30 anos assim trataram de apregoar - são um legado de um avô que ele não conheceu mas que, no seu tempo, foi um dos mais influentes oradores sionistas de todo o mundo. Nathan Mileikowsky nasceu na pequena cidade de Kreva, em território que hoje é a Bielorrússia, dentro da Rússia dos czares. Nesta altura, os cinco milhões de judeus que vivem dentro das fronteiras do império tinham grandes dificuldades em estudar, viviam normalmente na pobreza e subsistiam em grande parte do pequeno comércio e da agricultura. Os judeus ricos eram os “assimilados”, que Nathan desprezava - um repúdio que deixou em testamento a todos os homens da família. Mas Nathan era especial - os pais notaram logo. Enviaram-no para Volozhin, a cerca de 30 quilómetros, para se tornar rabino. Livre dos lugares intelectualmente inóspitos em que tinha crescido, Nathan começou a ler os revolucionários, os anarquistas, os marxistas. Entre 1881 e 1882, os ataques contra judeus na Rússia precipitaram uma fuga significativa e quando a I Guerra Mundial rebentou, em 1914, mais de dois milhões tinham fugido - a grande maioria deles para os Estados Unidos. Outros, contudo, queriam regressar à casa que não havia, à ideia de um Israel próspero e puro que pudesse receber o Messias quando ele regressasse.

O grupo Hovevei Zion - ou “Apaixonados por Sião” - foi precursor de uma ideologia que hoje conhecemos como “sionismo” e associamos à aresta mais dura do nacionalismo israelita. Eram em grande parte jovens e advogavam o regresso a “Eretz Yisrael”, a terra prometida aos descendentes de Jacó e cujas fronteiras são descritas de forma algo difusa nos escritos do Torah, o conjunto de ensinamentos fundamentais do judaísmo. A terra real correspondente à interpretação dos Apaixonados por Sião estava, na altura em que o avô de Netanyahu decidiu repensar a sua (re)conquista, quadripartida entre quatro distritos diferentes do Império Otomano.

Apesar de ter sido ordenado rabino, Nathan Mileikowsky nunca exerceu: crescia-lhe no peito um outro chamamento, talvez a tal dádiva de Deus. Preferiu antes viajar de comboio pela Rússia a espalhar a palavra aos judeus aprisionados. Começou aí a sua fama de “orador mágico”. No 7º Congresso Sionista, em 1905, a questão sobre como concretizar o sonho comum da criação de um Estado judaico foi um remake da separação das águas: de um lado os “sionistas diplomáticos” que queriam continuar a falar com as várias potências coloniais para que estas lhes garantissem um pedaço de terra na Palestina, do outro os delegados judeus russos enviados a essa mesma conferência, dos quais o avô de Netanyahu fazia parte, que defendiam que se reunissem todos os recursos possíveis entre a diáspora e se começasse com a maior urgência a promover a migração e o estabelecimento dos judeus nessa sua terra espiritual.

No final do século XIX, o avó de Netanyahu foi espancado quase até à morte. Enquanto esmorecia, fez uma promessa. Netanyahu diz que se tornou primeiro-ministro por causa desse momento, dessa promessa

Em 1910, o pai de Netanyahu nasceu: Benzion (“filho de Sião”). Dez anos depois, depois da fratura do Império Otomano, o Reino Unido fica com o “protetorado da Palestina” e Nathan decide fazer o que há tanto tempo vinha prometendo: emigrar para a sua terra prometida. Leva a sua mulher Sarah e o resto da família e estabelece-se como professor na pequena cidade de Safed. Assim que pôde mudou-se para Israel e começou a trabalhar no banco Keren Hayesod, o braço financeiro do movimento sionista. Essa mudança levou-o aos Estados Unidos, onde os seus périplos evangélicos adquiriram uma componente nova: angariação de fundos para ajudar ao estabelecimento pleno do Estado de Israel. Aos 55 anos morre e os seus filhos, educados em colégios internos na América, ficaram por lá ou “assimilaram-se”. Os seus netos nunca o conheceram mas Benjamin Netanyahu evoca muitas vezes em discursos o seu avô e a sua devoção à causa israelita. Nem o seu pai nem o seu avô foram os políticos incontornáveis que sonhavam ser, apenas Benjamin tem essa influência, que começa quando se junta ao Likud, em 1987. Mas a evocação da fibra do seu avô faz parte da persona de Netanyahu e há uma história recorrente na narrativa que cria de si mesmo e dos que o criaram em campanha e que vem no livro de Anshel Pfeffer. Não é possível saber se de facto o avô de Netanyahu terá vivido isto, mas Benjamin conta-o: “O meu avô, Nathan Netanyahu Mileikowsky, estava um dia numa estação à espera de um comboio no centro da Europa, no fim do século XIX, com o seu irmão mais novo, Yehud, e apareceram uns rufias antissemitas com tacos de basebol na mão a berrar ‘morte aos judeus’. O meu avô disse ‘corre, Yehuda, foge, corre’. Ele tentou atrasar os rufias para salvar o irmão e eles bateram-lhe até ele perder os sentidos. Deixaram-no a morrer. Enquanto ali estava, a sangrar, abandonado, pensou: ‘Que vergonha um descendente dos fundadores do judaísmo aqui atirado à lama’. Naquele momento disse para ele mesmo que, se sobrevivesse, levaria a sua família para a terra de Israel e ajudaria as pessoas daquelas terras a construir um futuro. Hoje estou aqui como primeiro-ministro porque causa dessa promessa que ele fez”.

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Em 1940, o líder dos sindicalistas - que viria a ser o fundador e o primeiro primeiro-ministro de Israel -, David Ben-Gurion, chega aos Estados Unidos, onde a família de Bibi já vivia. As divisões que tinham ferido de morte a unidade judaica na Palestina espalham-se agora pelos salões de Washington e Nova Iorque. Foram os anos mais negros para os povo judeu. Com a Europa inteira subjugada à inclemência da Wehrmacht, com as notícias da “Solução Final” a chegarem mais densas e mais negras todos os dias, a América fortaleceu-se como a arena paralela da política israelita.

Com apenas 19 anos, o pai de Netanyahu já era parte da fação mais dura do sionismo, aquela que apoiava a criação de uma força militar israelita, aquela que não contemplava o direito árabe à terra que viam sua por direito divino. O líder deste movimento, Ze’ev Jabotinsky, era uma contradição dentro de um corpo de um homem: engraçou com os movimentos fascistas na Europa, defendia a criação de um exército judaico mas ao mesmo tempo sonhava com uma terra onde cristãos, árabes e judeus pudessem viver em comunhão. Foi líder absoluto do movimento revisionista Hatzohar até à sua morte. Benjamin Netanyahu é herdeiro destas ideias e o quarto líder deste movimento que assumiu outros nomes até chegar ao Likud. Tal como o seu messias ideológico, também Bibi é cheio de contradições: “Ele foi forjado no molde dos antigos líderes sionistas revisionistas, ele até sabe organizar um bom ‘show’ de homem que não precisa de ninguém, de quem tem do seu lado a pureza dos valores mas no fundo tem várias inseguranças, pensa sempre que está sob ameaça, sob ataque. É um homem do mundo que finge ser ‘rural’ quando é preciso, lê imenso mas desconfia da academia, fala de grandes feitos militares e políticos, de grandes empreitadas revolucionárias mas ele mesmo não mudou nada”, diz Pfeffer.

O pai Benzion perdeu aqui qualquer esperança: durante tanto tempo tinha sonhado o mesmo sonho de Ze’ev Jabotinsky, no qual, numa romaria coordenada e em festa, os milhões de judeus que habitavam a Europa iriam ocupar as terras que Deus lhes havia designado. Ora, boa parte deles estavam agora mortos. Desconfiado como era do ardor patriótico dos judeus americanos, Benzion disse, numa das últimas entrevistas que deu e que Pfeffer cita no livro: “O nosso núcleo nacionalista foi destruído, deixou de existir. Isso tornou-me extremamente pessimista e muito preocupado nos anos 40”.

A única coisa que Bibi trouxe da América, escreve Pfeffer, foi “a reverência ao sistema capitalista”

As sementes do ressentimento que se viriam um dia - este dia que vivemos - a tornar a coligação de outsiders que forma a base do Likud estavam lançadas. A bifurcação no seio do sionismo nunca mais se resolveu. São essas ainda as placas tectónicas da política israelita e Netanyahu nada faz para as manter afastadas. Descreve-se como o líder duro necessário no “bairro de rufias” que é o Médio Oriente mas de facto cresceu entre as avenidas largas de Jerusalém e os bairros académicos de Filadélfia. As ideias liberais e democratas que os judeus americanos absorveram ao se terem estabelecido nos Estados Unidos irritavam tanto os pai como os dois pequenos Netanyahu. A única coisa que Bibi trouxe da América, escreve Pfeffer, foi “a reverência ao sistema capitalista”.

“O que ele admirou sempre foi o organização capitalista da América, que ele contrastava com a economia israelita: durante o Verão, quando ia a Israel e visitava os kibbutz, onde toda a propriedade e lucro era partilhada entre os membros da comunidade, Netanyahu dava autênticas lições aos amigos sobre os malefícios do socialismo”, escreve Pfeffer. Uma das suas influências mais profundas foi o seminal livro de Ayn Rand, “Vontade Indómita”. Bibi, escreve o seu biógrafo, ficou “fascinado” com o arquiteto Howard Roark e a sua luta como “pensador independente contra o conformismo e o socialismo que dominavam a sua profissão”.

No fim dos anos 40, a guerra pela Independência estava quase terminada. Seis mil judeus morreram mas do lado árabe o impacto foi enorme: 750 mil pessoas fugiram das terras que tinham sido suas. Territorialmente falando, a vitória de Israel foi clara. De 55% de terra a leste do rio Jordão que tinha sido dada a Israel pelas Nações Unidas a pequena nação tinha passado agora a controlar 80%. O armistício de 1949 deixou 160 mil árabes dentro das fronteiras do novo desenho e, pela primeira vez em cerca de 1900 anos, havia uma maioria de judeus naquelas terras.

Soldados israelitas em março de 1949 FOTO Getty

Soldados israelitas em março de 1949 FOTO Getty

Um desígnio antigo

O grande oponente da abordagem militarista dos homens de Jabotinsky era David Ben-Gurion, um agricultor que se tornou líder sindicalista e que, aqui eles encontram-se, também não acreditava que Israel fosse conseguir um Estado “por decreto”. Como escreve Pfeffer, citando Ben-Gurion: “Não receberemos um Estado através de decisões num Congresso. Não receberemos terra como um presente - uma nação é criada pela força das pessoas”. Um acordo com os árabes também não era possível nem desejável, no seu entender, e aquela que é hoje uma das principais políticas de Netanyahu começou num embrião plantado Ben-Gurion que defendia que a única forma de atingir a soberania era através da “multiplicação de colonatos, cidades e vilas, porque só assim cresce a nossa autonomia nacional”. Quando escolheu seguir Jabontinsky e não Ben-Gurion, Benzion determinou para sempre a vida dos seus filhos. Apesar de Netanyahu perfilhar algumas das ideias que estiveram na base da criação do Estado de Israel, como se vê pelas palavras de Ben-Gurion acima transcritas, tão próximas das hoje proferidas por Bibi em quase todos os discursos, Benzion, com a sua escolha, afastou os filhos da principal corrente sionista que nascia em Israel, a dos trabalhadores de Ben-Gurion que estavam a construir com as próprias mãos as fábricas e os prédios de Israel e haveriam de ficar na história como os fundadores de Israel, epíteto que os Netanyahu desejaram ao longo de três gerações.

É verdade que o Netanyahu do seu primeiro mandato apertou a mão a Yasser Arafat em 1996 e em 1997 assinou o Acordo de Hebron, revertendo as responsabilidades militares da zona para a Autoridade Palestiniana. É também verdade que, em 2009, poucos meses depois do seu segundo “round” como primeiro-ministro, Netanyahu faz o famosos discurso de Bar Ilan, onde reafirma o seu compromisso com a solução de dois Estados. Mas já em 2011, no seu curto interregno governativo, Netanyahu diz que Hebron tinha sido um erro e, em 2015, de novo no Governo, afirma que não haverá um Estado palestiniano enquanto ele governar o país.

“No dia em que ele for embora, como o todo o músculo que quis mostrar, o que ele deixa é uma nação desunida, escondida atrás de paredes. O dele é um caso grave de L'État c'est moi - é o ‘patriota’ com muito pouca fé na nação de gente extraordinária que lidera”, escreve Pfeffer. E, no fim da conversa com o Expresso, mostra-se quase pessoalmente preocupado: “Sim, há um risco claro que ele esteja a desprezar o enorme talento das pessoas de Israel focando-se apenas nos seus medos e alimentando as fobias das pessoas menos protegidas. Não há uma concretização de nenhuma agenda, não há uma atenção dedicada a Israel como um todo. A maioria das pessoas não tem este medo mas há suficientes que o têm e é uma parte considerável do país. Entre eleições, as pessoas estão mais ou menos contentes com as suas vidas, depois chegam as eleições e ele é muito bom a ir buscar aquilo que está debaixo da epiderme das pessoas. Todos os homens são inseguros, não é?”