Henrique Raposo

Crónica

Henrique Raposo

Israel, o filho pródigo da esquerda

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O antissemitismo está de regresso ao centro da esquerda. Muitos já nem disfarçam. Nas últimas décadas, criticar Israel foi sempre um mantra da esquerda, apesar de Israel ser a única sociedade do Médio Oriente que respeita as causas diletas da esquerda. Mas, nos últimos anos, temos assistido a algo novo - a radicalização desse discurso. Já não é apenas antissionismo ou antipolítica externa de Israel, é um antissemitismo puro e duro, sem luvas. Este ódio contra o judeu é evidente nas faculdades e até em partidos e lá vai passando entre os intervalos da chuva, porque é de esquerda. Seja como for, este presente e o passado das últimas décadas têm um efeito estranho: quem nasceu depois do final dos anos 70 tem dificuldade em perceber que Israel começou por ser uma causa da esquerda, dos socialistas, até da URSS. O sionismo começou por ser um filho do socialismo.

A visão de Ben-Gurion não era diferente da dos marxistas. Ele acreditava que esses kibbutz e a novo Sião iriam promover uma irmandade entre as classes trabalhadoras judaicas e as classes trabalhadoras árabes

Israel só passou a ser uma causa do ocidente liberal nos anos 70. No Reino Unido, por exemplo, a influência de T. E. Lawrence e o velho antissemitismo levavam Londres para um pendor mais pró-árabe. Esta realidade está bem retratada no livro de Montefiore, “Jerusalém”, que o Expresso continuará a distribuir nas próximas semanas. E a prova máxima desta realidade é porventura David Grun, isto é, Ben-Gurion, judeu nascido na Polónia que fazia parte do império Russo. Ben-Gurion era um convicto socialista de ala dura que viu no sionismo a junção de duas utopias: a utopia nacional dos judeus e a utopia socialista. É por isso que a base inicial do sionismo foram os famosos kibbutz, fazendas coletivas geridas de acordo com um código de irmandade socialista.

A visão de Ben-Gurion não era diferente da dos marxistas. Ele acreditava que esses kibbutz e a novo Sião iriam promover uma irmandade entre as classes trabalhadoras judaicas e as classes trabalhadoras árabes. Os marxistas também acreditavam que a I Guerra nunca seria possível porque os soldados alemães e franceses e russos unir-se-iam numa grande fraternidade classista; pensavam que a classe social era mais importante do que a lealdade nacional e patriótica. Enganaram-se, como se sabe. Ben-Gurion também.